A regulação das telecomunicações: papel atual e tendências futuras

AutorProf. Carlos Ari Sundfeld
CargoProfessor Doutor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas1-12

Professor Doutor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público. Coordenador da Consultoria Jurídica que concebeu o modelo jurídico da Lei Geral de Telecomunicações e da primeira fase de sua regulamentação. Professor Efetivo da School of Global Law.

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Introdução

A situação atual do direito das telecomunicações no Brasil precisa ser considerada a partir de três distintas perspectivas. Em primeiro lugar, da evolução interna dessa disciplina. Em segundo lugar, das tendências quanto à regulação jurídica geral dos grandes serviços públicos. Em terceiro, dos desafios da organização do Estado.

À semelhança do que vem ocorrendo em vários países, o direito brasileiro das telecomunicações sofreu recentemente uma profunda transformação, no contexto da Reforma do Estado. Mas há importantes aspectos da disciplina atual que só podem ser entendidos em suas conexão com soluções nascidas no passado. Por isso, é indispensável ter uma idéia da evolução experimentada pela matéria.

Um tanto esquematicamente, é possível visualizar cinco fases no direito das telecomunicações do Brasil: as da implantação, estatização, flexibilização, privatização e pós-privatização.Page 2

As fases do direito das telecomunicações no Brasil

Em sua origem, os serviços de telefonia eram da titularidade dos Municípios, pois, à época, a comunicação por telefone não ultrapassava os limites territoriais locais. A partir dos anos 50 e 60, a situação foi se alterando, e o serviço telefônico progressivamente exigiu estruturas de maior abrangência, o que levou à criação de empresas com porte regional e nacional (e, depois, até mundial). Isso refletiu-se já na Constituição de 1969, que decidiu incluir os serviços de telecomunicações entre os pertencentes à União (art. 8.º , inc. XV, a).

Nesse período - que correspondeu ao da implantação da telefonia como base do setor de telecomunicações - a concessão de serviço público foi o instrumento jurídico fundamental. Assim, as empresas privadas prestadoras eram concessionárias do Município (no caso dos serviços locais) ou do Estado (caso dos serviços intermunicipais). No tocante ao modo de prestação dos serviços e direitos dos sujeitos envolvidos, quase não existia regulamentação, resumindo-se esta praticamente às regras dos contratos de concessão.

A seguir, veio a estatização. O projeto, assumido pelo governo militar que se instaurou em 1964, de desenvolver rapidamente as telecomunicações, já então consideradas serviço federal, levou à criação da TELEBRÁS - TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A, sociedade de economia mista com controle acionário pertencente à União e que, exercendo o papel de "holding", controlou 28 empresas (entre as quais a EMBRATEL e as operadoras estaduais), prestadoras desses serviços em quase todo o território nacional.

Essa gigantesca estrutura foi construída tendo como suporte jurídico, em um primeiro momento, o Código Brasileiro de Telecomunicações que havia sido editado pela Lei n.º 4.717, de 27 de agosto de 1962, cujo art. 30, § 1.º , determinara que a própria União explorasse, por meio de empresa pública, os "troncos integrantes do Sistema Nacional de Telecomunicações" (e aí a origem da EMBRATEL), mas ainda admitindo a exploração do serviço telefônico por Estados e Municípios (art. 30, § 2.º ). Mas o passo decisivo foi dado em 1972, com a edição da Lei n.º 5.792, de 11 de julho, autorizando a constituição da TELEBRÁS e determinando que as então prestadoras do serviço de telecomunicações - basicamente empresas concessionárias municipais ou estaduais, além da EMBRATEL - a ela se vinculassem, como "subsidiárias ou associadas" (art. 2.º ).Page 3

O objetivo declarado da criação da nova empresa foi o de unificar nacionalmente os serviços de telecomunicações. Para isso, a TELEBRÁS deveria adquirir participações no capital das então prestadoras, até o ponto de assumir-lhes o controle (art. 4.º ), podendo também efetuar desapropriações (art. 13). Com essa base normativa, o Governo Federal passou à ação e, efetivamente, pôs sob o controle da TELEBRÁS a generalidade dos serviços de telecomunicação no Brasil. Mas quatro quase surpreendentes exceções sobreviveram (as "empresas independentes").

Quando, em 1988, foi editada a nova Constituição brasileira, o chamado SISTEMA TELEBRÁS estava constituído e, para preserválo, o Constituinte, não satisfeito em reafirmar a titularidade, pela União, do poder concedente dos serviços públicos de telecomunicações, dispôs que estes só poderiam ser prestados "diretamente ou mediante concessão a empresas sob controle acionário estatal" (art. 21, XI, na redação vigente até a EC 8/95). Mas, para manter intocada exceção mencionada há pouco, o art. 66 do "Ato das Disposições Constitucionais Transitórias" declarou: "São mantidas as concessões de serviços públicos de telecomunicações atualmente em vigor, nos termos da lei".

Na fase da estatização, à expansão dos serviços não correspondeu um incremento normativo de igual intensidade. Ao contrário. As regras jurídicas de importância eram apenas as destinadas a garantir a intangibilidade do espaço estatal de exploração, inacessível à iniciativa privada. No mais, o que se tinha eram normas empresariais internas, da própria TELEBRÁS, sem maiores conseqüências jurídicas.

Assumindo a Chefia do Executivo Federal, o Presidente Fernando Henrique Cardoso pôs em marcha um ambicioso plano de reforma do sistema de exploração das telecomunicações, para compatibilizá-lo com a tendência mundial do setor, que pode ser resumida em duas proposições: a) as empresas estatais de prestação de serviços de telecomunicações deveriam ser transferidas à iniciativa privada; e b) não deve haver monopólio na exploração dos serviços, sendo necessário implantar a competição entre empresas distintas.

Essa reforma se iniciou com a fase da flexibilização das telecomunicações, que ocorreu entre os anos de 95 e 97. Nela, esboçou-se a abertura do mercado de telecomunicações. Seu grande marco foi a Emenda Constitucional 8/95, que autorizou a quebra do monopólio da TELEBRÁS. Três leis tiveram repercussão: a Lei Mínima de Telecomunicações (n.º 9.295, de 16.7.96), que autorizou a outorga de novas concessões do Serviço Móvel Celular - SMC; a Lei de Concessões de serviços públicos em geral (n.º 8.987, 13.2.95), que seria aplicada no processo de outorga do SMC; e a Lei de TV a Cabo (n.º 8.977, de 6.5.95), disciplinando a concessão desse serviço e esboçando sua regulação. Nessa fase, o Ministério das Telecomunicações age como regulador ad hoc, edita inúmeros regulamentos, incluindo o do SMC, promove licitações ePage 4 implanta no Brasil a prática...

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