Das sessões secretas à 'transparência indecente' das portas abertas: uma introdução à história constitucional brasileira

AutorCarlos Victor Nascimento dos Santos
CargoProfessor Adjunto de Direito na Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Cidade Universitária de Macaé. Doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2017). Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Constituição, Justi...
Páginas226-254
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e90254
226226 – 254
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Das sessões secretas à “transparência
indecente” das portas abertas:
uma introdução à história
constitucional brasileira1
Carlos Victor Nascimento dos Santos2
Resumo
O artigo produz uma arqueologia da categoria “portas abertas”, apresentando elementos capazes
de compreender o exercício da colegialidade nos tribunais brasileiros. Foi produzida uma pesquisa
historiográca a partir da consulta aos Anais do Parlamento Brasileiro de 1826 a 1828, além de
análise bibliográca sobre o tema. Como resultados, além da demonstração de tensões entre os
Poderes de Estado, são apresentados dois importantes momentos para compreender o formato das
sessões de julgamento nos tribunais: (i) o início de um “constitucionalismo brasileiro” e (ii) o pro-
cesso de autonomização administrativa dos tribunais brasileiros. A demarcação destes momentos
permitiu compreender como, em pouco menos de duzentos anos de história constitucional brasi-
leira, os tribunais migraram de um formato em que (i) discutiam e deliberavam a portas fechadas,
passando por um sistema misto em que discutiam em sessões secretas e deliberavam a portas
abertas para (iii) um sistema em que discutem e deliberam a portas abertas.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. Portas abertas. Sessão de julgamento. História cons-
titucional. Parlamento brasileiro.
1 O título faz uma remissão à ideia transmitida pelo Ministro aposentado Joaquim Barbosa ao comentar sobre
a TV Justiça em uma entrevista. Para maiores informações, consultar a entrevista: “Aos que apostam na im-
punidade: isso acabou”, disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/412214/noticia.
htm?sequence=1.
2 Professor Adjunto de Direito na Universidade Federal Fluminense; Docente Permanente do Programa de Pós-
-graduação Stricto Sensu em Direito Constitucional (PPGDC-UFF). Doutor em Teoria do Estado e Direito Cons-
titucional (PUC-Rio); Mestre em Direito Constitucional (UFF) e Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Constituição, Justiça e Cidadania – NEPCON. Contato: carlosvictorsantos@id.uff.br. Orcid: https://orcid.
org/0000-0002-3711-4082
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 21 - Nº 52 - Set./Dez. de 2022
227226 – 254
1 Introdução
Em entrevista concedida em 2007 após o recebimento da denúncia
da Ação Penal nº 470, que julgava o escândalo do Mensalão, o Ministro
Joaquim Barbosa (2017) armou que as sessões do Supremo Tribunal
Federal (STF) eram “indecentemente transparentes”. De fato, comparado
a qualquer outra corte suprema ou tribunal constitucional, o STF exibe
uma “transparência incomum”, para empregar uma expressão de um ana-
lista contemporâneo: sua amplíssima cobertura por meio de praticamente
todos os tipos de mídia, muitos dos quais criados e mantidos pelo próprio
tribunal, tanto de suas sessões de deliberação como de julgamento, encon-
tra raro paralelo em qualquer outro tribunal de igual envergadura mundo
afora. Mas nem sempre foi assim. Na realidade, quando foi constituído,
o então STJ do Império realizava todas as suas funções longe de qualquer
escrutínio público. Esse artigo busca, portanto, contar a história3 dessa
transformação. Nesse sentido, em um primeiro momento, a pesquisa re-
presenta a possibilidade de facilitar a compreensão das dinâmicas ocorridas
tanto na discussão quanto na deliberação do Supremo Tribunal Federal.
Se considerada a sua dimensão macro, a pesquisa pode representar ainda
um aprofundamento sobre a compreensão e, consequentemente, o modo
de funcionamento das instituições judiciais colegiadas do Brasil no que se
refere principalmente ao momento em que se reúnem para discutir e deli-
berar diante do público.
E conforme será exposto nas próximas linhas, não existe uma discus-
são, estudo ou pesquisa organizada no Direito ou na História acerca do
porquê as instituições judiciais colegiadas no Brasil discutem e deliberam
a “portas abertas”. A referida conguração é fundamental para compreen-
dermos não apenas a estrutura e funcionamento do “Poder Judicial” do
Brasil Império, mas também algumas das intercorrências que tanto esti-
mulam estudos e pesquisas sobre “como os juízes decidem” ou “como as
decisões são produzidas” (SANTOS, 2019).
3 Os Anais do Parlamento Brasileiro de 1826 a 1828, citados neste artigo, estão identificados nas notas de rodapé.
Foi mantida a escrita original dos trechos; por isso, quaisquer desvios gramaticais devem ser desconsiderados.

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