Mesa de debates (I) - Princípios constitucionais tributários

AutorSalette Nascimento
Páginas19-31

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DESA. FEDERAL SALETTE NASCIMENTO

- Eu saúdo os eminentes Professores integrantes da Mesa, Prof. Alcides Jorge Costa, Prof. Sacha Calmon Navarro Coêlho, Prof. Roque Carrazza, Srs. Advogados, Universitários, Colegas. É com especial satisfação que participo deste XXV Congresso de Direito Tributário, um evento tradicional no cenário jurídico e, por sua excelência, sempre aguardado por todos os operadores do Direito. Faço uma homenagem ao Prof. Geraldo Ataliba, um notável Professor. Seus ensinamentos vivem. Também ao Prof. Aires Barreto e ao Prof. Paulo Barreto, responsáveis pelo sucesso deste Congresso ao longo dos anos.

Nosso primeiro palestrante será o eminente Prof. Dr. Alcides Jorge Costa, conhecido e estimado Jurista, Doutor em Direito pela USP, Livre-Docente em Direito pela Faculdade de Direito da USP, Professor do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Sócio-Fundador e ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro, autor de inúmeras e prestigiosas obras. Sem mais, passo a palavra à S. Exa. para o tema de hoje, que será "Princípios Constitucionais Tributários". Com a palavra, Professor.

PROF. ALCIDES JORGE COSTA - Começo por cumprimentar os membros da Mesa, Des. Salette Nascimento e todos os demais membros.

Devemos falar sobre princípios tributários, e começo pelo "pai de todos", que é a segurança jurídica, porque esses princípios existem em função da segurança jurídica. Certamente alguns princípios serão abordados aqui - legalidade etc. -, e tudo isso existe em função da segurança jurídica. A segurança jurídica ou, melhor, a segurança - vamos ser mais cautelosos -, é prevista expressamente na CF, art. 5º, que se refere apenas a "segurança", sem acrescentar "jurídica". "Segurança" é uma palavra a que os dicionários dão - e me refiro aqui especificamente ao Houaiss - 14 significados diferentes, e inclusive um muito curioso, que é o de "prenhez de fêmea de quadrúpede". Está escrito lá, não é culpa minha. Mas, obviamente, não é disso que eu vou tratar, nós não estamos em um congresso de Veterinária.

De qualquer forma, a segurança é básica e interessa a todos, porque todos que

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vivemos em determinado País queremos nos sentir em segurança, queremos ter a possibilidade de conhecer as leis e demais atos normativos que estão sendo aplicados, queremos ter certo grau de confiabilidade - e, enfim, tudo isso é necessário para organizarmos nossa vida e prevermos as consequências dos atos que praticamos. Não vou discutir, aqui, se a segurança é um princípio ou se é um sobreprincípio, como se diz; ou um postulado, como dizem outros. Mas vou apenas dizer que a segurança jurídica é ínsita ao Estado Democrático de Direito. Não existe segurança absoluta. Não chego ao ponto de dizer, como aquele autor americano realista, o Jerome Frank, que não existe a segurança jurídica, porque, senão, a sociedade estaria "engessada" e nunca evoluiria. O que existe é o maior ou menor grau de insegurança. E, naturalmente, a segurança em um Estado Democrático de Direito é, obviamente, maior que no Estado totalitário. E nós estamos, felizmente, em um Estado Democrático de Direito, de modo que devemos contar com a segurança.

Mas vamos examinar um pouco, agora, o que está acontecendo com a segurança jurídica, com a previsibilidade, com a cognoscibilidade, com a confiabilidade. Vamos verificar um pouco. E eu lhes diria que ela poderia ser um pouco melhor do que é atualmente. Nós sabemos que estamos sepultados por uma catadupa de leis, decretos, atos normativos e tudo o mais (eu me refiro ao campo tributário) - o que, obviamente, torna difícil conhecê-los, sempre e sempre. Refiro-me apenas, aqui - já nem vou muito longe -, a esses famosos convênios celebrados no seio do CONFAZ. Mais de uma centena por ano. E, além disso, tem os protocolos, e mais não sei o quê. Não é de graça que, no levantamento feito pelo Banco Mundial e pela Price Watherhouse Coopers, em conjunto, o Brasil foi apontado como o País onde se gasta o maior número de horas para cumprir as obrigações tributárias necessárias e trabalhistas, sendo que, no total de 2.600 horas anuais, as obrigações trabalhistas comparecem com uma faixa pequena. O difícil, mesmo, são as obrigações tributárias, aí incluídas as previdenciárias.

Então, este já é um índice da dificuldade que todo mundo tem. Por outro lado, as leis, às vezes, são um pouco complicadas, e inutilmente complicadas - como essa lei que regula a COFINS não cumulativa. É quase um quebra-cabeças, difícil de aplicar para o contribuinte e difícil de aplicar também para a autoridade.

Por outro lado, ainda - e, agora, vou dar certos exemplos -, interessante notar como, na aplicação das leis, muitas vezes se desconhecem certos princípios. Eu estou aqui com um protocolo celebrado entre São Paulo, Distrito Federal e o Espírito Santo - ou, melhor, São Paulo e o Espírito Santo - sobre importação por conta e ordem de terceiros. Ao celebrar este protocolo, os Estados interessados o submeteram ao CONFAZ, que o aprovou em um convênio, o Convênio ICMS-36/2010. E que, curiosamente, diz o seguinte: "Cláusula Terceira. O disposto neste Convênio não representa a anuência dos demais Estados e do Distrito Federal às disposições sobre importação por conta e ordem e sobre importação por encomenda, previstas no Protocolo ICMS n. 23, de 3 de junho de 2009". Não está de acordo, mas aprova. E digo mais: nesta história da comissão mercantil - ou da comissão que, agora, deixou de ser mercantil e, pelo Código Civil de 2002, estendeu-se a tudo -, o aplicador da lei, os autores desses protocolos, esqueceram de um pequeno detalhe: esqueceram de que o Código Civil alterou muito a disciplina da comissão, do contrato de comissão. O contrato de comissão, que no Código Comercial era exclusivo do comércio e que era uma subespécie de mandato, passou a ser contrato autônomo, com implicações sobre o problema aqui tratado - o que não foi levado em conta. Obviamente, desconheceu-se por completo o art. 110 do CTN, segundo o qual as instituições de direito privado não podem ser alteradas desde que vão influir na discriminação

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de rendas. Aqui, infiui, porque determina o local onde deve ser recolhido o ICMS. Então, isso não poderia ter sido feito. É a primeira crítica que faço. E como é feito? O CONFAZ aprova, mas não aprova. Aprova, mas diz que não aprova. Em quê ficamos? O contribuinte, obviamente, sente-se inseguro. Se o Código Civil não é levado em conta, se se aprova, não aprova etc., verifica-se que se fica ao sabor dos Fiscos Estaduais, que vão fazer o que quiserem.

Outro ponto a que quero me referir agora é a modulação das decisões do STF. E, aqui, sabemos que a Lei 9.868, de 10.11.1999, no seu art. 27, disse o seguinte: "Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços dos seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado". Esta é a famosa modulação. Atribuir efeitos ex tunc ou efeitos ex nunc à decisão.

Aqui já se nota uma coisa nesta lei. Está escrito: "tendo em vista razões de segurança jurídica ou" - é uma disjuntiva - "de excepcional interesse social". E, aqui, faço, já, uma pergunta: e se o STF decidir que deve modular uma decisão, em vista de excepcional interesse social? O conceito de "interesse social" é bastante vago, é daqueles conceitos cujo núcleo comporta uma série de coisas e cujo halo é muito grande. Então, o que é que será que o STF vai achar de excepcional - além disso, além do interesse social, tem o "excepcional interesse social" -, o que será que ele vai achar? É o interesse de um segmento da sociedade, é o interesse da sociedade inteira? E se a decisão contravier à segurança jurídica, em que pé ficamos?

E tenho em vista o que está acontecendo agora com esses famosos incentivos estaduais, que são inconstitucionais, conforme o STF declarou, já, várias vezes e que agora acabou de declarar em 14 processos julgados no mesmo dia, coisas do interesse geral etc. Eu espero que, em nome da segurança, o STF não module essa decisão. Os Estados estão fazendo pressão para isso. Espero que não module por quê? Porque esses incentivos eram claramente inconstitucionais. Todo mundo sabia disso, todo mundo sabia também da inconstitucionalidade. Todo mundo, eu digo o Fisco e o contribuinte agraciado com esses incentivos. Ninguém é ingênuo a ponto de não saber aquilo que era mais que proclamado.

Por outro lado, o STF já tinha decisões anteriores nesse sentido, decisões que não foram moduladas. De modo que modular estas 14, conforme os Estados estão pressionando, seria abrir um campo enorme de insegurança jurídica, porque eu não tenho dúvida de que, amanhã, os Estados recomeçam com esses incentivos inconstitucionais. Não tenho a menor dúvida, muito pelo contrário, eu leio nos jornais, agora, que para este ou aquele ramo de indústria os Estados estão oferecendo mundos e fundos. Quer dizer: depois da decisão do STF, continuam a oferecer. Será que eles estão confiados em uma modulação que diga que o efeito se produz ex nunc, e não ex tunc? Quer dizer: se esta modulação for feita e se se atribuir o efeito ex nunc, então, haverá uma desmoralização muito grande da própria Constituição, porque o incentivo é patentemente inconstitucional. Sou realmente contra essa modulação. E os Estados têm meios de não cobrar os contribuintes. Eles que se juntem em um convênio e declarem a anistia de todos os contribuintes que gozaram desses incentivos e que, agora, teriam que repor todos os incentivos aos Estados que os beneficiaram.

Estou me limitando pelo tempo, não estou estendendo muito este assunto, porque poderia ser acrescido de outros exemplos. O...

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