Decisão Monocrática nº 50001189020198210121 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 19-01-2022

Data de Julgamento19 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001189020198210121
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001565834
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000118-90.2019.8.21.0121/RS

TIPO DE AÇÃO: Eletiva

RELATOR(A): Des. MIGUEL ANGELO DA SILVA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELANTE: MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA DO SUL (RÉU)

APELADO: ONDINA AIMI BAGGIO (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. Direito à Saúde (ECA e Idoso). ESTADO E MUNICÍPIO. FORNECIMENTO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. AFROUXAMENTO DE PRÓTESE. REVISÃO COM IMPLANTES. SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. DIREITOS SOCIAIS PRESTACIONAIS.

NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA.

Ao juiz é conferido o poder geral de instrução do processo, “ut” art. 370 do CPC.

Descabe falar em cerceamento de defesa quando o juízo profere sentença com fulcro no art. 355, inciso I do CPC, especialmente quando a parte autora aporta aos autos documentos relevantes (laudos, exames e atestados idôneos) demonstrando sua patologia e a necessidade de uso de medicamento específico, dados não infirmados de forma fundamentada pela resposta. A prova documental, em situações tais, pode ser bastante ao adequado desate da lide.

LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRONUNCIAMENTO DO STF EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, nos termos do art. 196 da Constituição Federal. “A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.” (excerto do RE 855.178, Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe 16-03-2015).

ACESSO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL QUE EXIGE PROTEÇÃO SUFICIENTE.

O acesso à saúde é direito fundamental e as políticas públicas destinadas a implementá-lo, embora vinculem o Estado e os cidadãos, devem gerar proteção suficiente ao direito garantido, afigurando-se suscetíveis de revisão judicial, sem que daí se possa vislumbrar ofensa aos princípios da divisão de poderes, da reserva do possível ou da isonomia e impessoalidade.

A outro turno, as normas internas de organização, funcionamento e gestão do Sistema Único de Saúde, de natureza administrativa, não arredam a legitimidade solidária dos entes federativos para responder às demandas de fornecimento de medicamentos, exames ou procedimentos deduzidas pelos desprovidos de recursos financeiros indispensáveis ao seu custeio.

"Ao paciente não cabe eleger o hospital particular, procedimento e o médico que irá realizar a cirurgia, já que está recebendo o tratamento por intermédio do Sistema Único de Saúde, às expensas dos cofres públicos, devendo se submeter ao procedimento em hospital disponibilizado pela rede pública de saúde". ("ut" trecho da ementa do Acórdão do Agravo de Instrumento Nº 70073503013).

"A realização do procedimento cirúrgico se dará em Hospital de Referência do SUS, disponível da rede, o que significa dizer que não tem a autora a livre escolha do profissional, assim como do hospital." ("ut" trecho da ementao do Acórdão da Apelação Cível, Nº 70065809865).

RECURSO DO MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA DESPROVIDO.

APELO DO ESTADO DO RS PROVIDO EM PARTE.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1 - De início, reporto-me ao relatório do parecer ministerial exarado nesta instância revisora, que sumariou a espécie nestes termos (Evento 9), "in verbis":

"ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA DO SUL formulam perante esta 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça APELAÇÕES contra ONDINA AIMI BAGGIO, inconformados com a r. decisão proferida pelo Magistrado da Vara Judicial da Comarca de Santa Bárbara do Sul, nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER pela recorrida ajuizada, na qual julgou procedente o pedido formulado por ONDINA AIMI BAGGIO contra o MUNICÍPIO DE SANTA BÁRBARA DO SUL e o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, para determinar ao requerido que proceda à realização da cirurgia, nos termos prescritos e custeados pelo SUS, o que faço com base nas razões já deduzidas.

O Estado do Rio Grande do Sul sustenta a reforma da sentença, alegando, inicialmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, vez que o julgador não oportunizou a produção de prova pericial solicitada. Afirma que restou impedido de “produzir prova indispensável para amparar sua tese defensiva, o que implica evidente violação do princípio constitucional insculpido no art. 5.º, LV, da CF/88, que assegura a todos os litigantes, inclusive ao ente público, o direito ao devido processo legal, que compreende o contraditório e a ampla defesa. Da mesma forma, também foram afrontados os arts. 369 e 464 do NCPC, que garantem a produção de provas”. Assevera que o juízo baseou-se em prova unilateralmente produzida, negando ao ente público o direito de contrapô-la, pelo que não proporcionou tratamento isonômico. Defende também a improcedência da ação por não haver prova de que tenha negado o pedido da autora na esfera administrativa, aliás, ela sequer consultou no SUS. Aduz que, não havendo risco de morte, o paciente deve aguardar para atendimento na ordem cronológica, pois a prestação do serviço se dá segundo algumas regras, que passa a elencar. Ademais, a interferência do Poder Judiciário nas filas de espera para realização de consultas, viola os princípios do acesso universal e igualitário ao sistema único de saúde em detrimento de outros cidadãos que igualmente aguardam atendimento. Discorre longamente, com base no artigo 196 da Constituição Federal, acerca do direito à saúde e descentralização dos serviços prestados no âmbito do SUS. Ao final, postula a nulidade da sentença, com retorno dos autos para a origem para complementar a prova e, no mérito, seja julgada improcedente a ação ou que se faça constar que o procedimento e os materiais são fornecidos pelo SUS, incluindo despesas médicas e hospitalares (págs. 01/07 - Evento 80).

O Município de Santa Bárbara do Sul, em apelo, postula a reforma da sentença alegando falta de interesse de agir da autora da ação porquanto não solicitou ela na esfera administrativa a realização da cirurgia. Aliás, ela não realizou consulta na rede pública de saúde, mas sim em médico particular. Afirma ser responsável tão somente pela prestação de serviço na rede básica de saúde, motivo pelo qual “a Fazenda Pública Municipal não está compelida a fornecer procedimentos cirúrgicos de média e alta complexidade ou de auto custo, sendo que o procedimento postulado pela parte Requerente não é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde, tendo em vista a sua complexidade”. Discorre longamente acerca da competência dos entes federados no tocante à prestação do serviço de saúde pública de acordo com o regramento estipulado pelo SUS. Defende a improcedência da ação, pois não foi negada a ela a prestação do serviço, e, ainda, porque não comprovada a urgência na realização do procedimento (págs. 01/08 – Evento 82).

A apelada, em contrarrazões, manifestou-se pela manutenção da sentença (págs. 01/05 – Evento 84)."

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer opinando nestes termos: "pelo CONHECIMENTO DO RECURSO e, no MÉRITO, pelo PARCIAL PROVIMENTO à APELAÇÃO interposta por ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, pelo CONHECIMENTO DO RECURSO e IMPROVIMENTO à APELAÇÃO interposta por MUNICÍPIO DE SANTA BARBARA DO SUL."

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

2 - O recurso comporta julgamento monocrático realizado de plano.

A Súmula 568 do STJ enuncia: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.”

Da nulidade da sentença. Inocorrência.

O juiz é o destinatário da prova, “ut” art. 370 do CPC, podendo deferir ou indeferir as diligências que julgar pertinentes ou não para formar a sua convicção.

Por meio dessa regra, o sistema processual brasileiro dá guarida ao princípio da persuasão racional, segundo o qual o julgador deve apreciar livremente a prova e proferir a decisão de acordo com o seu livre convencimento motivado.

No caso sub examine, a manifestação do médico que assiste a parte autora, bem como a prescrição dando conta da necessidade específica da medicação postulada torna despicienda a realização de outras provas.

No ponto, bem destacou a Procuradoria de Justiça ao afirmar que "Não há de merecer acolhimento a tese de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois, ao contrário do alegado pelo Estado do Rio Grande do Sul, aos entes públicos foi oportunizado a produção de prova, tanto que parte do requerido pelo recorrente foi deferido. O fato de não ter o julgador deferido a produção de prova pericial, por si só, não caracteriza cerceamento de defesa, pois pode o julgador indeferir as provas entendidas por desnecessárias ou protelatórias. Por outro lado, já há nos autos atestado de médico ortopedista e perito do Poder Judiciário, atestando a necessidade de realização do procedimento cirúrgico postulado pela parte autora, prova isenta, a qual aponta efetivamente para a desnecessidade da produção de prova pericial." (sic).

Assim, revelando-se bastante ao adequado desate da lide a prova documental aportada aos autos, e dispondo o julgador de elementos suficientes para se posicionar frente às teses e argumentos contrapostos, não vinga a tese de...

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