Decisão Monocrática nº 50001495620098210123 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 09-02-2022

Data de Julgamento09 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50001495620098210123
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001704073
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000149-56.2009.8.21.0123/RS

TIPO DE AÇÃO: Adicional de Periculosidade

RELATOR(A): Des. LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: MUNICÍPIO DE INHACORÁ (RÉU)

APELADO: ADI GUTIVAM MOREIRA AGUIAR (AUTOR)

EMENTA

apelação CÍvel. servidor público. município de INHACORÁ. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TERMO INICIAL. DATA DO LAUDO. EFEITOS PRETÉRITOS. IMPOSSIBILIDADE.

1. A constitucionalização da Administração Pública determina a aplicação dos artigos , e 37, “caput”, da Constituição Federal, ao âmbito do exercício de toda competência administrativa. Os princípios e os direitos fundamentais são relevantes no controle substancial das atividades da Administração Pública, submetida à legalidade e à unidade de sentido dos demais princípios. O controle de juridicidade administrativa qualificada exige submeter os atos administrativos ao Direito, conforme precedentes do STF e do STJ.

2. Conforme se extrai da inicial, a parte autora postula o pagamento retroativo do adicional de periculosidade, atinente ao período de 26/02/2006 a 2014.

3. A pretensão esbarra no recente entendimento adotado pela Terceira Câmara Cível no sentido de que não é possível estender o pagamento do adicional de insalubridade e periculosidade ao servidor em período anterior à formalização do laudo pericial, tendo em vista a pacificação da questão pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 413 – RS, em acordão datado de 11.04.2018.

4. Como o laudo pericial foi produzido em 29/05/2017, analisando período de labor realizado entre 26/02/2006 a 2014, e considerando a data do óbito do servidor em 22/04/2014, a ação deve ser julgada improcedente, ante a impossibilidade de emprestar efeitos retroativos a laudo pericial atual.

APELO PROVIDO (ARTIGO 932, INC. V, DO CPC E ARTIGO 206, XXXIX, DO REGIMENTO INTERNO DESTE TRIBUNAL).

AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

DECISÃO MONOCRÁTICA

ADI GUTIVAM MOREIRA AGUIAR ajuizou ação contra o MUNICÍPIO DE INHACORÁ.

A magistrada de 1º grau decidiu pela procedência do pedido, nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO, com fulcro no art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por ADI GUTIVAM MOREIRA AGUIAR contra o MUNICÍPIO DE INHACORÁ, para o efeito de reconhecer o direito do autor à percepção de adicional de periculosidade, no percentual de 30% sobre a remuneração básica, bem como para fins de condenar o requerido ao pagamento das parcelas vencidas desde 01.03.2006 até 22.04.2014, em favor da sucessão. As parcelas devem ser atualizadas monetariamente desde as datas em que eram devidas, conforme a variação do IPCA-E, acrescidas de juros da caderneta de poupança, desde a citação.

Em face da sucumbência condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais, nos termos da alínea “a”, do art. 11 da Lei n. 8.121/85, uma vez que o ajuizamento da ação é anterior a Lei n. 14.634/2014, que trata da isenção do pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais. Considerando que a sentença não se encontra liquidada, deverá o percentual da condenação ao pagamento de honorários ao procurador da demandante ser fixado quando liquidado o julgado, nos termos do art. 85, §4º, inc. I, do CPC/2015.

Em razões recursais (fls. 16-28, processo judicial 5, evento 3), o Município alega que não foi comprovado que o autor exercia exclusivamente a função de Vigia, e que essa atividade ensejasse, por si só, o pagamento de adicional de periculosidade. Afirma que houve o pagamento da gratificação a contar de setembro de 2012. Sustenta que o desempenho esporádico de atividades perigosas, afasta o direito ao recebimento do benefício. Invoca o princípio da legalidade. Defende, ainda, a impossibilidade de pagamento do adicional sem prévia perícia técnica, salientando que o pagamento ocorre somente após a perícia. Colaciona precedentes jurisprudenciais. Pede o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 4-9, processo judicial 6, evento 3), pugnando pela manutenção da sentença. Defende que o termo inicial do adicional de periculosidade deve ser a data de vigência da lei que definiu sua concessão, e não o laudo técnico.

Subiram os autos, e, neste grau, o Ministério Público, em parecer do Procurador de Justiça Luiz Achylles Petiz Bardou, manifestou-se pelo parcial provimento da apelação.

É o relatório.

Decido.

I – CABIMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA.

O artigo 932, incs. IV e V, do Código de Processo Civil, assim dispõe:

Art. 932. Incumbe ao relator:

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

E o Colendo Órgão Especial deste Tribunal aprovou emenda ao Regimento Interno, dispondo:

Art. 206. Compete ao Relator:

XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;

II – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo e está isento de preparo em virtude de lei. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

III – MÉRITO.

A parte autora ajuizou ação contra o Município de Inhacorá, postulando o pagamento do adicional de periculosidade.

Regime Jurídico dos Servidores Públicos e a Constitucionalização do Direito Administrativo

Trata-se de questão relacionada ao regime jurídico dos servidores públicos. Conforme Wallace Paiva Martins Júnior:

“Por regime jurídico do servidor público se concebe o complexo de normas da disciplina da acessibilidade aos cargos e funções e sua forma de provimento e requisitos, direitos e deveres, movimentação funcional (promoção, remoção, etc.), sistema remuneratório, responsabilidade administrativa (infrações, sanções e processo) e aposentadoria.”

(...)

“Essa visão de um núcleo normativo da relação funcional não foge da concepção jurisprudencial nem doutrinária , ainda que se tenha entendido de maneira ampla que ‘a locução constitucional regime jurídico dos servidores públicos’ corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes.”1

A constitucionalização do Direito Administrativo remete para o importante tema da supremacia da Constituição e a efetividade em relação ao regime jurídico dos servidores públicos. Como menciona J.J. Gomes Canotilho, no Estado Constitucional, a lei constitucional não é apenas uma simples lei incluída no sistema jurídico, mas verdadeira ordenação normativa fundamental.2 Com efeito, e a partir dos artigos e , CF, o exercício da competência administrativa funda-se na unidade dos princípios constitucionais para materializar o conjunto de indicações democraticamente construídas. Não é por outro motivo que Juarez Freitas afirma: “nesse horizonte, já é passada a hora de princípios e direitos fundamentais assumirem maiúsculo papel no controle substancial das relações administrativas.”3

Nos termos do artigo 37, “caput”, CF, a Administração Pública, sob pena de chancelar o arbítrio, submete-se sim à legalidade, compreendida no horizonte de sentido dos demais princípios e regras da Constituição, de modo a manter a integridade e coerência no exercício das competências administrativas. Trata-se da concepção segundo a qual todos os atos e disposições da Administração pública submetem-se ao Direito, devem estar conforme o Direito, cuja desconformidade configura violação do ordenamento jurídico, no entendimento de Eduardo García de Enterría.4

Em virtude do objetivo de reduzir práticas arbitrárias da Administração Pública em matéria atinente ao regime jurídico dos servidores públicos adota-se hodiernamente um controle de juridicidade qualificada. Vale colacionar o entendimento de Paulo Otero sobre o tema:

“a juridicidade administrativa traduz uma legalidade mais exigente, revelando que o poder público não está apenas limitado pelo Direito que cria, encontrando-se também condicionado por normas e princípios cuja existência e respectiva força vinculativa não se encontram na disponibilidade desse mesmo poder. Neste sentido, a vinculação administrativa à lei transformou-se numa verdadeira vinculação ao Direito, registrando-se aqui o abandono de uma concepção positivista legalista configurativa da legalidade administrativa, tal como resulta do entendimento doutrinal subjacente à Constituição de Bona”5.

Esse modo de interpretar o conjunto de regras e princípios da Administração Pública é inclusive adotado pelo próprio Supremo Tribunal Federal relativamente ao controle jurisdicional, conforme explicitado por ocasião do julgamento do Ag. Reg. em MS nº 26.849-DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 10.04.2014: “A rigor, nos últimos anos viu-se emergir no pensamento jurídico nacional o princípio constitucional da juridicidade, que repudia pretensas diferenças estruturais entre atos de poder, pugnando pela sua categorização segundo os diferentes graus de...

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