Decisão Monocrática nº 50004528920218210110 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 29-03-2023

Data de Julgamento29 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50004528920218210110
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003526142
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000452-89.2021.8.21.0110/RS

TIPO DE AÇÃO: Nulidade e Anulação de Testamento

RELATOR(A): Desa. SANDRA BRISOLARA MEDEIROS

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DAS SUCESSÕES. PREFACIAL DE CERCEAMENTO DE DEFESA. DESACOLHIMENTO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO. VÍCIO DE VONTADE NÃO VERIFICADO. INCAPACIDADE DO TESTADOR NÃO COMPROVADA. DISPOSIÇÕES EM ESTREITA OBSERVAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS. 1. O ART. 1.860 DO CÓDIGO CIVIL ESTABELECE QUE A CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA É A REGRA, DEVENDO FICAR COMPROVADA A INCAPACIDADE NO MOMENTO EM QUE LAVRADO O TESTAMENTO. 2. INCABÍVEL A PRETENSÃO ANULATÓRIA DE TESTAMENTO SE A PROVA PRODUZIDA NÃO É BASTANTE PARA AMPARAR, DE FORMA CABAL, A AVENTADA INCAPACIDADE DO TESTADOR AO TEMPO DO ATO. 3. CASO CONCRETO EM QUE O CONJUNTO PROBATÓRIO INDICA QUE O DE CUJUS DEMONSTRAVA DISCERNIMENTO SUFICIENTE E MANIFESTAVA MOTIVAÇÃO RAZOÁVEL PARA A REALIZAÇÃO DO TESTAMENTO.

PREFACIAL DESACOLHIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA POR DECISÃO MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por EMERSON JOSÉ M., GRACIELA MARIA M. e NOELI MARIA M. contra a sentença do Evento 96 que, nos autos da ação de anulação do testamento realizado pelo de cujus Felipe M. perante o Tabelionato de Marcelino Ramos/RS, promovida em face de DELCIO LUIZ M., julgou improcedente o pedido, condenando-os, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do procurador do demandado, que fixo em 15% do valor da causa, em atenção aos vetores do artigo 85 do Código de Processo Civil, corrigidos pelo IGP-M a partir da presente sentença e acrescido de juros de mora na ordem de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado. Resta suspensa, contudo a exigibilidade a sucumbência em razão da gratuidade judiciária concedida aos demandantes (evento 10, DESPADEC1 e evento 19, DESPADEC1).

Em razões (Evento 104, APELAÇÃO1, dos autos originários), sustentam a necessidade de expedição de ofício à Associação Hospitalar Marcelinense Ltda., para a vinda aos autos dos prontuários médicos de Felipe do período anterior à sua morte, pleito esse constante da réplica à contestação, porquanto cerceado o direito de defesa dos autores, assim como o princípio do devido processo legal. No mérito, afirmam que no dia e hora no qual firmado o instrumento público, o testador estava internado na Fundação Hospitalar Santa Teresinha de Erechim, acometido de câncer. Asseguram haver indícios de irregularidades e vícios que acarretam a nulidade do testamento. Mencionam que "o declínio da capacidade cognitiva (DCC) decorre dos processos fisiológicos do envelhecimento normal ou de um estágio de transição para as demências, que no caso dos autos pode ser relacionado com a falta de oxigenação, sendo que esta causa, pode acarretar em transtornos de lucidez". Ressaltam que os depoimentos prestados em juízo apresentam inúmeras lacunas e informações desconexas que dão margem a interpretações diversas. Consignam que o Tabelião não informa com exatidão as datas em que os atos foram realmente praticados, o que causa insegurança, notadamente tratando-se de testador que se encontrava com falta de ar, utilizando cilindro de oxigênio no momento da lavratura do testamento. Ressaltam que a utilização do oxigênio não limita a possibilidade de o testador assinar o documento, "mas a falta de capacidade cognitiva limitada, ou seja, há questões totalmente fora do padrão nos presentes autos, que conferem a anulabilidade do testamento". Ponderam que a doença em estado terminal pode ocasionar confusão mental ao paciente, tanto que a assinatura foi realizada a rogo. Pedem, assim, a reabertura da instrução para que seja expedido ofício à Associação Hospitalar Marcelinense Ltda., para que no prazo legal, forneça o prontuário médico de Felipe M. no período que antecedeu o seu óbito. Pugnam, ao final, pela reforma da sentença com o provimento do recurso de apelação.

Foram ofertadas contrarrazões (Evento 116, CONTRAZAP1, dos autos originários).

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça lançou parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação (Evento 7, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

Decido.

2. Do cotejo pormenorizado dos autos, verifica-se que na réplica à contestação os apelantes postularam fosse expedido ofício à Associação Hospitalar Marcelinense para que encaminhasse o prontuário médico de Felipe M., do período anterior ao óbito (Evento 35, RÉPLICA1, fl. 15, dos autos originários).

O juízo singular deferiu a produção de prova oral postulada pelas partes, consistente na inquirição de testemunhas (Evento 40, DESPADEC1, dos autos originários), nada referindo acerca do pleito relacionado à expedição de ofício à Associação Hospitalar.

Na audiência de instrução o pedido foi novamente formulado, oportunidade na qual o juízo singular proferiu a seguinte decisão:

"(...)

A parte ré (sic) postulou fossem deferidos os oficiamentos postulados em réplica, o que restou indeferido pelo juízo, porque não atentou o requerente ao disposto no item "e" do termo de audiência, construído a partir da comunhão de vontades das partes, trecho inclusive sublinhado. Além disso, fica consignado que a prova vindicada ressai desnecessária diante do conjunto probatório já delineado.

(...)".

Contra a presente decisão os ora apelantes apresentaram agravo de instrumento nº 5136186-66, julgado prejudicado por perda superveniente do objeto (prolatada sentença durante o processamento do recurso) - Evento 17.

Pois bem.

No caso em exame, a ausência dos prontuários médicos que antecederam a morte de Felipe não ocasionaram cerceamento de defesa aos autores, pois a prova testemunhal foi clara ao assegurar que, no momento do ato, o testador não estava internado no nosocômio (alta por melhora ocorrida em 22/04/2020 - Evento 34, LAUDO8, dos autos originários). Assim, eventuais dados constantes dos prontuários médicos não se referem ao dia da lavratura do documento, ocorrida em 29/04/2020, não sendo imprescindíveis para demonstrar a capacidade do testador.

O tabelião Jorge Luiz Z., ao ser ouvido em juízo, afirmou que Felipe, embora debilitado em razão do câncer de pulmão que lhe acometia, no momento em que firmado o testamento estava em pleno gozo de suas faculdades mentais, manifestando compreensão total sobre os seus atos. Ainda deixou claro que, havendo indício de qualquer falta de compreensão por parte do testador, como já o fizera em outras oportunidades durante os mais de trinta e quatro anos de profissão, não teria lavrado o documento público (termo de audiência do Evento 70, dos autos originários).

Dessa forma, observada a fé pública do tabelião, não verifico necessidade de aporte dos prontuários médicos aos autos para fins de verificar a capacidade do testador.

Desacolho, pois, a prefacial de cerceamento de defesa.

Quanto ao mérito propriamente dito, da análise da prova colacionada aos autos, não verifico melhor solução para o caso concreto que a ratificação da sentença da lavra do douto Magistrado a quo, Dr. Eduardo Marroni Gabriel, por seus próprios e jurídicos fundamentos, os quais adoto como razões de decidir. Confira-se:

"(...)

O feito está suficientemente instruído e atentou ao procedimento legal. Na ausência de preliminares a enfrentar, bem assim presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, cabível ingressar, de pronto, no julgamento do mérito.

Pretendem os autores a declaração de nulidade da Escritura Pública de Testamento lavrada pelo testador Felipe (...) perante o Tabelionato de Marcelino Ramos/RS, em tese, na data de 22 de abril de 2020. Sustentam, para tanto, que, na data de lavratura do ato, o testador, padecendo de câncer de pulmão em estágio terminal, estaria internado na Fundação Hospitalar Santa Terezinha de Erechim, recebendo alta apenas no dia seguinte. Além disso, assinalaram que o testador veio a óbito apenas vinte dias após a emissão do documento, ou seja, em 12/05/2020, indicativo de que estava privado de suas faculdades mentais para dispor de sua parte disponível em favor do herdeiro Delcio, ora requerido.

Analisando os termos do testamento anexado aos autos e atento à prova oral produzida, tenho como atendidos os requisitos essenciais do ato, não havendo espaço para proclamação da nulidade sustentada.

De início, interessante destacar o documento impugnado pelos autores (evento 1, OUT12) consubstancia de Escritura Pública de Testamento, ato administrativo levado a efeito por tabelião, a quem é conferida fé pública. Presume-se, portanto, a legalidade e validade do ato, impondo à parte autora comprovar, de forma robusta, eventual nulidade, em especial a falta de discernimento do testador no momento da lavratura do ato (artigo 373, I, CPC).

Nesse linha, destaco precedentes do Nosso Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. AÇÃO ANULATÓRIA DE TESTAMENTO PÚBLICO. ALEGADA INCAPACIDADE MENTAL DA TESTADORA NÃO COMPROVADA. JURISPRUDÊNCIA DO TJRS. PRELIMINAR. DESERÇÃO. Não há falar em não conhecimento da apelação interposta porque deferida a gratuidade da justiça, atendendo pedido do autor. Após, emendada a petição inicial. PRESCRIÇÃO. No caso, deve ser reformada a sentença quanto ao reconhecimento da prescrição do pedido de declaração de nulidade do testamento. Não obstante os termos da Lei nº 13.146/15, Estatuto da Pessoa com Deficiência, revogando os incisos do art. 3º do CCB, houve o ajuizamento do pedido na plena vigência daquele dispositivo. A propósito, o art. 198 do CCB ditava não correr prescrição contra os incapazes do art. 3º do Código Civil (definidos como absolutamente incapazes os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o...

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