Decisão Monocrática nº 50005838620228210059 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 15-12-2022

Data de Julgamento15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50005838620228210059
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003137814
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000583-86.2022.8.21.0059/RS

TIPO DE AÇÃO: Internação voluntária

RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

APELANTE: MUNICÍPIO DE OSÓRIO (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ABRIGAMENTO DE IDOSO EM INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA. considerações.

Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos idosos, e restando comprovada nos autos a necessidade de acolhimento da assistida em instituição de longa permanência, em razão de não receber ajuda de seus ou qualquer outra renda mensal para pagamento das despesas, imperiosa a procedência do pedido. Exegese que se faz com fundamento nos arts. 203, inciso I, e 230, todos da CF/1988.

Ademais, a Lei Nacional n. 10.141/2013 estabelece a responsabilidade do Estado, da família e de toda a sociedade, na promoção de políticas públicas que garantam o envelhecimento com dignidade da pessoa idosa.

APELO DESPROVIDO.

SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Do relatório.

Trata-se de apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE OSÓRIO, figurando na condição de apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO/RS, que ajuizou ação com pedido de medida protetiva em favor de MARILSE PEREIRA DA SILVA.

Alega que é parte passiva ilegítima para litigar no feito. Diz que a paciente possui filhos e irmãos, os quais devem arcar com as despesas de acolhimento em clínica particular. Pede provimento.

Houve resposta.

O órgão do Ministério Público opina pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

2. Do julgamento monocrático.

O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.

No mais, conheço do recurso, pois preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

3. Do direito à saúde.

3.1 Da responsabilidade pelo pagamento das despesas de acolhimento da apelada.

Na situação em análise, busca-se preservar a integridade física e psíquica de pessoa idosa, que não possui amparo de seu grupo familiar, seja pela ausência de contato, seja pela ausência de condições financeiras desses.

Está devidamente comprovado nos autos que a apelada faz uso de várias medicações (Fluoxetina 20mg – 01 comp. (manhã), Biperideno 2mg – 01 comp. (manhã/noite), Respiridona – 01mg – (manhã/noite), Enalapril 10 mg (manhã/noite), Omeprazol,Furosemida 40mg – 01 comp. (manhã) e Clonazepan 0,2mg – 01 comp. (noite) e já esteve internada no Residencial Caminho da Lagoa, por não ter assistência familiar e nem condições de viver de forma sozinha.

Não passa batido o fato de que ela tem irmãos e filhos, que, pelo texto constitucional, possuem obrigações e deveres diante das circunstâncias fáticas.

No entanto, o ente municipal deveria ter feito busca ativa dessas pessoas, para saber o porquê não assumem suas responsabilidades ou ao menor contribuem com as despesas da clínica de acolhimento. Nada fez.

O Ministério Público não demonstra se conseguiu contato com essas pessoas ou não, o que impede uma análise mais concreta da impugnação feita pelo apelante.

Contudo, não há como negar o dever de o ente público garantir a sua saúde física e mental, indicando ou arcando com as despesas inerentes ao seu acolhimento em instituição de longa permanência.

O legislador constituinte de 1988 teve o cuidado de positivar a responsabilidade solidária da família, do Estado e da sociedade no que tange à assistência e à proteção dos idosos, a saber:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

(...).

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

(...).

Na mesma linha, a Lei Federal n. 10.741/2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, é categórica no que tange ao dever do Poder Público, de forma direta ou indiretamente, garantir assistência ao idoso na sua integralidade. Vejamos:

Art. 8º O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente.

Art. 9º É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.

(...)

Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;

III – em razão de sua condição pessoal.

(...)

Art. 45. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 43, o Ministério Público ou o Poder Judiciário, a requerimento daquele, poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I – encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar;

IV – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação;

V – abrigo em entidade;

VI – abrigo temporário.

Inclusive o direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da Carta Política de 1988, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático. Além disso, encontra-se inserido no direito à vida, constante do art. 5º da Carta e, mais ainda, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento de um Estado que se diz Democrático e Social de Direito.

Não há como afastar o direito à saúde dos direitos fundamentais, sob pena de negarmos ao cidadão o direito à vida.

Muitas vezes, para não dizer na maioria, o fundamento da República – dignidade da pessoa humana – insculpido no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, é simplesmente excluído das “cartilhas” dos entes federados, que desconsideram os seres humanos que os compõem como elemento integrante.

Nesse sentido, é mister colacionar as lições de José Afonso da Silva1:

Proteção constitucional da dignidade humana – Portanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.

Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional.

Repetiremos aqui o que já escrevemos de outra feita, ou seja, que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir a ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trata de direitos econômicos, sociais e culturais”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará à realização da justiça social (art. 193), à educação, ao desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205), etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.

Assim, conforme previsto no § 1º, do art. 5º, da CF/1988, os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, restando a alegação do ente público vazia de argumentos jurídicos e humanos, impondo-se, portanto, seja desconsiderada.

3.2 Da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A despeito da alegação de que há violação ao poder discricionário da Administração Pública, em que pese não se possa desconsiderar a conveniência e oportunidade, de forma a relegar qualquer interferência judicial, pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, a violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, haja vista a inércia do Poder Executivo, legitima o controle judicial.

Quanto a esses princípios, a renomada administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro2 leciona que eles têm como escopo impor limitações à discricionariedade da Administração, a fim de evitar abuso na prática do ato administrativo. Reportando-se ao mestre publicista Gordillo, afirma:

Segundo Gordillho, “a decisão discricionária do funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é ´irrazoável`, o que pode ocorrer,...

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