Decisão Monocrática nº 50005910820218210024 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 02-08-2022

Data de Julgamento02 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50005910820218210024
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002519638
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000591-08.2021.8.21.0024/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA e apelação cível. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSIDERAÇÕES.

1. Do direito ao tratamento.

Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de 1988.

2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.

O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático.

3. Princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do poder executivo.

4. Princípio da reserva do possível.

Não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um dos fundamentos do nosso estado democrático e social de direito (art. 1º, inc. III, da Carta Magna).

5. Princípio da proteção do núcleo essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso.

É de preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu esvaziamento em decorrência de restrições descabidas, desnecessárias ou desproporcionais.

6. Bloqueio de valores.

O descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor deverá prevalecer para tal finalidade.

7. Honorários Advocatícios.

Mantém-se o montante fixado na sentença a título de honorários sucumbenciais, pois compatível com a baixa complexidade do feito e o trabalho desenvolvido em prol dos interesses da parte autora.

8. Custas Processuais.

A Lei Estadual/RS n. 14.634/14, instituiu a taxa única de serviços judiciais e isenta os entes estatais, suas autarquias e suas fundações do pagamento das custas processuais (art. 5º, inc. I) para as ações ajuizadas a partir de 15.06.2015.

APELO DO ENTE MUNICIPAL DESPROVIDO.

SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Do relatório.

Parto do relatório que consta no parecer (evento 26) da Douta Procuradora de Justiça, Dra. Bárbara Fernandes Rosa Cerqueira.

Cuida-se de apelação interposta pelo MUNICÍPIO DE RIO PARDO da sentença proferida nos autos da Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por LAURA STANKE MACHADO e LUÍSA STANKE MACHADO (menores), representadas por seu pai, CLAUDIOMIRO DE LIMA MACHADO contra si e contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

As autoras ajuizaram a presente ação arguindo que são gêmeas recém nascidas e portadoras da patologia diagnosticada sob a CID 10 K21 (Refluxo gastroesofágico), sendo que necessitam do fornecimento de alimento especial - Fórmula infantil anti-refluxo (APTAMIL AR/ NAN AR) 400g (2 latas ao mês para cada autora). Ainda, sustentaram que não possuem condições financeiras de arcar com o custo do tratamento e que há urgência na utilização da alimentação especial, pois a sua falta pode ocasionar „possível desnutrição‟.

Postularam a procedência da ação com a condenação dos entes requeridos ao fornecimento do referido tratamento, inclusive liminarmente. Pediram a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. Anexaram documentos A tutela antecipada bem como a AJG foram deferidas.

Devidamente citados, os requeridos contestaram o feito. Após regular instrução, sobreveio sentença que julgou procedente o pedido para determinar aos réus que forneçam à parte autora o tratamento postulado na presente ação, enquanto perdurar a necessidade desta, ou o seu equivalente em dinheiro, confirmando a antecipação de tutela deferida, devendo a parte autora apresentar receita do médico atualizado. O ente público estadual restou isento do pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais e da verba honorária. Por sua vez, o município foi condenado apenas em honorários advocatícios ao FADEP, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais).

Irresignado, o município apela alegando ilegitimidade passiva e referindo que a legitimidade para o fornecimento dos medicamentos requeridos seria do ente estatal, requerendo a sua exclusão da lide. No mérito, reiterou os termos da contestação, defendendo que a “decisão obrigando o município a fornecer o medicamento às apeladas, desconsideraria expressa previsão legal de responsabilidade do Estado” (Evento 52 – APELAÇÃO1 – página 6 – do processo no primeiro grau). Discorreu, ainda, sobre a falta de previsão orçamentária. Requereu o provimento.

Foram apresentadas contrarrazões pela parte demandante.

Vieram os autos com vista ao Ministério Público, com atuação no segundo grau, para parecer, tendo sido postuladas diligências, as quais foram devidamente cumpridas, manifestando-se o ente estatal pela falta de interesse em apresentar contrarrazões.

Retornaram os autos ao Ministério Público para análise do mérito.

A sentença foi submetida à remessa necessária.

O órgão do Ministério Público opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

2. Do julgamento monocrático.

O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.

3. Do direito à saúde.

Conheço do apelo do ente municipal, pois preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

Conheço também da remessa necessária, por se tratar de sentença ilíquida.

3.1 Da responsabilidade pela concessão do tratamento postulado nos autos.

O legislador constituinte de 1988 estabeleceu obrigações aos entes federados para com o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à consecução dos serviços de saúde à população, conforme dispositivos que seguem:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (Vide ADPF 672)

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

(...).

Importa destacar que o SUS engloba a União, o Estado e os Municípios de forma sistematizada e descentralizada, logo não há pretender os entes federativos eximirem-se de suas obrigações.

Com relação ao conjunto probatório, as autoras demonstram que foram diagnosticadas com REFLUXO GASTROESOFÁGICO - CID 10 K 21 - e necessitam com urgência do tratamento prescrito, sob risco iminente de desnutrição.

3.2 Da autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado da dignidade da pessoa humana.

O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da Carta Política de 1988, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático. Além disso, encontra-se inserido no direito à vida, constante do art. 5º da Carta e, mais ainda, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento de um Estado que se diz Democrático e Social de Direito.

Não há como afastar o direito à saúde dos direitos fundamentais, sob pena de negarmos ao cidadão o direito à vida.

Muitas vezes, para não dizer na maioria, o fundamento da República – dignidade da pessoa humana – insculpido no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, é simplesmente excluído das “cartilhas” dos entes federados, que desconsideram os seres humanos que os compõem como elemento integrante.

Nesse sentido, é mister colacionar as lições de José Afonso da Silva1:

Proteção constitucional da dignidade humana – Portanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.

Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e...

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