Decisão Monocrática nº 50006647620228210110 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 06-03-2023

Data de Julgamento06 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRemessa Necessária
Número do processo50006647620228210110
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003390714
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Remessa Necessária Cível Nº 5000664-76.2022.8.21.0110/RS

TIPO DE AÇÃO: Licenças / Afastamentos

RELATOR(A): Des. LEONEL PIRES OHLWEILER

PARTE AUTORA: FLAVIO LUIS ZANANDREA (IMPETRANTE)

PARTE RÉ: MUNICÍPIO DE MAXIMILIANO DE ALMEIDA (INTERESSADO)

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE MAXIMILIANO DE ALMEIDA. EXERCÍCIO DE MANDATO CLASSISTA. DIREITO À PERCEPÇÃO DA REMUNERAÇÃO.

1. A Constituição Estadual (art. 27, II) assegura ao servidor o direito à licença para o exercício de mandato classista, sem prejuízo da remuneração.

2. A Lei Municipal nº 327/2008, ao dispor em sentido diverso, contraria os “princípios basilares da Constituição”, afigurando-se inconstitucional.

3. No caso, como há pronunciamento do Órgão Especial desta Corte acerca da inconstitucionalidade da expressão “sem remuneração” prevista em outro regime jurídico único de servidores municipais, é desnecessário, na espécie, nos termos do parágrafo único do artigo 949 do CPC, submeter novamente a questão ao referido Órgão.

4. Hipótese em que está vedado qualquer prejuízo remuneratório ao servidor em exercício de mandado classista, devendo este receber a mesma remuneração como se estivesse no exercício do seu cargo.

5. Precedentes do TJ/RS.

SENTENÇA MANTIDA EM REMESSA NECESSÁRIA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de remessa necessária da sentença que concedeu o mandado de segurança impetrado por FLÁVIO LUIS ZANANDREA contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE MAXIMILIANO DE ALMEIDA, nos seguintes termos:

ISSO POSTO, confirmando a medida liminar, CONCEDO A ORDEM postulada no MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por FLAVIO LUIS ZANANDREA, contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE MAXIMILIANO DE ALMEIDA - RS, a fim de determinar que a autoridade coatora conceda ao impetrante a licença remunerada para o exercício de mandato classista, sem prejuízo de sua situação funcional ou remuneratória, conduta aliás já adotada e comprovada no bojo do processo em cumprimento ao provimento liminar que ora resta mantido (evento 13, PORT4).

Oficie-se à autoridade coatora, dando-lhe ciência desta decisão, conforme estabelecido no art. 13 da Lei nº 12.016/09.

Condeno o impetrado ao pagamento das custas judiciais e emolumentos, nos termos do artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 13.471/2010 (ADI nº 70041334053). Deverá efetuar, ainda, o pagamento das despesas processuais previstas no artigo 6º, c, da Lei 8.121/85.

Sem honorários advocatícios nos termos das Súmulas nº 105 do Superior Tribunal de Justiça e nº 512 do Supremo Tribunal Federal, bem ainda do artigo 25 da Lei nº 12.016/09.

Decisão sujeita a reexame necessário, consoante inteligência do artigo 14, § 1º, da Lei nº 12.016/09.

Oportunamente, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Não houve apelo das partes, tendo o feito sido remetido ao Segundo Grau por força da remessa necessária referida na sentença.

O Ministério Público, em parecer da Procuradora de Justiça Elaine Fayet Lorenzon Schaly, manifestou-se pela manutenção da sentença em remessa necessária (evento 8, PARECER1).

É o relatório.

Decido.

I – REMESSA NECESSÁRIA.

A sentença que concedeu a segurança está sujeita à remessa necessária por força de previsão legal expressa no § 1º do artigo 14 da Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009, que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. In verbis:

Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.

§ 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

II – MÉRITO.

O Cabimento do Mandado de Segurança

Conforme determina o artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal:

“conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A Lei nº 12.016/09, no seu artigo 1º, caput, igualmente prevê:

Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O direito líquido e certo é aquele que se mostra inequívoco, sem necessidade de dilação probatória, urgindo, para sua configuração, a comprovação dos pressupostos fáticos adequados à regra jurídica. A propósito do tema, alude Hely Lopes Meirelles[1]:

“... o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.”

Sobre o ponto, importa referir o entendimento do Ministro Luiz Fux:

“O direito líquido e certo no Mandado de Segurança diz respeito à desnecessidade de dilação probatória dos fatos em que se fundamenta o pedido. Trata-se de pressuposto processual objetivo (adequação do procedimento), que não subtrai do autor o direito à jurisdição sobre o litígio, mas apenas invalida a sua tutela através da via do Mandado de Segurança.

(...)

“O direito líquido e certo é, pois, requisito lindeiro ao âmbito probatório, posto referir-se à comprovação dos fatos e não ao direito objetivo em si, emigrando para o campo eminentemente processual. É, então, titular do direito líquido e certo aquele que demonstrar, desde o ajuizamento da ação, a incontestabilidade do seu direito, mediante prova pré-constituída, em regra, consubstanciada em prova documental ou prova documentada, como v.g., uma justificação ou uma produção antecipada.

(...)

“A liquidez e a certeza, consoante a concepção ora lavrada, não erigem óbice à investigação jurídica da questio iuris envolta no mandamus, exigindo-se tão-somente que os fatos sejam comprovados de plano. Isso quer dizer que a complexidade da interpretação das normas atinentes ao direito invocado não apresenta óbice ao cabimento da ação, tratando-se inclusive de entendimento sumulado –Súmula n. 625 – pelo Supremo Tribunal Federal.”2]

A partir da regulação constitucional e da própria Lei nº 12.016/09, também se exige a presença de ilegalidade ou abuso de poder. Ao examinar tais expressões, M. Seabra Fagundes, em obra clássica sobre o tema do controle dos atos administrativos, destacou a abrangência do conteúdo “ilegalidade” tanto em relação à ilegalidade infraconstitucional, como a oriunda de violações de dispositivos constitucionais[3], sendo até desnecessária a referência ao abuso de poder. De qualquer modo, conforme Marçal Justen Filho:

“O mandado de segurança destina-se a atacar a ação ou a omissão que configurem ilegalidade ou abuso de poder. A fórmula constitucional é tradicional e revela, em última análise, a tutela, não apenas aos casos de vício no exercício de competência vinculada, mas também no caso de defeito no desempenho de competência discricionária. Há casos em que a lei condiciona a existência ou a fruição de um direito subjetivo a pressupostos determinados, caracterizando-se uma disciplina vinculada. Se, numa hipótese dessas, houver indevida denegação do direito subjetivo assegurado a alguém, o interessado poderá valer-se do mandado de segurança para atacar essa ilegalidade. Alude-se à ilegalidade para indicar que a decisão atacada infringe a disciplina legal, uma vez que recusa ao interessado um direito cujos pressupostos e extensão constam da lei.

“Mas também cabe a impetração para proteger direito líquido e certo nos casos de abuso de poder, que se verifica diante das hipóteses de disciplina legislativa discricionária. A garantia constitucional impede que a denegação de uma pretensão individual se faça mediante a mera invocação da titularidade de uma competência discricionária. Assim, a previsão legislativa de que a autoridade pública poderá deferir um pedido não legitima todo e qualquer indeferimento. Se a denegação do direito do particular evidenciar abuso de poder, o mandado de segurança será cabível.”4]

A situação dos autos, em tese, admite a utilização do mandado de segurança.

O Regime Jurídico dos Servidores Públicos e o Exercício de Mandato Classista

Trata-se de questão relacionada ao regime jurídico estatutário. Conforme José dos Santos Carvalho Filho:

“Regime estatutário é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica funcional entre o servidor público estatutário e o Estado. Esse conjunto normativo, como vimos acima, se encontra no estatuto funcional da pessoa federativa. As regras estatutárias básicas devem estar contidas em lei; há outras regras, todavia, mais de caráter organizacional, que podem estar previstas em ato administrativos, como decretos, portarias, circulares, etc. As regras básicas, entretanto, devem ser de natureza legal. A lei estatutária, como não poderia deixar de ser, deve obedecer aos mandamentos constitucionais sobre servidores. Pode, inclusive, afirmar-se que, para o regime estatutário, há um regime constitucional superior, um regime legal contendo a disciplina básica sobre a matéria e um regime administrativo de caráter organizacional.”[5]

A Administração Pública submete-se à legalidade (art. 37, caput, da CF), constituindo-se parâmetro normativo importante para salvaguardar o Estado de Direito, por meio da compreensão de primazia da lei e reserva legal.

Sobre a importância da legalidade, refere Celso...

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