Decisão Monocrática nº 50006952020218210082 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 22-05-2023

Data de Julgamento22 Maio 2023
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50006952020218210082
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003788479
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000695-20.2021.8.21.0082/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: LEOSMAR DORIGON GASPARIN (AUTOR)

APELADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. SECAGEM DE FUMO. PERDA DE QUALIDADE DO TABACO. CULPA EXCLUSIVA DO PRODUTOR RURAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

1. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. O ARTIGO 37, § 6º, DA CF ESTENDEU ÀS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO, PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO, A RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS DANOS CAUSADOS A TERCEIROS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 14, § 1º, E 22, AMBOS DO CDC. APLICÁVEL A LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA AO CASO.

2. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO. O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA, PELAS PRÓPRIAS CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA, ESTÁ SUJEITO A FATORES QUE PODEM LEVAR À INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO O QUE PODE SER LEGAL SE O RESTABELECIMENTO OCORRER DENTRO DOS PRAZOS E PARÂMETROS EXIGIDOS PELA LEGISLAÇÃO QUE REGULA O SETOR.

3. SECAGEM DE FUMO. O PEQUENO PRODUTOR RURAL, NO CASO ESPECÍFICO, O FUMICULTOR, EM TENDO COMO SE PRECAVER PARA INTERRUPÇÕES NORMAIS E ACEITÁVEIS, SÓ PODE BUSCAR A REPARAÇÃO JUNTO À CONCESSIONÁRIA QUANDO A FALTA DE ENERGIA FOR SUPERIOR A PERÍODO RAZOÁVEL QUE, COM PEQUENO INVESTIMENTO, PODE E DEVE EVITAR A PERDA DO CULTIVADO OU DA QUALIDADE DO QUE ESTÁ PRODUZINDO. LOGO, AINDA QUE SE ESTEJA TRATANDO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA, O RAZOÁVEL É SE ENTENDER QUE SÓ HÁ O DEVER DA CONCESSIONÁRIA RESPONDER POR PERDAS DECORRENTES DA INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO QUANDO ESSA SE DER POR PRAZO SUPERIOR ÀQUELE QUE O CONSUMIDOR PODERIA, OU MELHOR, DEVERIA, DE FORMA ABSOLUTAMENTE RAZOÁVEL, SEM CUSTO SIGNIFICATIVO, ESTAR PREPARADO PARA EVITAR.

4. CRITÉRIO OBJETIVO. O NOVO ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA RESTRINGE-SE ÀS HIPÓTESES EM QUE OS DANOS COMPROVADAMENTE SOFRIDOS PELO FUMICULTOR DERIVAREM DA INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA DURANTE TEMPO INFERIOR A 24 HORAS ININTERRUPTAS, CONJUNTURA EM QUE OS PREJUÍZOS SERÃO POR ELE SUPORTADOS À RAZÃO DE 2/3, IMPUTANDO-SE À CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA A RESPONSABILIDADE PELO RESSARCIMENTO DE 1/3. JÁ NAS HIPÓTESES DE DANOS ADVINDOS DE INTERRUPÇÕES POR PERÍODO SUPERIOR À 24H, A RESPONSABILIDADE É INTEGRALMENTE DA CONCESSIONÁRIA.

5. LITIGANTE CONTUMAZ. HIPÓTESE DOS AUTOS QUE O AUTOR JÁ AJUIZOU CONTRA A CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA quatro AÇÕES, três ANTERIORES A ESTA, todas COM FUNDAMENTO NA PERDA DA QUALIDADE DO FUMO EM PROCESSO DE SECAGEM QUANDO DA INTERRUPÇÃO DE ENERGIA; O QUE EVIDENCIA QUE A FALTA DE ENERGIA NÃO É CIRCUNSTÂNCIA FORA DO COMUM OU INÉDITA, A PONTO DE ISENTAR O PRODUTOR DE SE PRECAVER PROVIDENCIANDO UM GERADOR. CASO DE CULPA EXCLUSIVA DO AUTOR QUE IMPÕE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de apelação cível interposta por LEOSMAR DORIGON GASPARIN contra a sentença (evento 63, SENT1) que, nos autos da ação indenizatória por danos materiais que move contra RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos do dispositivo:

Diante do exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por LEOSMAR DORIGON GASPARIN em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

Sucumbente, condeno o requerente ao pagamento das custas processuais e dos honorários sucumbenciais, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Entretanto, a exigibilidade fica suspensa em face da gratuidade de justiça anteriormente deferida, a qual ora mantenho.

O apelante, em suas razões (evento 67, APELAÇÃO1), alega que ocorreram duas interrupções no fornecimento de energia elétrica, totalizando mais de 24 horas, razão pela qual ocorreram danos ao fumo, comprovados por meio de prova documental, fotos e laudo técnico elaborado por profissional, o que caracteriza a falha na prestação do serviço. Afirma não incidir no caso concreto nenhuma excludente de responsabilidade. Impugna as provas juntadas pela recorrida, classificando-as como unilaterais. Sustenta que o fornecimento do serviço deve ser contínuo e de qualidade, no entanto, tendo em vista a precariedade da rede, a ocorrência de danos aos consumidores gera o dever da apelada de ressarci-los. Relata que a concessionária foi notificada extrajudicialmente acerca dos danos para buscar realizar vistoria no local. Alega que ingressa com ações judiciais contra a concessionária em decorrência da falha na prestação de seus serviços, o que ocorre todos os anos, com fulcro no direito de ingressar no judiciário. Aduz que o custo muito elevado de um gerador de energia impossibilita um pequeno agricultor de adquiri-lo, o qual já paga uma tarifa alta de energia para receber o serviço, sem depender de outras alternativas. Argumenta que a responsabilidade da ré é na modalidade objetiva. Colaciona jurisprudência. Pede provimento ao recurso de apelação, a fim de que seja reformada a sentença, com a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 63.545,64 e dos ônus sucumbenciais no importe de 20% sobre o valor da condenação.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 71, CONTRAZ1).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

2. O presente recurso deve ser conhecido, dispensado o preparo do apelante, que litiga sob o pálio da gratuidade judiciária (evento 8, DESPADEC1); comportando julgamento monocrático, com amparo no artigo 206, XXXVI, do RITJRS1.

Antes de entrar no mérito propriamente dito, acho importante consignar meu entendimento sobre o assunto. Venho enfrentando essas questões envolvendo a perda de qualidade do fumo, por falta de energia, há muitos anos, desde quando ainda exercia jurisdição nas Turmas Recursais e, em razão disso, tive oportunidade de acompanhar, de alguma forma, a evolução da jurisdição gaúcha no trato dessa controvertida questão.

Em um primeiro momento, com base no Código do Consumidor, considerando a responsabilidade objetiva, e erigindo-se o pequeno produtor, embora use a energia elétrica como insumo para sua produção, à condição de consumidor, em face da teoria mista, acabou-se entendendo existir direito à indenização pela perda da qualidade do produto toda vez que demonstrado ter isso decorrido de interrupção no fornecimento de energia.

Nessa primeira fase, acolhiam-se laudos particulares ou de associações como prova e meio de quantificar o dano. Tal circunstância, inclusive, acabou gerando algumas distorções, ante a apresentação de laudos falsos, o que exigiu, ao menos no âmbito das Turmas Recursais, alterações de posicionamento para comprovação e quantificação do prejuízo, culminando com a Súmula nº 25 que, ante a dificuldade de análise da questão, firmou que aquela jurisdição especial (preservados os casos pendentes) não mais seria competente para o julgamento deste tipo de feito. A saber:

SÚMULA Nº 25 - Publicada no DJ, edição 4813, pág. 115 de 19.04.2012:

Os Juizados Especiais Cíveis são incompetentes para o conhecimento e julgamento das ações de reparação de danos decorrentes da oscilação ou suspensão do fornecimento de energia elétrica na atividade de secagem de fumo, ressalvados os processos já em curso no primeiro e segundo graus. Aplica-se o disposto nesta Súmula a contar de sua publicação, revogando-se a Súmula 22 das Turmas Recursais Cíveis.

Em assim sendo, essa matéria está sendo julgada única e exclusivamente pelo Tribunal de Justiça.

Como já externei em outras questões similares envolvendo indenização em face da falta de energia elétrica, entendo que esse tipo de situação, principalmente aquelas envolvendo pretensão a reparação por danos morais - por falta de luz em determinadas localidades - não deveria ser examinada sob a ótica individual, pois além da experiência estar mostrando que esse tipo de intervenção em nada tem ajudado para a melhoria do serviço, não temos a menor condição de enfrentar esse tipo de litígio individualmente. Acaba-se por abarrotar o Judiciário com milhares de ações, a quase totalidade sob o abrigo da gratuidade, não permitindo, inclusive, um controle de quem foi efetivamente prejudicado.

Esse tipo de ocorrência, até como solução para melhoria do serviço, deveria ser enfrentada, de início e principalmente, pela ANEEL; e, caso houvesse a efetiva necessidade de intervenção judicial, que se fizesse através de ações coletivas, valorando-se não a perda individual, mas sim, por exemplo, com a condenação de indenização por danos morais coletivos alcançados àquela coletividade prejudicada.

Já no que diz respeito à questão das indenizações por danos materiais, envolvendo fumicultores e pequenos produtores rurais, diante da perda da qualidade da produção por falta de energia, entendo que urge revisão da posição hoje adotada pela jurisprudência dominante.

Sempre respeitando entendimento diverso, mas acho que efetivamente estamos deixando de considerar uma série de situações importantes que envolvem esse tipo de demanda.

No ano de 2015, por iniciativa do colega Eugênio Facchini Neto, o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do RS, no Projeto Debates Sobre Temas Polêmicos, realizou palestra acolhendo os vários setores envolvidos nessa espécie de situação, desde representante de associação dos fumageiros, até as empresas de energia elétrica, e ali, após ouvir as manifestações, pude firmar convicções que já vinha consolidando com o enfrentamento sistemático desse tipo de litígio.

Com o brilhantismo de sempre, em seu voto na Apelação Cível nº 70069954626, o...

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