Acórdão nº 50008717020218210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 06-02-2023

Data de Julgamento06 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50008717020218210026
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003060900
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000871-70.2021.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: VALTER JARBAS RIGON DE ANDRADES (AUTOR)

APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por VALTER JARBAS RIGON DE ANDRADES nos autos da ação declaratória de revisão de contrato ajuizada em desfavor de BANCO PAN S.A. em face da sentença que assim dispôs:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE REVISÃO DE CONTRATO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS que VALTER JARBAS RIGON DE ANDRADES move contra BANCO PAN S.A.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no art. 85, §2º, do CPC, ante a natureza da causa e o trabalho desenvolvido. A exigibilidade dos ônus de sucumbência resta suspensa em relação à parte autora, por ser ela beneficiária da AJG.

Em razões, refere que a natureza da operação se assemelha ao contrato de empréstimo consignado, sendo que a operação e o cartão de crédito somente se limitaram a emprestar o nome ao instrumento contratual, razão pela qual excessivos os juros remuneratórios cobrados. Postula que o desconto de R$ 91,73 no seu benefício previdenciário cesse, uma vez que não foram contratados, assim como, porque o empréstimo consignado já está adimplido. Requer a condenação da parte ré à repetição do indébito e ao pagamento de indenização por danos morais, no montante de dez salários mínimos. Pede provimento (evento 103).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 108).

É o relatório.

VOTO

A apelação do evento 103 é tempestiva, pois a parte recorrente teve ciência da sentença em 06/09/2022 (evento 100), e o recurso foi interposto em 28/09/2022. Além disso, a parte apelante é beneficiária da justiça gratuita, sendo dispensada do recolhimento do preparo (evento 3).

Dessa forma, considerando que é própria, tempestiva e dispensa preparo, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.1

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, todavia, restou demonstrada falha na prestação do serviço do banco réu, conforme passo a demonstrar.

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação declaratória, alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a declaração de nulidade do débito relacionado ao contrato de cartão de crédito consignado, bem como, a repetição em dobro do indébito e a indenização por danos morais.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°2).

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. – grifei.

Ademais, cabe ressaltar que, nos termos do disposto nos artigos 1º, §1º e 6º da lei nº 10.820/20033, com redação dada pela lei nº 13.172/2015, se possibilita aos titulares de benefícios previdenciários que estes autorizem a realização de descontos em seus benefícios para a amortização de empréstimos, no limite de 30%, e de 5% para despesas contraídas por meio de cartão de crédito e para a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

No caso em tela, o banco réu comprovou a contratação pela parte autora do serviço de cartão de crédito consignado nº 730434517, acostando aos autos o “Termo de consentimento esclarecido do cartão der crédito consignado” (evento 57, CONTR3), bem como, as faturas de tal plástico (evento 57, FATURA4).

Da leitura do referido termo de adesão ao cartão de crédito consignado, afere-se que, no item 1 (i), “AUTORIZO que minha Fonte Pagadora reserve margem consignável dos meus vencimentos até o limite legal, para o pagamento parcial ou integral das minhas faturas.”

A par disso, cumpre referir ter restado demonstrado nos autos que foi celebrado entre as partes o contrato de cartão de crédito consignado em 20/11/2019, com saque no valor de R$ 2.464,00 (evento 57, CONTR3), quantia esta que fora creditada na conta corrente de titularidade da parte autora.

Ocorre que, muito embora tenha a parte ré comprovado a contratação do cartão de crédito consignado pela parte autora, não restou demonstrado que esta o tenha desbloqueado e utilizado em sua finalidade precípua, qual seja, para realização de gastos e pagamento mensal conforme a despesa efetuada, porquanto não registradas compras com a tarjeta nas faturas colacionadas ao feito (evento 57, FATURA4).

Anota-se, ainda, que no contrato firmado entre as partes sequer há menção ao número de prestações mensais necessárias para a quitação da dívida assumida pela parte autora e tampouco informação clara quanto ao valor mensalmente descontado da...

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