Decisão Monocrática nº 50008825220198210129 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 22-05-2022

Data de Julgamento22 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50008825220198210129
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002225053
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5000882-52.2019.8.21.0129/RS

TIPO DE AÇÃO: Incêndio (art. 250)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação, interposta por LUIZ FRANCISCO DA SILVA RODRIGUES, contra decidir que o condenou, como incurso nas sanções dos artigos 129, § 9º, e 250, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, às penas de 03 anos de reclusão e de 03 meses de detenção, no regime aberto, substituídas, e de 10 dias-multa, por fatos assim narrados na inicial acusatória:

"FATO DELITUOSO:

1º FATO:

No dia 25 de dezembro de 2018, por volta das 04h00min, na Rua das Guajuviras, nº 25, em Dilermando de Aguiar, RS, o denunciado LUIZ FRANCISCO DA SILVA RODRIGUES ofendeu a integridade corporal de sua companheira Santa da Silva Coelho.

Na oportunidade, o denunciado chegou na residência do casal durante a madrugada visivelmente embriagado e tentando invadir o loca. Assim que ingressou na residência passou a quebrar os móveis que estavam no seu interior, momento em que quebrou uma janela e acertou na cabeça da vítima, a qual restou lesionada.

As lesões corporais causadas pelo denunciado retaram comprovadas no Atestado Médico da fl.06 do IP, que atesta a existência de escoriação na vítima.

De ressaltar, que os fatos se deram no âmbito das relações domésticas e familiares, porquanto o denunciado mantém relacionamento conjugal com a vítima.

2º FATO:

Nas mesma circunstâncias de tempo e espaço descritas no 1º FATO, o denunciado LUIZ FRANCISCO DA SILVA RODRIGUES causou incêndio em casa destinada a habitação, expondo a perigo a integridade física e o patrimônio da vítima Santa da Silva Coelho e suas filhas.

Na ocasião, o denunciado, após a prática do 1º FATO, ateou fogo em parte de uma casa destinada para residência do casal que se encontrava em construção, somente não causando danos de maiores gravidades, em razão da ação de vizinhos que contiveram o fogo a tempo de evitar que se alastrasse ainda mais."

Nas razões, alegando insuficiência probatória e invocando o princípio da intervenção mínima do Estado, pugna por absolvição. Subsidiariamente, requer desclassificação do delito de lesão corporal para a contravenção de vias de fato.

Foram apresentadas contrarrazões.

Em parecer escrito, a Dra. Procuradora de Justiça opina pelo desprovimento do apelo defensivo.

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. Conforme verifico das razões recursais, a defesa limita seus argumentos ao ilícito de lesão corporal, nada alegando de concreto em relação ao crime de incêndio.

Pertinente no caso concreto, contudo, antes adentrar na análise deste delito.

Tocante ao incêndio, entendo que a ausência de laudo pericial não conduz à absolvição automática sob argumento de ausência de prova da materialidade, já que sua comprovação pode ser alcançada por outros elementos de prova que, agregados, tornem induvidosa sua ocorrência.

Penso assim, pois se é objetivo do trabalho pericial confirmar a ocorrência do fogo e sua causa/origem, quando verificada a soma de provas outras que isso tornem claro - tais como a confissão, palavras de testemunhas, fotografias do local, etc - resta a necessidade do laudo, a meu ver, superada.

Assim entendo, pois quando satisfatória a comprovação da materialidade por meios outros, tenho que a norma não pode prevalecer à necessária punição pelo Estado, especialmente por se tratar o incêndio de um delito grave, gerador de perigo comum, que pode causar efeitos reflexos de grande monta.

No presente caso, contudo, faz-se aplicável o entendimento do STJ, no sentido de que em ausente laudo pericial, bem como não demonstrada a impossibilidade de sua realização, resta improvada a materialidade do delito de incêndio.

Ocorre que além da palavra da vítima - de grande valia, saliento -, e das declarações de uma testemunha, nada mais há nos autos a indicar a ocorrência, causa e extensão do fogo.

Nem mesmo a certidão do corpo de bombeiros tece maiores detalhes acerca do ocorrido, limitando-se a mencionar que "não havia mais fogo retornamos sem novidades".

Neste cenário, além de não demonstrada com a certeza necessária a materialidade do ilícito, nem mesmo a ocorrência de perigo comum poderia ser alcançada, tudo conduzindo, portanto, à absolvição do agente por esta prática, forte no artigo 386, incisos II e VII, ambos do CPP.

3. Remanesce, portanto, o delito do artigo 129, § 9º, do CP.

Considerando que a pena mínima cominada a este delito é inferior a 01 ano de detenção, bem como que se trata de réu primário, em tese se faria possível a oferta do benefício inserto no artigo 89 da Lei nº 9.099/95, conforme estabelece a Súmula nº 337 do STJ: “É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva”.

Todavia, o mesmo STJ entende pela aplicabilidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha, que assim orienta:

"Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995".

Neste sentido, a Súmula nº 536 do STJ, assim orienta:

"A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha".

E conforme já afirmou o STF, “considerados os fins sociais a que a lei se destina, o artigo 41 da Lei n. 11.340/2006 afasta a incidência da Lei n. 9.099/1995, de forma categórica, tanto aos crimes quanto às contravenções penais praticados contra mulheres no âmbito doméstico e familiar” (STF - HC106.212/MS, Rel. Min. Março Aurélio, julgado em 24/03/2011).

Por tais razões, deixo de promover na remessa dos autos à origem para análise da possibilidade de suspensão condicional do processo, eis vedado o benefício no caso concreto.

4. As sustentações defensivas, que almejam absolvição quanto à prática do delito de lesões corporais, não merecem acolhida.

Com efeito, tocante ao delito do artigo 129, § 9º, do CP, a materialidade restou demonstrada pelo boletim de ocorrência (fls. 10/11 do Evento 3 - PROCJUDIC1), pelo atestado médico hospitalar (fl. 13 do Evento 3 - PROCJUDIC1), e pela prova oral produzida durante a instrução do processo, cuja síntese da análise adoto do decidir atacado, in verbis:

"SANTA DA SILVA COELHO, vítima, relatou que no dia do fato o denunciado estava bebendo com seus amigos na rua e chegou em casa embriagado. Queria entrar, mas a depoente não quis abrir, então começou a bater na janela e a quebrou. Em seguida, contou que saiu pela porta, o acusado entrou no interior da casa e quebrou os móveis. Noticiou que o acusado não lhe bateu, mas que quando ele quebrou a janela, a tranca da janela acertou sua cabeça, o que acabou lhe causando um ferimento. Relatou que em seguida o denunciado colocou fogo em uma casa de madeira que estavam construindo ao lado da casa em que moravam. Esclareceu que o fogo foi controlado pelos vizinhos, e quando o corpo de bombeiros chegou fogo já havia sido apagado (fls. 44/46).

VALDIR DE BRITES, testemunha, noticiou que na data do fato a vítima foi até a sua casa...

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