Decisão Monocrática nº 50009125120218210086 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 25-01-2022

Data de Julgamento25 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50009125120218210086
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001639538
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5000912-51.2021.8.21.0086/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

APELANTE: CARLOS ROBERTO ZAMBIASI (AUTOR)

APELANTE: BANCO SAFRA S A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

apelação cível. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE VALORES E DANOS MORAIS. - COMPETÊNCIA INTERNA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. REPARAÇÃO DE DANOS. INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. OS RECURSOS EM AÇÕES QUE TEM COMO CAUSA A INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO E PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO SÃO DE COMPETÊNCIA DAS CÂMARAS QUE INTEGRAM O 3º E 5º GRUPOS CÍVEIS POR PREVALÊNCIA DA ESPECIALIZAÇÃO NA MATÉRIA. APLICAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO E ORIENTAÇÃO DO OFÍCIO CIRCULAR Nº 01/2016 (ITEM 15).

COMPETÊNCIA DECLINADA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

CARLOS ROBERTO ZAMBIASI e BANCO SAFRA S/A apelam da sentença proferida nos autos da ação declaratória de inexistência de débito c/c danos morais, assim lavrada:

Vistos.

I Relatório

CARLOS ROBERTO ZAMBIASI ajuizou demanda para desconstituição de dívida cumulada com pedido indenizatório contra BANCO SAFRA S A, ambos já qualificados.

A petição inicial refere, em suma, que: a parte autora recebe proventos de aposentadoria e pensão por morte do INSS; a parte autora foi surpreendida com dois descontos efetuados no respectivo contracheque, uma vez que não reconhece a origem de todos os débitos; a parte demandante não contratou esses empréstimos, sendo que os descontos em folha de pagamento são indevidos; não foi depositado valor na conta bancária do autor; portanto, além da cessação dos descontos e da impossibilidade da inclusão da parte autora em cadastro de inadimplentes, ela deve ser indenizada material e extrapatrimonialmente. Assim, a parte autora requereu a (a) determinação para que a demandada não efetue os descontos em folha de pagamento, inclusive, a título de tutela satisfativa liminar, assim como a (b) declaração de inexistência de débito e (c) à repetição em dobro dos valores indevidamente descontados dos proventos da parte autora e (d) ao pagamendo de indenização por danos extrapatrimoniais no valor de R$22.000,00. Juntou documentos.

Deferida a tutela satisfativa liminar para o fim de suspender os descontos, bem como conferida a gratuidade de justiça e (evento 8).

Citada, a demandada contestou e alegou, em resumo, que (evento 14): o feito deve ser extinto em razão da ausência de interesse processual; a parte autora entrou em contato e após análise dos documentos a parte demandada providenciou o cancelamento do contrato; não foi cometido ato ilícito; não se encontram preenchidos os requisitos autorizadores das medidas indenizatórias postuladas. Assim, a parte demandada requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Houve réplica (evento 15), ocasião em que a parte autora reiterou os termos da inicial.

A parte demandada juntou documentos (evento 26).

Com manifestação das partes (eventos 28 e 29), vieram os autos conclusos.

É o apertado relato. Decido.

II Fundamentação

A metodologia de trabalho parte da observação da controvérsia (o caráter problemático do direito). Identificadas as hipóteses em confronto, a atividade interpretativa da unidade fático-jurídica é decorrente de um processo lógico-argumentativo intersubjetivamente controlável (racional) que conta com justificação interna e justificação externa. A justificação interna encerra a lógica da ausência de contradição e teste de completude do discurso. A justificação externa oferece razões que sustentem as individualizações, valorações e escolhas para a composição dos enunciados jurídicos e das proposições fáticas que integram a decisão judiciária.

A parte autora refere que percebe proventos do INSS e não firmou o contrato nº 0005532777 com a parte demandada. Porém, começaram a efetuar descontos no contracheque da autora, o que seria referente ao aludido contrato que ela não entabulou. Nesse sentido que postulou a cessação dos descontos, a desconstituição dos negócios e a indenização pertinente.

De outro lado, a empresa demandada arguiu que a contratção foi regular, tendo havido o repasse do valor do empréstimo para a parte autora. Não houve fraude e o procedimento bancário foi regular, não ocorrendo prejuízo indenizável.

1 A ausência de interesse processual

Respeitosamente, entende-se que não se mostra necessário o esgotamento das vias administrativas como requisito para que ocorra o ajuizamento de ação judicial, sob pena de violação ao princípio constitucional de acesso ao Poder Judiciário (artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal c/c art. 3º do CPC).

Assim, impõe-se a rejeição da preliminar arguida.

2 O ônus da prova já vertido

Não é o caso de inversão do ônus, porque o legislador já verteu o ônus de provar.

A parte demandada supostamente forneceu um serviço e um produto ao autor. Não basta que a empresa remeta tudo ao argumento da autonomia privada e diga, em síntese, que se houve a contração e deve haver o pagamento. O fornecimento de um produto ou um serviço, a uma pessoa, caracteriza a vulnerabilidade do consumidor.

Quanto maior a possibilidade do lucro, maior a intensidade do dever de informar – trata-se de um critério que abaliza o contrato de adesão. Portanto, o caso é regido pelo sistema de proteção ao consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A responsabilidade do fornecedor é objetiva.

Note-se que a parte autora demonstrou a respectiva condição jurídica. Houve a demonstração do registro do valor descontado perante o órgão pagador.

Para afastar a presunção que decorre da documentação que ratifica a força da norma legal, a fornecedora de serviços deveria pormenorizar o que está cobrando, deveria pormenorizar a evolução dessa conta. Deveria alertar quem proporcionou esse evento.

Em direito do consumidor, o tipo presuntivo atribui ou verte, desde a previsão abstrata, o ônus da prova, ao sujeito ou à categoria que funcionalmente está ligada às circunstâncias ou às condições que justificam a imputação normativa. O princípio da proximidade1 da prova ou princípio da referibilidade da prova, segundo Adolfo di Majo2, encarrega à parte processual de comprovar o que está na sua esfera de controle objetivo.

Nesse sentido, o importante é convencer e demonstrar, ao juiz, que o conjunto de fatos coloca o sujeito processual na categoria jurídica de consumidor, sendo que os vínculos fáticos daí advindos não são elaboradas por um processo mental3 complexo e subjetivo do juiz, antes são consequências legais, portanto, elas decorrem de uma derivabilidade presuntiva posta – não meramente suposta – pela norma jurídica.

O tipo presuntivo se antecipa a uma subjetividade do julgador, à medida que o legislador já levou em conta as conexões que normalmente acontecem entre os fatos e que ensejam a categorização do sujeito como um consumidor e, assim, ocasionam os danos em termos de mercado de consumo (quod plerumque accidit). O legislador previne conexões.

Conforme Taruffo, “uma norma impõe ao juiz que tome por verdadeiro um fato alegado por uma parte, sem que desse seja dada qualquer prova (em particular por iniciativa da parte que alegou o fato); a verdade desse fato resta vinculante para o juiz se a outra parte não prova o contrário. Poder-se-ia observar, então, que as normas que estabelecem presunções fazem com que a decisão final ocupe-se dos fatos somente quando a prova contrária for fornecida. Se não houver prova contrária, a decisão não levará em consideração os fatos, visto que derivará diretamente da aplicação da norma que determina a presunção”4.

Os tipos presuntivos elaboram um metajuízo, em outras palavras, as presunções legais correntemente utilizadas no direito do consumidor brasileiro elaboram um juízo sobre um juízo de ponderação das normas. A própria legislação irradia uma tendência sobre o juízo do fato, quer dizer, para decidir sobre os fatos da causa, o juiz não precisa formular complexas operações mentais ou subjetivas, porque o prognóstico da causa já está de antemão assentado ou abreviado pelo módulo que o legislador considerou. O Código do Consumidor refere que um sujeito deve ser indenizado quando ele é reputado consumidor e quando não é afastada a presunção legal que lhe protege. A presunção somente é afastada por intermédio de exceções taxativas, sendo positivado na lei um critério verofuncionalizado5.

Os tipos presuntivos polarizam a balança em defesa do consumidor, assim, eles afirmam que um standard do convencimento fundado em um mínimo de atividade probatória enseja a tutela jurisdicional do consumidor e afasta o julgamento com base na regra do ônus da prova.

Daí que é desnecessário falar em inversão do ônus da prova – porque a própria lei fala que a responsabilidade do fornecedor é objetiva e que, mesmo ele desconhecendo de onde é o vício do fornecimento, houve a prática de um ilícito.

O contexto legal imputa o...

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