Decisão Monocrática nº 50010471120218210071 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 06-02-2023

Data de Julgamento06 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50010471120218210071
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002927688
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001047-11.2021.8.21.0071/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: OSMARINA KUHN (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO BMG S.A nos autos da demanda que contende com OSMARINA KUHN em face da sentença que assim dispôs (evento 33):

“[...]. Diante do exposto, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTES os pedidos contidos na ação declaratória para:

a) declarar a inexistência de débito referente ao contrato de cartão de crédito nº 11498078;

b) determinar a repetição de indébito, na forma dobrada, dos valores cobrados indevidamente, ou a compensação com eventual saldo remanescente, nos termos dos artigos 39 inciso V, 51 inciso III e inciso IV e § 1º, todos do CDC, corrigidos pelo IPCA, a partir de cada desconto, mais juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação;

c) condenar o Banco ao pagamento do dano moral sofrido que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), este valor deve ser corrigido monetariamente pelo IGP-M desde o arbitramento até o efetivo pagamento, bem como deve incidir juros de 1% ao mês a contar da citação.

Diante da sucumbência mínima da autora, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, que fixo em 10% do valor da condenação, na forma do art. 85, §2º do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em face da sistemática do Código de Processo Civil e, diante da inexistência de juízo de admissibilidade, consoante art. 1010, §3º do Código de Processo Civil, em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se na intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Com o trânsito em julgado, satisfeitas as custas, arquive-se com baixa.

Dil. Legais. ”

Em razões recursais, a parte apelante pede o reconhecimento da prescrição e da decadência da pretensão autoral. No mérito, sustenta, inicialmente, que demonstrou a legalidade da contratação do cartão de crédito, com a autorização expressa da autora para que fossem descontados valores de seu benefício previdenciário. Menciona que não agiu com abusividade, uma vez que o contrato acostado aos autos não deixa dúvida quanto à adesão de cartão de crédito consignado. Aduz que a sentença desconsiderou as provas trazidas aos autos, como o comprovante de crédito recebido pela autora e as faturas do cartão de crédito, os quais demonstram o vínculo contratual. Adiciona que todas as cláusulas incidentes no contrato em questão fazem referência, exclusivamente, à contratação de um cartão de crédito. Alega que os termos do contrato firmado são redigidos de forma simples, clara e de fácil compreensão. Sustenta que a apelada assinou a “Cédula de Crédito Bancário – Saque Mediante a Utilização do Cartão de Crédito Consignado Emitido pelo Banco BMG”, restando clara a operação realizada. Afirma que agiu em consonância com a orientação do INSS no que toca à liberação das quantias dos saques via TED, não havendo que se falar em intenção de ludibriar a apelada para fazê-la crer que estava contratando um empréstimo consignado comum. Frisa a impossibilidade, nessa modalidade de negócio, da determinação de um número fixo de parcelas ou um valor fixo das parcelas, tendo em vista a incidência de encargos moratórios mensais sobre o valor a ser adimplido. Adiciona não ser cabível a aplicação do art. 161 do CTN, em desatendimento ao precedente que vincula os tribunais estaduais, pois a taxa de juros moratórios sempre foi a SELIC. Alega que a adoção pelos tribunais do IGP-M como índice de atualização monetária acarreta o enriquecimento indevido, tendo em vista que tal taxa, quando somada à taxa de juros moratórios de 12% ano, perfaz uma rentabilidade de 30,62% ao ano. Aponta que a alteração dos índices de correção monetária e juros de mora possui natureza de ordem pública, sendo admissível seu conhecimento de ofício. Aduz inexistir ato ilícito que viabilize a indenização por danos morais. Entende não haver dano moral, uma vez que a intenção da autora foi de contratar o empréstimo mediante desconto em seu benefício. Alega que o instrumento contratual não deixa margem a qualquer dúvida acerca da operação efetuada e que não houve existência de erro, restando explicitados a taxa de juros remuneratórios, o valor final, os encargos moratórios, as datas de vencimento das parcelas e o número de prestações escolhidas pela demandante. Postula a manutenção da contratação como pactuada, assim como, o afastamento da condenação à indenização por danos morais ou ainda, o arbitramento em valor ínfimo. Assevera a necessidade de compensação dos valores. Manifesta interesse em prequestionar a matéria. Pede provimento (evento 39).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 41.

É o relatório.

VOTO

A apelação do evento 39 é tempestiva, pois o prazo para recorrer iniciou em 31/08/2022 e findou em 22/09/2022 (evento 34), sendo que o recurso foi interposto no dia 14/09/2022. Além disso, restou comprovado o recolhimento do preparo (evento 39 – OUT3).

Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação, a qual passo a examinar.

1. PRESCRIÇÃO.

Defende a parte ré a aplicação, no caso concreto, do prazo prescricional previsto art. 206, §3º, incisos IV e V, do Código Civil, qual seja, o trienal, quanto à pretensão de restituição dos valores descontados a título de contrato de cartão de crédito consignado.

Razão não lhe assiste, conforme passo a expor.

Na hipótese, considerando que a parte autora alega serem indevidos os descontos realizados pelo banco réu a título de “Empréstimo sobre a RMC”, a controvérsia posta nos autos cinge-se à análise da licitude ou de eventual nulidade do contrato de cartão de crédito consignado firmado entre as partes.

Assim, revendo meu posicionamento anterior, entendo que, à luz do disposto no art. 169 do Código Civil, existente alegação de nulidade da avença celebrada entre os litigantes, não há falar na ocorrência da prescrição da pretensão de repetição do indébito, visto que “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo."

A respeito do tema, colaciono julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL DE ASCENDENTE A DESCENDENTE POR INTERPOSTA PESSOA. SIMULAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. ATO NULO INSUSCETÍVEL DE CONVALIDAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. O Tribunal de origem, com fundamento na prova documental trazida aos autos, concluiu pela existência de simulação de negócio jurídico relativo ao contrato de compra e venda de imóvel de ascendente a descendente por interposta pessoa. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório. 2. O negócio jurídico nulo por simulação não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo e, portanto, não se submete aos prazos prescricionais, nos termos dos arts. 167 e 169 do Código Civil de 2002. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1702805/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 25/03/2020) – grifei.

No mesmo sentido, cito precedentes deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DECLARATÓRIA. NULIDADE. SIMULAÇÃO. PRESCRIÇÃO. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo (art. 169 do CC/02). No caso concreto não se trata de pretensão de restituição de valores pagos a título de comissão de corretagem a partir de abusividade da transferência da obrigação ao consumidor em contratos de promessas de compra e venda. A questão trazida diz respeito à suposta nulidade da promessa de compra e venda entabulada entre as partes litigantes sob a alegação de vício de consentimento. Assim, a devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem, parcela da pretensão indenizatória, apresenta-se como corolário lógico do eventual reconhecimento da nulidade do contrato. Portanto, envolvendo a ação declaração de nulidade de promessa de compra e venda com fundamento na ocorrência de simulação, não há falar em prescrição trienal da pretensão de restituição do valor pago a título de comissão de corretagem. Prescrição afastada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70083858092, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em: 30-04-2020) – grifei.

APELAÇÃO CÍVEL. POSSE. BENS IMÓVEIS. AÇÃO REIVINDICATÓRIA E ANULATÓRIA DE REGISTRO PÚBLICO. PROPRIEDADE DO IMÓVEL DEVIDAMENTE COMPROVADA. POSSE INJUSTA DA RÉ. INCORREÇÃO NA CONFRONTAÇÃO DO IMÓVEL LEVADO A REGISTRO. PROVA DOS AUTOS A CONFORTAR O PEDIDO. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA INOCORRENTES. GRATUIDADE JUDICIÁRIA.. A declaração de inexistência de ato jurídico - ato nulo - não se submete aos institutos da prescrição e decadência, pois na forma do artigo 169 do CCB, “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Logo, não há que se falar em prazo prescricional e decadencial. A ação reivindicatória é o procedimento que visa garantir posse àquele que já possui o domínio do bem, estando tal situação consubstanciada na regra trazida pelo art. 1.228, do Código...

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