Decisão Monocrática nº 50010625720178210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 20-01-2022

Data de Julgamento20 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50010625720178210026
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001572299
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001062-57.2017.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: Dissolução

RELATOR(A): Desa. VERA LÚCIA DEBONI

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. IMÓVEL ERIGIDO SOBRE TERRENO ALHEIO. DESCABIMENTO.
1. À UNIÃO ESTÁVEL, SALVO CONTRATO ESCRITO, APLICA-SE O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS, EM QUE SE COMUNICAM OS AQUESTOS, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES LEGAIS.
2. AS ACESSÕES E BENFEITORIAS REALIZADAS EM IMÓVEL ALHEIO NÃO PODEM SER OBJETO DE PARTILHA EM PROCESSO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL, PORQUANTO A PRESUNÇÃO LEGAL É DE QUE PERTENÇAM AO PROPRIETÁRIO DO SOLO, QUE NÃO INTEGRA A RELAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL E, POR ISSO MESMO, NÃO PODE SER ATINGIDO PELOS EFEITOS DA SENTENÇA. A INDENIZAÇÃO CONCERNENTE A ESSAS CONSTRUÇÕES NÃO PODE SER BUSCADA EM FACE DO CONSORTE (CÔNJUGE OU COMPANHEIRO), SENÃO QUE DEVE SER OBJETO DE AÇÃO PRÓPRIA DIRIGIDA AO TERCEIRO DETENTOR DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL.
3. NÃO OBSTANTE, RESTANDO INCONTROVERSO OU CABALMENTE PROVADO QUE A ACESSÃO OU BENFEITORIA FOI ERIGIDA NA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL, VIÁVEL O RECONHECIMENTO DO DIREITO DE AÇÃO RELATIVO AO AJUIZAMENTO DE DEMANDA INDENIZATÓRIA EM FACE DO PROPRIETÁRIO DO SOLO.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação interposta por Leonardo R.M., inconformado com sentença da Vara de Família e Sucessões de Santa Cruz do Sul, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação de dissolução de sociedade conjugal de fato que lhe moveu a apelada, Vânia E.M., para o fim de:

(a) reconhecer a união estável havida entre as partes “até setembro de 2016” (sic);

(b) partilhar, meio a meio:

(b.1) “eventuais direitos sobre as edificações realizadas nas terras de Otalina F.B.” (sic);

(b.2) os bens móveis arrolados na exordial;

(c) condenar o réu a pagar à autora o valor de R$ 3.262,76 (três mil, duzentos e sessenta e dois reais e setenta e seis centavos), “para equiparar sua meação em relação às dívidas assumidas”, “ficando a requerente Vânia responsável pelo pagamento da totalidade do débito junto à empresa ATIVOS S.A.” (sic).

Em suas razões, narrou o apelante, em síntese, que as partes conviveram em união estável e residiam na propriedade de Otalina F.B., tendo edificado, no local, uma casa mista, uma estufa de fumo e uma varanda de madeira, “em troca de poderam plantar fumo na propriedade sem pagar arrendamento” (sic). Afirmou que as benfeitorias seriam “parte integrante do imóvel pelo arrendamento da mesma” (sic). Defendeu, nessa esteira, que não é cabível a indenização das benfeitorias, haja vista que a propriedade do imóvel não pertence às partes, de modo que tal direito haveria de ser discutido em face de quem detém o domínio. Pugnou, nesses termos, pelo provimento da apelação e reforma parcial da sentença, a fim de que seja afastado o dever de indenizar as benfeitorias.

Aportaram contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC3, fls. 24-26).

O Ministério Público declinou de intervir (evento 7).

Vieram os autos conclusos em 11/10/2021 (evento 8).

É o relatório. Decido.

O recurso é apto, tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Não há preliminares a serem analisadas, razão porque é possível adentrar-se, de imediato, ao exame do mérito.

Adianto que a irresignação prospera, ao menos em parte.

Na petição inicial, a parte autora arrolou “uma casa de alvenaria, construída em uma área de terra localizada na localidade de Taquari Mirim, no município de Passo do Sobrado-RS [sic] (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 04).

Em sede de contestação, o ora recorrente esclareceu que o imóvel não pertence ao casal, uma vez que foi edificado em propriedade de Otalina F.B. (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 22), e fez prova documental dessa circunstância, juntando aos autos traslado da matrícula nº 64.508, Livro nº 2, do Registro de Imóveis de Santa Cruz do Sul (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 29).

Pois bem.

O regime legal aplicável à união estável é o da comunhão parcial de bens (artigo 1.7251 do Código Civil), no qual se comunicam todos os bens que sobrevierem aos conviventes durante a constância da sociedade conjugal (artigo 1.6582 do Código Civil).

A presunção de esforço comum na constituição do patrimônio decorre de lei e não comporta prova em contrário, somente restando afastada a comunicabilidade dos bens amealhados se alegada e demonstrada a ocorrência de alguma das hipóteses do artigo 1.6593 do Código Civil.

A quem arrola os bens incumbe o ônus de provar a sua existência, titularidade e comunicabilidade (artigo 373, inciso I4, do Código de Processo Civil).

Na hipótese, vertente, a parte autora não se desincumbiu desse ônus.

Em primeiro lugar, porque restou incontroverso, tanto nas alegações das partes quanto no conjunto da prova coligida aos autos, que o terreno sobre o qual foi erigida a acessão a elas não pertence.

Deflui do disposto no artigo 1.2535 do Código Civil que toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário.

Quem semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em favor do proprietário, as sementes, plantas e construções, tendo direito apenas a indenização, se houver procedido de boa-fé (artigo 1.255, caput6, do Código Civil).

Excepcionalmente o plantador ou construtor adquire a propriedade da construção ou da plantação, se o valor destas exceder consideravelmente o valor do terreno, mas, nesse caso, terá de indenizar o proprietário do solo (artigo 1.255, parágrafo único7, do Código Civil).

Todavia, é cediço que essas discussões não podem ser travadas em processo de dissolução de sociedade conjugal (divórcio, separação ou dissolução de união estável), porquanto se trata de ações personalíssimas, que tramitam em segredo de justiça, de modo que terceiros não podem figurar como parte ativa ou passiva.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO, C/C PEDIDO DE ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES. ÓBITO DO VARÃO NOTICIADO EM SEDE DE APELO. FALECIMENTO OCORRIDO ANTES DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. CAUSA DE EXTINÇÃO DA AÇÃO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE DIREITOS E OBRIGAÇÕES DE NATUREZA PERSONALÍSSIMA. NULIDADE ABSOLUTA DA DECISÃO. PRECEDENTES. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA E AÇÃO EXTINTA DE OFÍCIO. APELO PREJUDICADO. (Apelação Cível, Nº 70080909484, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em: 26-06-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. FALECIMENTO DO AUTOR. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DA SUCESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PARA FIGURAR O POLO ATIVO DA DEMANDA. Caso dos autos em que o autor da ação de divórcio faleceu antes mesmo da citação da ré, ocorrendo naturalmente a ruptura da sociedade conjugal, nos termos do artigo 1.571 do Código de Processo Civil. A sucessão carece de interesse processual para figurar o polo ativo, haja vista o caráter personalíssimo da ação. Apelação não conhecida. (Apelação Cível, Nº 70078174414, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em: 29-08-2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. Em ação de divórcio, personalíssima, que só pode ser ajuizada pelo casal (art. 1582, CC), incabível intervenção de terceiro. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 70077203149, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em: 30-05-2018)

Em outros termos, o proprietário do solo, sendo terceiro, não integra nem pode integrar a relação jurídico-processual.

Por conseguinte, é forçoso concluir-se que a parte demandada não tem o dever de indenizar a autora em relação ao que foi gasto na construção da casa durante a constância da união estável – como determinou a sentença apelada –, porquanto não é ela a proprietária do solo.

Tampouco é possível determinar a partilha de acessão erigida em imóvel de terceiro, quando é notório que os litigantes não possuem direitos reais sobre esse bem.

Com efeito, a proprietária da fração de terras sob a matrícula nº 64.508 do Livro nº 2 do Registro de Imóveis de Santa Cruz do Sul, conforme já se aludiu, é Otalina F.B. (evento 3, PROCJUDIC1, fl. 29), convindo aduzir-se que, conforme o artigo 1.2458 do Código Civil, a aquisição da propriedade imóvel dá-se pelo registro do respectivo título translativo.

Portanto, resta claro que a autora/apelada não pode discutir em face do réu/apelante o direito de propriedade ou meação sobre a acessão que alegadamente erigiram em terreno alheio, porque a sentença faz coisa julgada apenas entre as partes, não podendo prejudicar terceiros (artigo 5069 do Código de Processo Civil).

Colaciono, nessa mesma linha, os seguintes precedentes...

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