Decisão Monocrática nº 50010893420168210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 28-01-2022

Data de Julgamento28 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50010893420168210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001664974
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001089-34.2016.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR(A): Des. EUGENIO FACCHINI NETO

APELANTE: ILENI DUMMER VACHHOLZ (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

EMENTA

APELAÇões CÍVEis. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SECAGEM DE FUMO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEVER DO FUMICULTOR DE ADOTAR PROVIDÊNCIA PARA EVITAR O DANO. ESPECIFICIDADE DE SUA CULTURA AGRÍCOLA. NECESSIDADE DE INSTALAÇÃO DE GERADOR PRÓPRIO. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. HAND FORMULA. CHEAPEST COST AVOIDER. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA ACOLHIDA APENAS EM PARTE. REPARTIÇÃO DOS RISCOS. ZONA RURAL DO MUNICÍPIO DE camaquã. PERÍODO inferior a 24h. dano moral. não configuração. ônus sucumbenciais.

1. Contam-se aos milhares os processos judiciais ajuizados por fumicultores de nosso Estado, pretendendo a responsabilização civil das concessionárias de energia elétrica, em razão de perdas de produção do fumo devidas à interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem. Diante do aumento do número de processos judiciais e da elevação das pretensões indenizatórias, esta Câmara passou a entender ser razoável exigir-se dos fumicultores que estejam preparados para as inevitáveis e previsíveis intempéries climáticas anuais em nosso Estado, adquirindo geradores de energia que possam ser ativados em caso de interrupção da luz.

2. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. Constatando-se que os custos para instalação de um gerador não são elevados, ficando abaixo de boa parte das pretensões indenizatórias apresentadas, é razoável, econômica e juridicamente, exigir-se que os fumicultores adotem providências para evitar os danos. Como fundamento para tal exigência, invoca-se a doutrina do “duty to mitigate the loss”, que vem tendo boa acolhida doutrinária e jurisprudencial em nosso país, além de ser bastante conhecida no direito comparado, inclusive com consagração normativa internacional. À míngua de legislação específica, tal doutrina coaduna-se perfeitamente como uma das aplicações do princípio (ou cláusula geral) da boa-fé objetiva, dentro de uma visão cooperativa de relacionamento contratual e dentro da função de criação de deveres instrumentais, laterais ou anexos, inerentes à boa-fé objetiva.

3. CHEAPEST COST AVOIDER. Caso se examine a questão sob a ótica da análise econômica do direito, pode-se invocar a doutrina do cheapest cost avoider. Esta doutrina defende a idéia de que um critério objetivo para minimizar perdas e evitar custos consiste em tentar identificar quem pode evitar o dano a um menor custo. No caso em tela, diante da inevitabilidade da ocorrência de interrupções de energia elétrica, mesmo que por curtos períodos, o cultivador de tabaco pode evitar os danos a um custo menor, com a aquisição de gerador no-break.

4. Igualmente é possível a invocação da conhecida “FÓRMULA DE HAND” (Hand Formula), segundo a qual pode-se identificar uma negligência quando o custo para se evitar o dano é inferior ao valor do potencial prejuízo, multiplicado pela probabilidade de que ele venha a ocorrer. No caso dos fumicultores, tal custo é relativamente reduzido (instalação de gerador no-break), comparando-se com a previsível ocorrência de prejuízos derivados mesmo de curta interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem.

5. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. Ao não adequar sua conduta de modo a evitar o próprio dano ou o seu agravamento, isto é, ao não observar o encargo de afastamento do dano ou minimização de sua extensão, a vítima pode perder, total ou parcialmente, o direito à indenização pelo respectivo dano que poderia ter evitado sofrer. Esse efeito pode ser extraído da análise dos arts. 402, 403 e 945 do CC. Doutrina a respeito.

6. A questão em tela não pode ser analisada exclusivamente do ponto de vista individual (justiça corretiva), já que ela necessariamente tem implicações sociais (justiça distributiva), pois o repasse dos custos dos danos do fumicultor individual para a concessionária de energia elétrica, num primeiro momento, acaba repercutindo sobre toda a sociedade, já que no regime capitalista todo e qualquer custo ou prejuízo transforma-se em preço ou tarifa. Consequentemente, cedo ou tarde, o valor das indenizações redundará em aumento da tarifa a ser paga por toda a sociedade.

7. Assim, resta esclarecido que não se trata de um posicionamento que desconsidera os interesses do consumidor específico (o fumicultor), pregando-se a volta do lamentável caveat emptor. Trata-se, isso sim, de um posicionamento que procura proteger os interesses da generalidade dos consumidores (todos os usuários de energia elétrica, que, ao fim e ao cabo, pagarão a conta), ao mesmo tempo em que procura demonstrar que, do ponto de vista da racionalidade econômica, é mais vantajoso para os próprios fumicultores evitarem os danos do que posteriormente demandarem para obter sua reparação.

8. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos sofridos pelo demandante derivam da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas. Nessa hipótese, os prejuízos sofridos pelo fumicultor serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica o restante 1/3.

9. Nas hipóteses de interrupção por período superior a 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária, ressalvadas as hipóteses de força maior e a orientação jurisprudencial da Câmara.

10. Caso concreto em que a prova produzida nos autos demonstra que a interrupção se deu em período inferior a 24h, o que atrai a aplicação do entendimento de repartição de risco.

11. Por outro lado, a situação não é passível de gerar o dever de reparação moral, por não configurar hipótese de violação aos direitos de personalidade da parte autora.

12. O êxito na pretensão indenizatória não implica em revogação automática do benefício da gratuidade judiciária, notadamente porque o crédito percebido é fonte de renda decorrente do labor da parte autora, utilizado precipuamente para o seu sustento e de sua família, permanecendo, assim, hígidos os pressupostos que ensejaram a sua concessão.

APELAÇão da ré desprovida e apelação da autora parcialmente provida, de plano.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Por economia processual adoto o relatório da sentença (páginas 17/18 do arquivo PROCJUDIC3 do EVENTO 3 dos autos eletrônicos de primeiro grau):

A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento dos prejuízos materiais (R$ 5.519,00) e morais (R$ 6.000,00), juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; e 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi determinada a realização de perícia técnica objetivando aferir a capacidade da(s) estufa(s) do(a) produtor(a) e a correspondência com a alegada perda da quantidade e qualidade do tabaco.

Laudo acostado às fls. 80/83, sobre o qual não houve impugnação.

Houve decisão intimando as partes para dizer se ainda haviam provas a produzir (f. 87/88), oportunidade na qual a CEEE-D requereu a intimação da autora para apresentar notas fiscais da venda do fumo. Intimada para apresentar as notas (fl.96/97), a autora se manteve inerte.


Vieram os autos conclusos para a sentença.

Sobreveio decisão terminativa de parcial procedência dos pedidos iniciais, assim vazada sua parte dispositiva (páginas 23/24 do arquivo PROCJUDIC3 do EVENTO 3 dos autos eletrônicos de primeiro grau):

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 1.839,66 (um mil, oitocentos e trinta e nove reais e sessenta e seis centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação


Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré.
Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00,que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Inconformadas, as partes apelam.

A CEEE-D, em suas razões (páginas 27/37 do arquivo PROCJUDIC3 do EVENTO 3 dos autos eletrônicos de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT