Decisão Monocrática nº 50011696120178210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 16-09-2022

Data de Julgamento16 Setembro 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50011696120178210007
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002653203
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001169-61.2017.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR(A): Des. EUGENIO FACCHINI NETO

APELANTE: GUIDO WACHHOLZ (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SECAGEM DE FUMO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEVER DO FUMICULTOR DE ADOTAR PROVIDÊNCIA PARA EVITAR O DANO. ESPECIFICIDADE DE SUA CULTURA AGRÍCOLA. NECESSIDADE DE INSTALAÇÃO DE GERADOR PRÓPRIO. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. HAND FORMULA. CHEAPEST COST AVOIDER. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA ACOLHIDA APENAS EM PARTE. REPARTIÇÃO DOS RISCOS. ZONA RURAL DO MUNICÍPIO DE tapes. PERÍODO DE 18/02/2017 A 19/02/2017.

1. Contam-se aos milhares os processos judiciais ajuizados por fumicultores de nosso Estado, pretendendo a responsabilização civil das concessionárias de energia elétrica, em razão de perdas de produção do fumo devidas à interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem. Diante do aumento do número de processos judiciais e da elevação das pretensões indenizatórias, esta Câmara passou a entender ser razoável exigir-se dos fumicultores que estejam preparados para as inevitáveis e previsíveis intempéries climáticas anuais em nosso Estado, adquirindo geradores de energia que possam ser ativados em caso de interrupção da luz.

2. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. Constatando-se que os custos para instalação de um gerador não são elevados, ficando abaixo de boa parte das pretensões indenizatórias apresentadas, é razoável, econômica e juridicamente, exigir-se que os fumicultores adotem providências para evitar os danos. Como fundamento para tal exigência, invoca-se a doutrina do “duty to mitigate the loss”, que vem tendo boa acolhida doutrinária e jurisprudencial em nosso país, além de ser bastante conhecida no direito comparado, inclusive com consagração normativa internacional. À míngua de legislação específica, tal doutrina coaduna-se perfeitamente como uma das aplicações do princípio (ou cláusula geral) da boa-fé objetiva, dentro de uma visão cooperativa de relacionamento contratual e dentro da função de criação de deveres instrumentais, laterais ou anexos, inerentes à boa-fé objetiva.

3. CHEAPEST COST AVOIDER. Caso se examine a questão sob a ótica da análise econômica do direito, pode-se invocar a doutrina do cheapest cost avoider. Esta doutrina defende a idéia de que um critério objetivo para minimizar perdas e evitar custos consiste em tentar identificar quem pode evitar o dano a um menor custo. No caso em tela, diante da inevitabilidade da ocorrência de interrupções de energia elétrica, mesmo que por curtos períodos, o cultivador de tabaco pode evitar os danos a um custo menor, com a aquisição de gerador no-break.

4. Igualmente é possível a invocação da conhecida “FÓRMULA DE HAND” (Hand Formula), segundo a qual pode-se identificar uma negligência quando o custo para se evitar o dano é inferior ao valor do potencial prejuízo, multiplicado pela probabilidade de que ele venha a ocorrer. No caso dos fumicultores, tal custo é relativamente reduzido (instalação de gerador no-break), comparando-se com a previsível ocorrência de prejuízos derivados mesmo de curta interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem.

5. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. Ao não adequar sua conduta de modo a evitar o próprio dano ou o seu agravamento, isto é, ao não observar o encargo de afastamento do dano ou minimização de sua extensão, a vítima pode perder, total ou parcialmente, o direito à indenização pelo respectivo dano que poderia ter evitado sofrer. Esse efeito pode ser extraído da análise dos arts. 402, 403 e 945 do CC. Doutrina a respeito.

6. A questão em tela não pode ser analisada exclusivamente do ponto de vista individual (justiça corretiva), já que ela necessariamente tem implicações sociais (justiça distributiva), pois o repasse dos custos dos danos do fumicultor individual para a concessionária de energia elétrica, num primeiro momento, acaba repercutindo sobre toda a sociedade, já que no regime capitalista todo e qualquer custo ou prejuízo transforma-se em preço ou tarifa. Consequentemente, cedo ou tarde, o valor das indenizações redundará em aumento da tarifa a ser paga por toda a sociedade.

7. Assim, resta esclarecido que não se trata de um posicionamento que desconsidera os interesses do consumidor específico (o fumicultor), pregando-se a volta do lamentável caveat emptor. Trata-se, isso sim, de um posicionamento que procura proteger os interesses da generalidade dos consumidores (todos os usuários de energia elétrica, que, ao fim e ao cabo, pagarão a conta), ao mesmo tempo em que procura demonstrar que, do ponto de vista da racionalidade econômica, é mais vantajoso para os próprios fumicultores evitarem os danos do que posteriormente demandarem para obter sua reparação.

8. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos sofridos pelo demandante derivam da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas. Nessa hipótese, os prejuízos sofridos pelo fumicultor serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica o restante 1/3.

9. Nas hipóteses de interrupção por período superior a 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária, ressalvadas as hipóteses de força maior e a orientação jurisprudencial da Câmara.

10. Caso concreto em que a prova produzida nos autos demonstra que a interrupção se deu das 08h às 19h do dia 27/10/2016, das 02h às 11h do dia 09/12/2016 e das 01 às 15h do dia 25/12/2016, em período inferior a 24h, o que atrai a aplicação do novo entendimento de repartição de risco.

11. quantificação do dano material arbitrada com base nos laudos juntados com a petição inicial, subtraída a parcela excessiva apontada no laudo judicial.

12. reforma da sentença.

APELAÇão parcialmente provida, de plano.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Por economia processual, adoto o relatório elaborado na sentença (evento 29, SENT1):

A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; e 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi determinada a realização de perícia técnica objetivando aferir a capacidade da(s) estufa(s) do(a) produtor(a) e a correspondência com a alegada perda da quantidade e qualidade do tabaco.

Laudo acostado às fls. 10/13 do documento 8 do evento 3 e complementado às fls. 03/09 do documento 9 do evento 3, após impugnação da parte ré.

Designada audiência de instrução, foi ouvida uma testemunha arrolada pelo autor.

Encerrada a instrução, as partes formularam razões remissivas.

Sobreveio decisão de improcedência dos pedidos iniciais, assim constando a parte dispositiva:

Isso posto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em prol do(s) procurador(es) da parte adversa, que fixo em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), valor a ser atualizado pelo IPCA a partir da prolação da sentença, atentando-se à natureza da causa, o trabalho desenvolvido e a repetibilidade da demanda, nos termos do que dispõe o art. 85, § 8º, do CPC.

Considerando que a parte sucumbente é beneficiária da assistência judiciária gratuita, resta suspenso o pagamento dos ônus da sucumbência.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Encaminhe-se cópia da inicial, do(s) laudo(s) que a acompanha(m) e do laudo do perito judicial ao Ministério Público para análise da instauração de inquérito policial por falsidade ideológica.

Requisite-se o pagamento dos honorários periciais.

Por fim, nada sendo requerido, arquivem-se.

O autor apela (evento 33, APELAÇÃO1). Em suas razões, alega que o laudo técnico juntado com a petição incial comprova a existência de danos. Afirma que a empresa foi notificada dos prejuízos através de protocolo administrativo e que não vistoriou o produto. Afirma a diferença de capacidade da estufa apontada pela perícia é pequena. Requer a reforma da decisão, a fim de que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais. Alternativamente, requer que a indenização seja fixada com base na quantificação constante no laudo pericial.

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (evento 38, CONTRAZ1).

É o relatório.

Analiso.

Decido monocraticamente o recurso, forte no art. 932, IV e V, do Código de Processo Civil, sob registro que a situação encontra enquadramento no referido permissivo legal, pois sobre o tema em discussão há entendimento consolidado junto a este Órgão Fracionário. Ademais, fica resguardado o direito de...

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