Decisão Monocrática nº 50011871920168210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 04-02-2022

Data de Julgamento04 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50011871920168210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001688044
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001187-19.2016.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR(A): Des. EUGENIO FACCHINI NETO

APELANTE: LINDOLFO NEUJHAR (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SECAGEM DE FUMO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEVER DO FUMICULTOR DE ADOTAR PROVIDÊNCIA PARA EVITAR O DANO. ESPECIFICIDADE DE SUA CULTURA AGRÍCOLA. NECESSIDADE DE INSTALAÇÃO DE GERADOR PRÓPRIO. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. HAND FORMULA. CHEAPEST COST AVOIDER. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA ACOLHIDA APENAS EM PARTE. REPARTIÇÃO DOS RISCOS. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

1. Contam-se aos milhares os processos judiciais ajuizados por fumicultores de nosso Estado, pretendendo a responsabilização civil das concessionárias de energia elétrica, em razão de perdas de produção do fumo devidas à interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem. Diante do aumento do número de processos judiciais e da elevação das pretensões indenizatórias, esta Câmara passou a entender ser razoável exigir-se dos fumicultores que estejam preparados para as inevitáveis e previsíveis intempéries climáticas anuais em nosso Estado, adquirindo geradores de energia que possam ser ativados em caso de interrupção da luz.

2. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. Constatando-se que os custos para instalação de um gerador não são elevados, ficando abaixo de boa parte das pretensões indenizatórias apresentadas, é razoável, econômica e juridicamente, exigir-se que os fumicultores adotem providências para evitar os danos. Como fundamento para tal exigência, invoca-se a doutrina do “duty to mitigate the loss”, que vem tendo boa acolhida doutrinária e jurisprudencial em nosso país, além de ser bastante conhecida no direito comparado, inclusive com consagração normativa internacional. À míngua de legislação específica, tal doutrina coaduna-se perfeitamente como uma das aplicações do princípio (ou cláusula geral) da boa-fé objetiva, dentro de uma visão cooperativa de relacionamento contratual e dentro da função de criação de deveres instrumentais, laterais ou anexos, inerentes à boa-fé objetiva.

3. CHEAPEST COST AVOIDER. Caso se examine a questão sob a ótica da análise econômica do direito, pode-se invocar a doutrina do cheapest cost avoider. Esta doutrina defende a idéia de que um critério objetivo para minimizar perdas e evitar custos consiste em tentar identificar quem pode evitar o dano a um menor custo. No caso em tela, diante da inevitabilidade da ocorrência de interrupções de energia elétrica, mesmo que por curtos períodos, o cultivador de tabaco pode evitar os danos a um custo menor, com a aquisição de gerador no-break.

4. Igualmente é possível a invocação da conhecida “FÓRMULA DE HAND” (Hand Formula), segundo a qual pode-se identificar uma negligência quando o custo para se evitar o dano é inferior ao valor do potencial prejuízo, multiplicado pela probabilidade de que ele venha a ocorrer. No caso dos fumicultores, tal custo é relativamente reduzido (instalação de gerador no-break), comparando-se com a previsível ocorrência de prejuízos derivados mesmo de curta interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem.

5. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. Ao não adequar sua conduta de modo a evitar o próprio dano ou o seu agravamento, isto é, ao não observar o encargo de afastamento do dano ou minimização de sua extensão, a vítima pode perder, total ou parcialmente, o direito à indenização pelo respectivo dano que poderia ter evitado sofrer. Esse efeito pode ser extraído da análise dos arts. 402, 403 e 945 do CC. Doutrina a respeito.

6. A questão em tela não pode ser analisada exclusivamente do ponto de vista individual (justiça corretiva), já que ela necessariamente tem implicações sociais (justiça distributiva), pois o repasse dos custos dos danos do fumicultor individual para a concessionária de energia elétrica, num primeiro momento, acaba repercutindo sobre toda a sociedade, já que no regime capitalista todo e qualquer custo ou prejuízo transforma-se em preço ou tarifa. Consequentemente, cedo ou tarde, o valor das indenizações redundará em aumento da tarifa a ser paga por toda a sociedade.

7. Assim, resta esclarecido que não se trata de um posicionamento que desconsidera os interesses do consumidor específico (o fumicultor), pregando-se a volta do lamentável caveat emptor. Trata-se, isso sim, de um posicionamento que procura proteger os interesses da generalidade dos consumidores (todos os usuários de energia elétrica, que, ao fim e ao cabo, pagarão a conta), ao mesmo tempo em que procura demonstrar que, do ponto de vista da racionalidade econômica, é mais vantajoso para os próprios fumicultores evitarem os danos do que posteriormente demandarem para obter sua reparação.

8. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos sofridos pelo demandante derivam da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas. Nessa hipótese, os prejuízos sofridos pelo fumicultor serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica o restante 1/3.

9. Nas hipóteses de interrupção por período superior a 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária, ressalvadas as hipóteses de força maior e a orientação jurisprudencial da Câmara.

10. Caso concreto em que o autor postula indenização por danos decorrentes de interrupção do serviço havida por poucas horas em 22/12/2015, a fazer incidir o novo entendimento da Câmara de culpa concorrente do autor.

APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Por economia processual adoto o relatório elaborado na sentença:

LINDOLFO NEUJHAR ajuizou ação indenizatória em face da COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D. Sustentou, em síntese, ser produtor de fumo e que no período de secagem da produção, em estufa elétrica, ocorreu uma queda de energia. Disse que a interrupção do fornecimento elétrico ocorreu no dia 22/12/2015, das 12h15min até as 19h20min. Referiu que havia o total de 1.725kg de fumo em fase de cura. Alegou que, em virtude do sinistro, a produção teve sua classificação reduzida e desvalorizada. Discorreu acerca da aplicação do CDC e da responsabilidade civil objetiva das prestadoras de serviços públicos. Pugnou pela inversão do ônus da prova. Pleiteou pela indenização em danos materiais no valor de R$ 9.981,60. Requereu a procedência do pedido e pediu AJG. Juntou documentos (fls. 16-25).

Foi deferida a AJG (fl. 26).

Citada, a requerida contestou (fls. 30-51). Suscitou a inaplicabilidade do CDC, aduzindo ser a autora é produtora rural, de modo que se figura relação negocial e não de consumo. Arguiu excludente de responsabilidade por força maior, em virtude da ocorrência de temporal. Disse que inexiste serviço de energia ininterrupto, portanto o produtor poderia ter evitado a ocorrência dos supostos danos, suscitando a excludente de responsabilidade – culpa exclusiva da vítima. Afirmou que não há nexo causal entre as condutas da CEEE e os prejuízos sofridos, que sequer foram comprovados. Fez referência à indústria do dano fumageiro. Requereu a improcedência do pedido. Juntou documentos (fls. 52-80).

Houve réplica (fls. 82-115).

Determinada a realização de perícia nas estufas do autor; indicado assistente técnico e quesitos pela ré; sobreveio laudo pericial nas fls. 127-128.

Em decisão saneadora foi homologado o laudo pericial; determinada a inversão do ônus da prova e instadas as partes sobre o interesse na produção de outras provas (fls. 132-133).

A parte ré requereu a oitiva de testemunha (fls. 138-139).

Indeferido o pedido de oitiva do técnico agrícola, pois já foi realizada perícia técnica e dada vista às partes para alegações finais (fl. 146). Vieram os autos conclusos para sentença.

Instadas as partes quanto a produção de provas, a ré requereu a apresentação das .

Sobreveio sentença de improcedência dos pedidos iniciais, constando assim a parte dispositiva da decisão:

ISSO POSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido da AÇÃO INDENIZATÓRIA movida por LINDOLFO NEUJHAR contra a COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D.

Por sucumbente, condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil. Contudo, fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformado, o autor apela.

Em suas razões, sustenta ter comprovado o dano e sua extensão através de laudo técnico firmado por técnico agrícola cadastrado no CREA/RS. Alega tratar-se de relação de consumo, sendo, a interrupção do serviço de energia elétrica na propriedade do autor, incontroversa. Argumenta que a aquisição de um gerador não teria suprido a falta de energia no caso. Requer a reforma da sentença e a procedência da pretensão.

Em contrarrazões, a ré postula a manutenção da sentença.

É o breve relatório.

Analiso.

Decido monocraticamente o recurso, forte no art. 932, IV e V, do CPC/2015, sob registro que a situação encontra enquadramento no referido permissivo legal, pois sobre o tema em discussão há entendimento consolidado junto a este Órgão Fracionário. Ademais, fica resguardado o direito de provocação do Colegiado, se assim...

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