Decisão Monocrática nº 50011943020208210020 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 19-01-2022

Data de Julgamento19 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50011943020208210020
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001558105
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001194-30.2020.8.21.0020/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR(A): Des. ALBERTO DELGADO NETO

APELANTE: MANOEL MOREIRA DA SILVA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). FALTA DE INFORMAÇÕES. PRÁTICA ABUSIVA. REPETIÇÃO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO.

RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. DEMONSTRADA A ABUSIVIDADE CONTRATUAL PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. A RÉ DEIXOU DE COMPROVAR A DEVIDA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DA CONTRATAÇÃO DE CARTÃO COM COMPROMETIMENTO DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC), AO INVÉS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, IMPONDO EXCESSIVA ONEROSIDADE À PARTE HIPOSSUFICIENTE. CONFIGURADA A INCIDÊNCIA DE VANTAGEM DEMASIADA, VIOLANDO O DISPOSTO NO ARTIGO 51, INC. IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL IMPLICA ACOLHIMENTO DO PEDIDO DE CONVERSÃO DO EMPRÉSTIMO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO (RMC) PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, MEDIANTE ADAPTAÇÕES PONTUAIS.

REPETIÇÃO EM DOBRO. CONSTATADO O ERRO INESCUSÁVEL A JUSTIFICAR A REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO.

DANO MORAL. NAS RELAÇÕES DE CONSUMO, A RESPONSABILIDADE DOS PRESTADORES DE SERVIÇO E FORNECEDORES DE PRODUTOS É OBJETIVA EM RAZÃO DA PRESUMIDA HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR.

IMPRESCINDÍVEL HAVER TRANSPARÊNCIA NAS INFORMAÇÕES TRANSMITIDAS AO CONSUMIDOR DE FORMA A GARANTIR SEGURANÇA NAS RELAÇÕES JURÍDICAS HAVIDAS ENTRE AS PARTES.

NA HIPÓTESE, HOUVE QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA A QUE ESTÃO VINCULADOS OS CONTRATANTES A PARTIR DA FALHA DA OBRIGAÇÃO INFORMACIONAL PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

RECONHECE-SE O DANO MORAL IN RE IPSA NA CONDUTA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE VINCULA INDEFINIDAMENTE O CONSUMIDOR A CONTRATO DE CRÉDITO, SUPRIMINDO-LHE MENSALMENTE VERBAS DE NATUREZA ALIMENTAR NA MEDIDA EM QUE A DÍVIDA CONSTITUÍDA NÃO DIMINUI.

A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL DEVE TER COMO BALIZAS CRITÉRIOS QUE CONSIDEREM A EXTENSÃO DO DANO, GRAU DE INTENSIDADE DO SOFRIMENTO ENFRENTADO, BEM COMO AS CONDIÇÕES PESSOAIS DOS ENVOLVIDOS, TENDO O CONDÃO DE INIBIR A INCIDÊNCIA OU REINCIDÊNCIA DE CONDUTAS ILÍCITAS, BEM COMO PUNI-LAS.

APELAÇÃO PROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Apelação Cível interposta por MANOEL MOREIRA DA SILVA da sentença (Evento 27) que julgou improcedentes os pedidos formulados nos autos da ação manejada contra BANCO BMG S.A.

Em razões de recurso (Evento 33), pugnou a parte Apelante pela reforma da sentença. Aduziu que buscou contratar empréstimo pessoal consignado, mas acabou sendo induzido a contratar cartão de crédito que culminou constituindo reserva de margem consignável (RMC). Referiu não ter utilizado o cartão emitido. Afirmou que a forma como os débitos são procedidos a obrigação contraída não pode ser paga. Relatou ter sido ludibriado pela instituição financeira Apelada. Referiu à falha na prestação de serviço da Apelada. Aduziu ter sido vítima de dano moral, rogando pela condenação do Apelado ao pagamento de quantia por tal motivo. Rogou também pela condenação da parte Apelada à repetição de indébito em dobro.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 36).

É o relatório.

O recurso interposto preenche os requisitos processuais, razão pela qual vai admitido. Pretende a parte Apelante a reforma da sentença cujo dispositivo segue transcrito:

Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos aforados por Manoel Moreira da Silva em face de Banco BMG S.A.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do patrono da demandada, os quais vão fixados em 10% sobre o valor da causa, tendo em vista o grau de zelo profissional e a natureza da causa, consoante art. 85, §2º, do CPC, restando suspensos em face do benefício da AJG deferido.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

NULIDADE DA CONTRATAÇÃO

O Autor/Apelante pugna pela reforma da sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais. Aduz que não contratou cartão de crédito e nem autorizou comprometimento de margem consignável, frisando que seu único interesse era um empréstimo pessoal.

Pela documentação carreada aos autos, percebe-se que o Réu/Apelado demonstrou que o Autor/Apelante firmou contrato de adesão ao cartão consignado e autorização para desconto em folha de pagamento (Evento 12, CONTR2).

Nesta modalidade contratual (utilização de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável -RMC) é exigível a autorização formal firmada por escrito pela beneficiária, nos do artigo 3º, III, da Instrução Normativa do INSS n. 28/2008, alterada pela Instrução Normativa do INSS n. 39/20091.

Acrescento que a cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito está prevista na Resolução n. 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, artigo 1º:

RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito.

Ou seja, dito procedimento não se revela, por si só, ilegal ou abusivo, tendo em vista que objetiva permitir o uso do cartão de crédito na modalidade consignada.

Não obstante a demonstração da regularidade formal exigível à espécie de contratação firmada entre as partes, o cerne da questão diz respeito à informação robusta ao consumidor do tipo de contrato ao qual estava aderindo.

O Autor/Apelante lançou asserção na peça de ingresso no sentido de que pretendeu contratar empréstimo pessoal em consignação no benefício previdenciário, negando a intenção de contratação de empréstimo com margem consignável.

Conforme se verifica do Evento 12, CONTR2, dos autos originários, o pacto indica a contratação do valor de R$ 1.434,00.

Verifica-se do extrato do benefício previdenciário do Autor/Apelante que são debitados mensalmente em razão do negócio em questão R$ 68,93 (Evento 1, OUT7).

A Ré/Apelada apresentou as faturas do cartão de crédito emitido em favor da parte Autora/Apelante (Evento 12, FATURA 6 a 8), em que se verificam somente os descontos referentes ao negócio jurídico reportado nos autos, além de rubricas incidentes em razão de financiamento do saldo devedor. Não há utilização relativamente à função cartão de crédito.

Ou seja, embora haja a contratação do cartão de crédito juntamente com o contrato de empréstimo, verifica-se que não há provas nos autos da devida informação ao consumidor da forma de utilização da espécie contratual. Tampouco demonstrou a entrega do plástico ao autor, embora o instrumento contratual cite a contração do cartão de crédito.

Essa ausência agrega verossimilhança à alegação da parte Apelante de que não recebeu informações suficientes a respeito da contratação dos serviços de cartão de crédito, e a forma necessária à quitação, suas condições, consignações e reserva, assim como outros detalhes relevantes, de modo a diferenciá-lo de um empréstimo pessoal consignado, real objetivo da parte Apelante.

Vale ressaltar que se trata de típica relação de consumo, e cabe ao fornecedor do serviço prestar todas as informações ao consumidor no ato da contratação, a respeito do serviço/produto que adquire, nos termos do artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor2.

Analisando a forma como se desenrola a contratação, verifica-se que nesta modalidade é creditado na conta bancária do consumidor o valor solicitado para empréstimo, independentemente de envio e/ou desbloqueio de cartão de crédito, e sem que seja necessária a utilização deste.

Tal fato induz o consumidor a acreditar que está diante de um empréstimo consignado, e que os valores descontados diretamente em seus proventos de aposentadoria são suficientes à quitação. No entanto, se não houver pagamento integral, será descontado em folha apenas o valor mínimo da fatura (reserva de margem consignável), incidindo sobre a diferença encargos rotativos em valores bastante superiores aos encargos praticados pelo mercado nas operações de empréstimo consignado.

Permitir esse tipo de operação autoriza que a instituição financeira se torne credora permanente e vitalícia da parte Apelante, pois pratica descontos insuficientes ao pagamento do empréstimo, tornando a dívida eterna. Logo impagável nos moldes do valor descontado, limitado pela margem de consignação. Pois haverá constante incidência de juros e encargos sobre valores que sequer atingem o valor mínimo ao pagamento das faturas, onerando excessivamente a parte hipossuficiente.

Tal prática caracteriza o vício de validade na relação jurídica, o que é vedado pelo artigo 51, inc. IV, Código de Defesa do Consumidor3 .

A Instituição financeira, ao assim proceder, acaba por entregar produto diverso ao postulado pelo consumidor, violando os princípios da transparência e o da informação, tornando eterna a dívida, pelo que deve ser reputada nula a mencionada cláusula contratual.

Tal fato, no entanto, não acarreta nulidade da contratação em si. Ao contrário, pode e deve ser preservado. Conforme dispõe o artigo 51, § 2º, do CDC, “a nulidade...

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