Decisão Monocrática nº 50013767220198210045 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 31-01-2022

Data de Julgamento31 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50013767220198210045
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001661321
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001376-72.2019.8.21.0045/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR(A): Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELANTE: MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL (RÉU)

APELANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELADO: PEDRO ONILZO DA ROSA (AUTOR)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

SAÚDE. MEDICAMENTO INCORPORADO AO SUS. SOLIDARIEDADE. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA. DIRECIONAMENTO. TEMA 793 DO STF. PRECLUSÃO LÓGICA.

1. Não é de se conhecer do recurso interposto fora do prazo legal e incompatível com ato anteriormente praticado pela parte.

2. A despeito da responsabilidade solidária dos entes políticos, nas demandas relativas ao direito à saúde, cumpre ao juiz especificar o ente responsável pelo fornecimento dos medicamentos, à luz das regras de repartição de competência decorrentes dos critérios de descentralização e hierarquização, para o efeito de (I) redirecionar o cumprimento da sentença e, se for o caso, (II) determinar o ressarcimento financeiro àquele que antecipou a dispensação do fármaco. Tema 793 (855.178-RG). Precedentes do STF.

3. Em se tratando de fármaco incorporado e integrante da política oncológica, cuja aquisição se dá de forma centralizada pelas UNACONs ou CACONs, por meio do ressarcimento pelo Ministério da Saúde, conforme a tabela de procedimentos registrados no SUS, o cumprimento da obrigação deve ser direcionado à União. RCL 47331, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, 27/09/2021. RCL 45777, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, 1ª Turma, 02/06/2021. RE 1323725, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, 16/06/2021. ARE 1283092, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, 03/05/2021. RCL 41954, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, 26/04/2021. RE 1310027, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, 1ª Turma, 30/03/2021. RE 1307921, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, 19/03/2021.

Recurso do Estado provido. Recurso do Município não conhecido. Prejudicados o recurso do Autor e a remessa necessária.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. PEDRO ONILZO DA ROSA, em 23 de setembro de 2019, ajuizou ação contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL para obrigá-los a fornecer o medicamento Abiraterona 250mg, no valor mensal de R$ 7.356,14. Nos dizeres da inicial, (I) é portador de adenomacarcinoma de próstata (CID10 C.61), necessitando, pois, do medicamento para seu tratamento, e, (II) a despeito da prescrição médica, o requerimento administrativo foi indeferido pelos Réus (evento 03 - PROCJUDIC1, fls. 02/11 - processo originário).

O MM. Juiz de Direito da Vara Judicial da Comarca de Encruzilhada do Sul deferiu a tutela de urgência requerida (evento 03 - PROCJUDIC1, fls. 28/30 - processo originário).

Citados, os Réus contestaram a ação (evento 03 - PROCJUDIC1, fls. 34/49 e 50, e PROCJUDIC2, fls. 01/10 - processo originário).

O Ministério Público declinou de intervir no feito (evento 03 - PROCJUDIC2, fls. 23/26 - processo originário).

Na sentença, o MM. Juízo a quo julgou procedente a ação para ratificar os termos da tutela de urgência deferida e condenar (I) os Réus ao fornecimento do medicamento Abiraterona 250mg, observada a denominação comum brasileira, enquanto perdurar a necessidade, e (II) o MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 300,00 ao FADEP, isentando-os do pagamento das custas processuais (evento 03 - PROCJUDIC2, fls. 38/48 - processo originário).

Intimado, o MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL, em 18 de dezembro de 2020, informou a "não interposição recursal face a possibilidade de trazer maior prejuízo ao erário, principalmente em relação a verbas sucumbenciais, com fulcro na dispensa administrativa (...)" (evento 03 - PROCJUDIC3, fl. 30 - processo originário).

Inconformadas, apelam, tempestivamente, as partes.

Alega o Autor que inexiste confusão entre credor e devedor, pois se cuida de órgão dotado de autonomia funcional, administrativa e orçamentária, nos termos das Emendas Constitucionais n.º 45/2004, n.º 74/2013 e n.º 80/2014. Requer, então, a condenação do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ao pagamento de honorários advocatícios ao FADEP e, ao efeito de prequestionamento, a apreciação dos artigos 134 e 168 da Constituição da República, 4º, XXI, 97-A e 97-B da Lei Complementar n.º 80/94 (evento 03 - PROCJUDIC2, fls. 49/50 e PROCJUDIC3, fls. 01/07 - processo originário).

O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL sustenta que o tratamento do câncer, no âmbito do Sistema Único de Saúde, é de competência dos CACONs e UNACONs por meio de financiamento do Ministério da Saúde. Diz que não pode ser obrigado a fornecer medicamento de alto custo que não está incorporado às políticas públicas do Sistema Único de Saúde. Caso mantida a condenação, pede seja "imposta a compensação por benefícios indevidos do Município/União". Requer, então, o provimento do recurso (evento 03 - PROCJUDIC3, fls. 08/22 - processo originário).

O MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL argui, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva ad causam. Alega que a responsabilidade pelo tratamento é da União por meio dos CACONs e UNACONs. Pede seja excluída a condenação ao pagamento de honorários advocatícios ao FADEP, visto que ausente o caráter alimentar da verba. Ao efeito de prequestionamento, pede a apreciação dos artigos 22 e 23 da n.º Lei 8.906/94 e 19 da n.º Lei 11.033/04 (evento 03 - PROCJUDIC3, fls. 49/50 e PROCJUDIC4, fls. 01/10 - processo originário).

Na petição de fls. 45/48, em 06 de julho de 2021, o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL informou que "o medicamento postulado foi bloqueado no Sistema AME, por suspensão do tratamento" (evento 03 - PROCJUDIC3, fl. 45 - processo originário).

Apresentadas as contrarrazões, o Autor requereu, preliminarmente, o não conhecimento do recurso do MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL (evento 03 - PROCJUDIC3, fls. 23/29 e 33/43 e PROCJUDIC4, fls. 13/21 - processo originário). Foram, então, os autos remetidos a este Tribunal. É o relatório.

2. Recurso do MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL

Na forma do artigo 1.000 e parágrafo único do Código de Processo Civil, "a parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer. (...) Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer".

No caso, intimado da sentença, o MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL informou, em 18 de dezembro de 2020, "acerca da não interposição recursal face a possibilidade de trazer maior prejuízo ao erário, principalmente em relação a verbas sucumbenciais, com fulcro na dispensa administrativa, (...)". A despeito disso, posteriormente, interpôs a presente apelação (evento 03 - PROCJUDIC3, fls. 30 e 49/50 e PROCJUDIC4, fls. 01/10 -processo originário).

Assim, não se pode conhecer do recurso pela preclusão lógica. Com efeito, o MUNICÍPIO DE ENCRUZILHADA DO SUL informou expressamente que não iria interpor recurso de apelação, de forma que não poderia, posteriormente, se insurgir contra a condenação ao fornecimento do medicamento.

É que "O princípio da boa-fé objetiva proíbe que a parte assuma comportamentos contraditórios no desenvolvimento da relação processual, o que resulta na vedação do venire contra factum proprium, aplicável também ao direito processual" (AgRg No Resp 1280482/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 07/02/2012, Dje 13/04/2012).

Nesse sentido a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, segundo a qual a aceitação da sentença "é causa de não conhecimento do recurso, porque fato impeditivo do poder de recorrer (...) A aquiescência, que pode ser expressa ou tácita, é espécie de preclusão lógica do poder de recorrer"1.

Não fosse isso, o recurso não poderia ser conhecido, em razão da intempestividade. Com efeito, a intimação da sentença ocorreu por carga dos autos, em 10 de novembro de 2020, conforme a informação processual no site deste Tribunal de Justiça, tendo o prazo recursal findado, em 25 de janeiro de 2021, sendo que não houve suspensão dos prazos processuais, na forma da Resolução n.º 012/2020-P2 . Contudo, o recuros somente foi interposto em 06 de agosto de 2021. (evento 03 - PROCJUDIC3, fl. 49 - processo originário).

Não se conhece, pois, do recurso.

3. Recurso do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

3.1. Responsabilidade solidária - Tema 793 do STF

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 855.178/SE (TEMA 793), integrado pelos Embargos de Declaração, por maioria, em acórdão publicado em 16 de abril de 2020, assentou a seguinte tese de repercussão geral:

"Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro"(PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020) (Grifou-se)

Eis a ementa do acórdão dos respectivos Embargos de Declaração:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.
2. A fim de otimizar a...

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