Decisão Monocrática nº 50014466620218210030 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50014466620218210030
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002605644
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001446-66.2021.8.21.0030/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR(A): Des. LEONEL PIRES OHLWEILER

APELANTE: JOSUE DORNELLES COELHO (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. EXCESSO DE CONSUMO. OSCILAÇÃO INCOMPATÍVEL COM HISTÓRICO DE CONSUMO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IRREGULARIDADE NAS INSTALAÇÕES. ÔNUS DA CONCESSIONÁRIA. DESCONSTITUIÇÃO DO DÉBITO QUE SE IMpÕE. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO. DÉBITO Pretérito. ato ilícito configurado. indenização devida. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS.

1. Conforme consta nos autos, a parte autora ajuizou a presente ação contra a CORSAN, pretendendo a anulação da fatura de R$ 2.536,95, da competência de 05/2020, alegando desconformidade com o histórico de consumo da unidade consumidora.

2. Prova dos autos que evidencia que houve irregularidade na medição de consumo realizado pela ré na competência de 05/2020, haja vista o registro discrepante em relação ao histórico de utilização de água da parte autora, considerando ainda se tratar de residência humilde, em que injustificado consumo tão elevado.

3. Cumpria à CORSAN a prova do motivo do excesso, ônus do qual não se desincumbiu, a teor do artigo 373, II, do CPC. A empresa ré não acostou aos autos qualquer prova no sentido de que a parte autora, de fato, consumiu o excesso de água em questão, muito menos provou a existência de vazamentos ou qualquer outro problema técnico ou de responsabilidade da autora, ônus pelo qual respondia, de acordo com o CDC.

4. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Aplicação do artigo 37, §6º, da CF. Incidência do art. 22 do CDC. O serviço público prestado pela concessionária de serviço público deve ser eficiente e seguro. Exigência de serviço adequado, nos termos do art. 6º, §1º, da Lei nº 8.987/95.

5. O ato ilícito praticado pela demandada reside na suspensão do fornecimento de água por débitos pretéritos, fato que não foi negado pela concessionária na contestação ou nas contrarrazões recursais. Diante disso, é cabível a condenação por danos extrapatrimoniais, uma vez que a parte autora foi privada, indevidamente, de um serviço essencial. Na hipótese, os aludidos danos decorrem da própria violação do bem jurídico relacionado com o dia a dia da vida existencial da parte autora e a ausência de serviço público essencial.

6. A indenização por danos extrapatrimoniais deve ser suficiente para atenuar as conseqüências das ofensas aos bens jurídicos tutelados, não significando, por outro lado, um enriquecimento sem causa, bem como deve ter o efeito de punir o responsável de forma a dissuadi-lo da prática de nova conduta.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

JOSUE DORNELLES COELHO ajuizou ação em face da COMPANHIA RIOGRANDENDE DE SANEAMENTO – CORSAN.

O magistrado de 1º grau julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:

Em face do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por JOSUE DORNELLES COELHO contra COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN, nos termos do art. 487, I, do CPC e da fundamentação retro.

Revogo a liminar concedida no Evento 08.

Por via de consequência, ante a sucumbência, condeno a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa, atento que estou aos parâmetros do art. 85, §2°, do CPC.

Suspensa a exigibilidade ante o deferimento do benefício da gratuidade judiciária, nos termos do art. 98, §§2º e 8°, do CPC e da Lei 1.060/50.

Em razões de apelação (evento 68), a parte autora sustenta, em síntese, que o valor cobrado na fatura da competência de 05/2020, de R$ 2.536,95, correspondente ao consumo de 225m³ de água (evento 1, COMP5), é excessivo e incompatível com o seu histórico de consumo. Alude à unilateralidade da prova produzido, no sentido de que o hidrômetro não possuia irregularidade. Refere que a perícia não encontrou nenhum tipo de vazamento. Entende que, como o medidor não foi fraudado ou adulterado pelo Apelante e o consumo se manteve mesmo depois da inspeção, incide o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a responsabilidade do fornecedor pela reparação dos danos causados. Defende é devida indenização pelos danos morais causados. Requer seja provido o presente recurso de apelação para o fim de que seja julgada procedente a presente demanda, para tornar definitiva a tutela antecipada deferida, declarar NULA a dívida de R$ R$2.536,95, bem como condenar a Recorrida a pagar indenização por Danos Morais, tendo em vista prática abusiva praticada, a fim de responder não só à efetiva reparação do dano, mas também ao caráter preventivo-pedagógico do instituto, no sentido de que, no futuro, o fornecedor de serviços tenha mais cuidado e zelo com o consumidor sem, contudo, caracterizar em hipótese alguma enriquecimento ilícito por parte do Recorrente, pois o Princípio da Razoabilidade das indenizações por danos morais é um prêmio aos maus prestadores de serviços, públicos e privados.

A CORSAN, em contrarrazões (evento 71), afirma que o autor não produziu mínima prova a afastar a legalidade dos atos da CORSAN e a correção da fatura e, por outro lado, a recorrida se desincumbiu de seu ônus probatório ao apresentar laudo de aferição do hidrômetro instalado no imóvel da autora, efetuado pelo Departamento de Hidrometria (DEHIDRO) da empresa, atestando que o aparelho estava medindo corretamente e por isso aprovado em todas as vazões e características. Refere que não há nenhum embasamento fático para que a fatura de consumo impugnada seja revisada, haja vista que após o hidrômetro as condições das instalações são de responsabilidade do usuário do serviço, conforme estabelecido pelo art. 129 do RSAE 2019. Argumenta que a culpa exclusiva da vítima consiste em excludente da responsabilidade civil e que o exercício regular de um direito não constitui ilícito civil. Colaciona precedentes. Pede o desprovimento do recurso.

Recebido o recurso, foi deferido o pedido de efeito suspensivo postulado (evento 5).

O Ministério Público declinou da intervenção (evento 13).

É o relatório.

Decido.

I - CABIMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA.

O artigo 932, incs. IV e V, do Código de Processo Civil, assim dispõe:

Art. 932. Incumbe ao relator:

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

E o Colendo Órgão Especial deste Tribunal aprovou o Novo Regimento Interno, dispondo:

Art. 206. Compete ao Relator:

XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;

II – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

O apelo é tempestivo e está dispensado do preparo pela concessão de AJG na origem. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

III – MÉRITO.

A Revisão do Faturamento do Consumo de Água

O feito envolve fornecimento de água, bem jurídico considerado essencial ao cidadão, na esteira do que vem decidindo esta Corte, em especial a Terceira Câmara Cível (Apelação Cível Nº 70028955987, julgado em 31/01/2013).

A questão da suspensão do serviço tem sido amplamente discutida por parte da doutrina e jurisprudência, no que tange à compreensão do artigo 6º, §§1º e 3º, da Lei nº 8.987/95, bem como do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor. O primeiro dispositivo disciplina a continuidade como elemento do conceito de serviço adequado, mas em contrapartida, refere-se que não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após aviso prévio quando por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. Observadas as diretrizes constitucionais do artigo 170 (defesa do consumidor) e artigo 1º, inciso III (dignidade humana), a doutrina diverge quanto à possibilidade ou não de suspensão do serviço de fornecimento de água por inadimplemento do usuário.

No entendimento de Marçal Justen Filho:

“Como regra, o particular está obrigado a manter a prestação do serviço público, não obstante haja ausência de cumprimento de prestações devidas pelos demais envolvidos no âmbito da concessão. É vedada a interrupção da prestação de serviço público, princípio fundamental que comporta explicitação mais minuciosa. É indispensável, antes de tudo, diferenciar a essencialidade dos serviços públicos para satisfação da dignidade humana. Quanto mais essenciais esses serviços, tanto menos cogitável é a interrupção de sua prestação, quer em termos individuais, quer em dimensão coletiva.”1

A administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro também adota entendimento similar, quando a...

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