Decisão Monocrática nº 50014479620168210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-08-2022

Data de Julgamento29 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50014479620168210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002627697
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001447-96.2016.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR(A): Des. EDUARDO KRAEMER

APELANTE: RICARDO LOPES MARTINS (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SECAGEM DE FUMO. COMARCA DE CAMAQUÃ. LOCALIDADE DE ESTRADA COSTA DO PINHEIRO. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA NA DATA DE 18/12/2015, DAS 20H30 ATÉ AS 02H DO DIA SEGUINTE. RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA. TEORIA FINALISTA MITIGADA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTES DA PERDA DO FUMO PELA INTERRUPÇÃO DO PROCESSO DE SECAGEM. AUSÊNCIA DE EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. DEVER DE REPARAR. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO POR PERÍODO INFERIOR A 24 HORAS. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA LIMITADA A 1/3 DOS PREJUÍZOS EXPERIMENTADOS PELO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS MANTIDA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM.

APLICA-SE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, TENDO EM VISTA QUE A PARTE AUTORA SE TRATA DE PEQUENO PRODUTOR RURAL, QUE UTILIZA A ENERGIA ELÉTRICA NA SUA MORADIA E NA SUA ATIVIDADE. É VISÍVEL A VULNERABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA DA PARTE AUTORA EM RELAÇÃO À CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA. TRATA-SE DA CHAMADA “TEORIA FINALISTA APROFUNDADA OU MITIGADA”. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL E DO STJ.

RESPONDE A EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA POR DANOS PROVOCADOS EM RAZÃO DE SUSPENSÃO INDEVIDA NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 14 E 22, DO CDC, E NO ART. 37, § 6º, DA CF.

NOS CASOS EM QUE A ENERGIA ELÉTRICA CONSTITUI FATOR PREPONDERANTE PARA A MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DO PRODUTO PRODUZIDO OU QUE DE ALGUMA FORMA POSSA SER AFETADO PELA PRÓPRIA NATUREZA DO CULTIVO, NÃO SE PODE ATRIBUIR CULPA EXCLUSIVA À CONCESSIONÁRIA PELOS PREJUÍZOS DECORRENTES QUANDO A INTERRUPÇÃO NO SERVIÇO DE ABASTECIMENTO OCORRER DENTRO DE UM PERÍODO DE TEMPO RAZOÁVEL.

DE ACORDO COM O NOVEL ENTENDIMENTO FIRMADO NA CÂMARA, A RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA, NO CASO DE CULTIVO DE FUMO, SOMENTE SERÁ INTEGRAL QUANDO A INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE ABASTECIMENTO FOR SUPERIOR A 24 HORAS ININTERRUPTAS; E, QUANDO INFERIOR AO PATAMAR ADOTADO, OS PREJUÍZOS SERÃO SUPORTADOS À RAZÃO DE 2/3 PARA O CONSUMIDOR (FUMICULTOR) E DE 1/3 PARA A CONCESSIONÁRIA.

HIPÓTESE EM QUE MANIFESTA A EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA DA RÉ E O PREJUÍZO SUPORTADO PELA PARTE AUTORA, SITUADA NA LOCALIDADE ESTRADA COSTA DO PINHEIRO, INTERIOR DO MUNICÍPIO DE CAMAQUÃ. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO, NA MEDIDA EM QUE A SENTENÇA RECORRIDA LIMITOU EM 1/3 DO DANO MATERIAL, UMA VEZ QUE A INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA FOI INFERIOR A 24 HORAS.

GRATUIDADE JUDICIÁRIA. MANUTENÇÃO.

CASO EM QUE O CONJUNTO PROBATÓRIO PERMITE CONCLUIR PELA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DA PARTE AUTORA, QUE SE QUALIFICA COMO PEQUENO AGRICULTOR EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR, RESTANDO DEMONSTRADA RENDA INSUFICIENTE PARA ARCAR COM AS DESPESAS DO PROCESSO, SEM PREJUÍZO DO SEU PRÓPRIO SUSTENTO E DE SUA FAMÍLIA. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO AO INÍCIO DEFERIDO.

APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto por JAIR PERES DOS SANTOS, inconformado com a sentença (Evento 3, PROCJUDIC3, Página 47/50 e PROCJUDIC4, Página 1/4, origem) que julgou parcialmente procedente a ação de indenização ajuizada em face de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, nos seguintes termos, in verbis:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 3.778,70 (três mil, setecentos e setenta e oito reais e setenta centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Publique-se; registre-se; intime-se. Em nada sendo requerido, arquive-se.

Em suas razões (Evento 3, PROCJUDIC5, Página 1/25, origem), sustenta que a concessionária não apresentou provas que afastassem a sua responsabilidade; que a interrupção do fornecimento da energia elétrica nas estufas é questão incontroversa nos autos; que possuir um gerador próprio de emergência no caso de falta energia elétrica é uma faculdade e não um dever do consumidor, pois a continuidade no fornecimento de energia elétrica é essencial ao serviço público; e que incidem as normas do CDC na hipótese, tendo em vista que, contrariamente ao asseverado, a natureza da relação estabelecida entre pequenos agricultores rurais e as concessionárias de distribuição de energia elétrica é de consumo, conforme iterativo entendimento jurisprudencial. No mais, discorre acerca do caráter essencial do serviço prestado, sustentando que restou devidamente caracterizada a falha na prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica como fato do serviço, o que justifica a aplicabilidade da responsabilidade objetiva, afastando-se a culpa concorrente. Por fim, uma vez reconhecida a responsabilidade exclusiva da concessionária, postula o redimensionamento dos ônus sucumbenciais, para que sejam suportados integralmente pela requerida. Afirma fazer jus ao benefício da gratuidade de justiça, tendo em vista que é pequeno agricultor e possui a produção do fumo como única fonte de renda para o seu sustento e de sua família. Cita precedentes. Requer o provimento do recurso, para que seja julgada totalmente procedente a ação.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 3, PROCJUDIC5, Página 29/37, origem).

É o breve relatório.

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Consigno, de início, a possibilidade de julgamento monocrático, na medida em que sobre a questão colocada em apreciação há entendimento consolidado neste Colegiado.

A demanda versa sobre danos materiais alegadamente experimentados em face da perda da qualidade do fumo produzido em razão de interrupção no fornecimento de energia elétrica na data de 09/01/2015, das 17h até as 16h do dia seguinte.

A parte autora, situada na localidade de Estrada Costa do Pinheiro, interior do Município de Camaquã, alegou que o fumo sofreu deterioração e perda de qualidade, uma vez que a secagem da produção restou comprometida, bem como que a requerida tardou a fornecer o restabelecimento do serviço, apontando um prejuízo no montante de R$ 11.339,10 (Evento 3, PROCJUDIC1, Página 18, origem).

A sentença julgou parcialmente procedente a ação, para condenar a demandada a indenizar os prejuízos sofridos pela parte autora, correspondente a 1/3 dos danos reclamados (R$ 3.778,70), concluindo pela culpa concorrente da parte autora.

Releva salientar, primeiramente, que, de acordo com o entendimento pacificado no âmbito desta Câmara, em hipóteses como a presente, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a parte autora se trata de pequeno produtor rural, que utiliza a energia elétrica na sua moradia e na sua atividade, de pequeno produtor de fumo, cuja produção tem como destino as empresas fumageiras da região. Em razão destas circunstâncias, verifica-se situação de visível vulnerabilidade técnica e econômica da parte autora em relação à concessionária de energia, que detém todas as condições de produzir a prova necessária quanto à adequação do serviço prestado, esclarecendo os motivos da interrupção e as controvérsias sobre o ocorrido.

Trata-se da chamada “Teoria Finalista Aprofundada ou Mitigada” que admite, em determinadas hipóteses, que o conceito de consumidor final seja mitigado quando evidenciada alguma vulnerabilidade daquele que compra/contrata - ainda que se trate de uma pessoa jurídica -, frente ao fornecedor do produto ou serviço.

Nesse sentido, o entendimento desta 9ª Câmara Cível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PEQUENO PRODUTOR DE FUMO. APLICABILIDADE DO CDC. VULNERABILIDADE VERIFICADA, NO CASO. Em nosso ordenamento, e assim o STJ já se manifestou, consagrou-se a denominada "Teoria Finalista", que assim define o consumidor: "destinatário fático e econômico do bem ou serviço". É verdade que a teoria finalista admite flexibilização, nos termos de jurisprudência reiterada, com base na vulnerabilidade concreta daquele que consome. Trata-se da "Teoria Finalista Aprofundada ou Mitigada". Caso em que a parte autora é pequena produtora de fumo, atividade desempenhada com a energia elétrica que alimenta, também, a propriedade rural na qual reside com sua família. Constatação de vulnerabilidade técnica para esclarecer as controvérsias relacionadas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT