Decisão Monocrática nº 50015311720198210032 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 19-09-2022

Data de Julgamento19 Setembro 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50015311720198210032
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002734642
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001531-17.2019.8.21.0032/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: SALVADOR TAVARES DA SILVA (AUTOR)

EMENTA

APELAÇão Cível. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS e morais. sentença ultra petita reconhecida de ofício. SECAGEM DE FUMO. PERDA DE QUALIDADE DO TABACO. Suspensão DO FORNECIMENTO DE ENERGIA OCORRIDA entre os dias 17 e 18 de dezembro de 2018 em unidade consumidora localizada na linha Brandão, município de barão do triunfo. CONFIGURAÇÃO DE FORÇA MAIOR. FORTES TEMPORAIS. EVIDENCIADA CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. INDENIZAÇÃO AFASTADA.

1. SENTENÇA ULTRA PETITA. POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO/CORRELAÇÃO, POSITIVADO NOS ARTIGOS 141 E 492 DO CPC, É VEDADO AO MAGISTRADO PROFERIR DECISÃO ALÉM, FORA OU AQUÉM DO QUE FOI POSTULADO PELO AUTOR. NO CASO CONCRETO A PARTE AUTORA POSTULOU EXPRESSAMENTE A CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOs materiais NO VALOR DE três mil novecentos e setenta reais e dez centavos. CONTUDO, O MAGISTRADO DA ORIGEM FIXOU A INDENIZAÇÃO EM VALOR SUPERIOR AO POSTULADO, EM AFRONTA AO ART. 492, CPC, SEM, NO ENTANTO, IMPOR A DESCONSTITUIÇÃO A SENTENÇA, MAS APENAS A SUA READEQUAÇÃO ÀS BALIZAS DA CAUSA. PRECEDENTE DO STJ. EXTIAÇÃO DA CONDENAÇÃO por danos materiais dO VALOR QUE ULTRAPASSOU O MONTANTE POSTULADO NA INICIAL.

2. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. O ARTIGO 37, § 6º, DA CF ESTENDEU ÀS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO, PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO, A RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS DANOS CAUSADOS A TERCEIROS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 14, § 1º, E 22, AMBOS DO CDC. APLICÁVEL A LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA AO CASO.

3. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO. O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA, PELAS PRÓPRIAS CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA, ESTÁ SUJEITO A FATORES QUE PODEM LEVAR À INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO O QUE PODE SER LEGAL SE O RESTABELECIMENTO OCORRER DENTRO DOS PRAZOS E PARÂMETROS EXIGIDOS PELA LEGISLAÇÃO QUE REGULA O SETOR.

4. SECAGEM DE FUMO. O PEQUENO PRODUTOR RURAL, NO CASO ESPECÍFICO O FUMICULTOR, EM TENDO COMO SE PRECAVER PARA INTERRUPÇÕES NORMAIS E ACEITÁVEIS, SÓ PODE BUSCAR A REPARAÇÃO JUNTO À CONCESSIONÁRIA QUANDO A FALTA DE ENERGIA FOR SUPERIOR A PERÍODO RAZOÁVEL QUE, COM PEQUENO INVESTIMENTO, PODE E DEVE EVITAR A PERDA DO CULTIVADO OU DA QUALIDADE DO QUE ESTÁ PRODUZINDO. LOGO, AINDA QUE SE ESTEJA TRATANDO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA, O RAZOÁVEL É SE ENTENDER QUE SÓ HÁ O DEVER DA CONCESSIONÁRIA RESPONDER POR PERDAS DECORRENTES DA INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO QUANDO ESSA SE DER POR PRAZO SUPERIOR ÀQUELE QUE O CONSUMIDOR PODERIA, OU MELHOR, DEVERIA, DE FORMA ABSOLUTAMENTE RAZOÁVEL, SEM CUSTO SIGNIFICATIVO, ESTAR PREPARADO PARA EVITAR.

5. CRITÉRIO OBJETIVO. O NOVO ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA RESTRINGE-SE ÀS HIPÓTESES EM QUE OS DANOS COMPROVADAMENTE SOFRIDOS PELO FUMICULTOR DERIVAREM DA INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA DURANTE TEMPO INFERIOR A 24 HORAS ININTERRUPTAS, CONJUNTURA EM QUE OS PREJUÍZOS SERÃO POR ELE SUPORTADOS À RAZÃO DE 2/3, IMPUTANDO-SE À CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA A RESPONSABILIDADE PELO RESSARCIMENTO DE 1/3. JÁ NAS HIPÓTESES DE DANOS ADVINDOS DE INTERRUPÇÕES POR PERÍODO SUPERIOR À 24H, A RESPONSABILIDADE É INTEGRALMENTE DA CONCESSIONÁRIA.

6. INTERRUPÇÃO DE ENERGIA superior A 24 HORAS OCORRIDA entre os dias 17 e 18 de dezembro de 2018. 5.1 CASO CONCRETO EM QUE O LIAME CAUSAL, NO ENTANTO, RESTOU ROMPIDO POR OCORRÊNCIA DE FORÇA MAIOR CONSUBSTANCIADA EM TEMPORAIS INTENSOS, DE GRANDE PROPORÇÃO, QUE ASSOLARAM O ESTADO, EM ESPECIAL A LOCALIDADE EM INSTALADA A UNIDADE CONSUMIDORA Nº 991349806, qual seja, linha Brandão, município de barão do triunfo. 5.2 FENÔMENO METEOROLÓGICO, DE CARÁTER EXCEPCIONAL, QUE CAUSOU GRANDES ESTRAGOS NA REGIÃO EM QUE LOCALIZADAS AS ESTUFAS DE SECAGEM DE FUMO DO AUTOR, COM DANIFICAÇÃO DE REDES ELÉTRICAS. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE PERMITEM CONCLUIR PELA AUSÊNCIA DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO À PESSOA JURÍDICA DEMANDADA. INTERRUPÇÕES DO FORNECIMENTO DE ENERGIA QUE RESULTARAM DE EVENTOS EXTRAORDINÁRIOS E INEVITÁVEIS, ORIGINADOS DE FORÇAS DA NATUREZA. ASSIM, NÃO PODE A DEMANDADA SER RESPONSABILIZADA CIVILMENTE NA ESPÉCIE, À MÍNGUA DE NEXO CAUSAL ENTRE A SUA CONDUTA E O PREJUÍZO ALEGADO NA PETIÇÃO INICIAL. INDENIZAÇÃO AFASTADA.

APELAÇÃO DA PROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação cível interposta por COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D em face da sentença (evento 44, SENT1) que, nos autos da ação indenizatória movida por SALVADOR TAVARES DA SILVA, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo:

"(...) Do exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE a presente demanda, com resolução do mérito, para acolher os pedidos formulados por SALVADOR TAVARES DA SILVA contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D, para fins de CONDENAR a ré a pagar à parte autora, o valor de R$ 5.814,80 (cinco mil oitocentos e quatorze reais e oitenta centavos), conforme fundamentação, valores corrigidos pelo IGP-M, a contar da data do laudo – 21.01.2019, até o efetivo pagamento, acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação.

Condeno a demandada no pagamento das custas, taxa e despesas processuais, bem como no pagamento dos honorários do patrono da parte adversa, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação, com fundamento no artigo 85 do Código de Processo Civil, ante a natureza repetitiva da ação. (...)"

Nas razões (evento 51, APELAÇÃO1), defende que a interrupção no fornecimento de energia elétrica se deu em razão de temporais de grande magnitude que assolaram o Rio Grande do Sul no dia 17/12/2018, especialmente as regiões situadas ao sul, leste e nordeste do estado. Assim, advoga que a ocorrência de temporais extremos, que caracterizam caso fortuito/força maior, excluem a responsabilidade da concessionária de energia. Outrossim, insurge-se contra a desconsideração da perícia administrativa realizada, reforçando que se trata de laudo idôneo, realizado por expert, o qual aponta ter havido um excesso no valor informado pelo autor como sendo dos prejuízos suportados. Diz que, durante a vistoria e análise da produção de fumo no local, foram colhidas todas as informações técnicas necessárias para aferir os prejuízos, refletindo a real situação do fumo encontrado no local, não podendo o laudo ser desconsiderado. Faz breves considerações a respeito da robustez e análise técnica do parecer da empresa Dupont Assessoria Ambiental. No mais, elabora tópico acerca da responsabilidade do produtor de fumo, argumentando no sentido de que, tendo conhecimento de que sua atividade necessita de energia elétrica sem interrupções, o produtor precisa de precaver de eventual situação excepcional de queda de luz, utilizando meios alternativos de energia a baixo custo. Todavia, não foi o que ocorreu no presente caso, pois o autor preferiu assumir o risco do negócio, de modo que os danos se deram por sua culpa exclusiva. Colaciona jurisprudência a seu favor. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para julgamento de improcedência total dos pedidos. Subsidiariamente, postula pela limitação do valor indenizatório à 1/3 do efetivo prejuízo suportado. Ao final, pede o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 54, CONTRAZAP1).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

O presente recurso deve ser conhecido, comprovado o preparo; comportando julgamento monocrático, com amparo na Súmula 568 do STJ1 e artigo 206, XXXVI do RITJRS2.

Inicialmente, impõe-se declarar a nulidade parcial da sentença, porquanto ultra petita.

Isso porque, a parte autora postulou expressamente a condenação da concessionária demandada ao pagamento de indenização por dano material no valor de R$ 3.970,10 (item D, pedido a, fl. 4, do Evento 6). Não obstante, o magistrado da origem fixou indenização por danos materiais em R$ 5.814,80.

Ocorre que por força do princípio da adstrição ou congruência, positivado nos artigos 141 e 492 do CPC1, deve existir estrita correlação entre pedido, causa de pedir e sentença. Ora, se cabe ao autor fixar os limites da lide e da causa petendi na petição inicial, cabe ao juiz, igualmente, decidir de acordo com esse limite, razão pela qual não é lícito ao magistrado sentenciar além (ultra), fora (extra) ou aquém (citra ou infra) do pedido.

Assim, porque no caso concreto o valor arbitrado foi estipulado em quantia superior ao da pretensão declinada na inicial, caracterizada a decisão como ultra petita.

Não obstante, o reconhecimento de julgamento ultra petita não impõe a cassação da decisão por nulidade absoluta, mas apenas a sua readequação às balizas da causa, em atenção ao princípio da correlação. Confira-se, nesse sentido, recente julgado do STJ:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO ULTRA PETITA. EXCESSO. EXTIAÇÃO. POSSIBILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

1. O acórdão recorrido analisou todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia, não se configurando ausência de fundamentação na prestação jurisdicional. 2. A decisão que julga além dos limites da lide não precisa ser anulada, devendo ser eliminada a parte que constitui o excesso. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1339385/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 12/04/2019) (Grifei)

Desse modo, resta extirpada da condenação o valor que ultrapassou o montante...

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