Decisão Monocrática nº 50015333320178210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 25-01-2022

Data de Julgamento25 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015333320178210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001646060
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001533-33.2017.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR(A): Des. EUGENIO FACCHINI NETO

APELANTE: LEOPOLDO BIERHALS (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SECAGEM DE FUMO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEVER DO FUMICULTOR DE ADOTAR PROVIDÊNCIA PARA EVITAR O DANO. ESPECIFICIDADE DE SUA CULTURA AGRÍCOLA. NECESSIDADE DE INSTALAÇÃO DE GERADOR PRÓPRIO. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. HAND FORMULA. CHEAPEST COST AVOIDER. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA ACOLHIDA APENAS EM PARTE. REPARTIÇÃO DOS RISCOS.

1. Contam-se aos milhares os processos judiciais ajuizados por fumicultores de nosso Estado, pretendendo a responsabilização civil das concessionárias de energia elétrica, em razão de perdas de produção do fumo devidas à interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem. Diante do aumento do número de processos judiciais e da elevação das pretensões indenizatórias, esta Câmara passou a entender ser razoável exigir-se dos fumicultores que estejam preparados para as inevitáveis e previsíveis intempéries climáticas anuais em nosso Estado, adquirindo geradores de energia que possam ser ativados em caso de interrupção da luz.

2. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. Constatando-se que os custos para instalação de um gerador não são elevados, ficando abaixo de boa parte das pretensões indenizatórias apresentadas, é razoável, econômica e juridicamente, exigir-se que os fumicultores adotem providências para evitar os danos. Como fundamento para tal exigência, invoca-se a doutrina do “duty to mitigate the loss”, que vem tendo boa acolhida doutrinária e jurisprudencial em nosso país, além de ser bastante conhecida no direito comparado, inclusive com consagração normativa internacional. À míngua de legislação específica, tal doutrina coaduna-se perfeitamente como uma das aplicações do princípio (ou cláusula geral) da boa-fé objetiva, dentro de uma visão cooperativa de relacionamento contratual e dentro da função de criação de deveres instrumentais, laterais ou anexos, inerentes à boa-fé objetiva.

3. CHEAPEST COST AVOIDER. Caso se examine a questão sob a ótica da análise econômica do direito, pode-se invocar a doutrina do cheapest cost avoider. Esta doutrina defende a idéia de que um critério objetivo para minimizar perdas e evitar custos consiste em tentar identificar quem pode evitar o dano a um menor custo. No caso em tela, diante da inevitabilidade da ocorrência de interrupções de energia elétrica, mesmo que por curtos períodos, o cultivador de tabaco pode evitar os danos a um custo menor, com a aquisição de gerador no-break.

4. Igualmente é possível a invocação da conhecida “FÓRMULA DE HAND” (Hand Formula), segundo a qual pode-se identificar uma negligência quando o custo para se evitar o dano é inferior ao valor do potencial prejuízo, multiplicado pela probabilidade de que ele venha a ocorrer. No caso dos fumicultores, tal custo é relativamente reduzido (instalação de gerador no-break), comparando-se com a previsível ocorrência de prejuízos derivados mesmo de curta interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem.

5. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. Ao não adequar sua conduta de modo a evitar o próprio dano ou o seu agravamento, isto é, ao não observar o encargo de afastamento do dano ou minimização de sua extensão, a vítima pode perder, total ou parcialmente, o direito à indenização pelo respectivo dano que poderia ter evitado sofrer. Esse efeito pode ser extraído da análise dos arts. 402, 403 e 945 do CC. Doutrina a respeito.

6. A questão em tela não pode ser analisada exclusivamente do ponto de vista individual (justiça corretiva), já que ela necessariamente tem implicações sociais (justiça distributiva), pois o repasse dos custos dos danos do fumicultor individual para a concessionária de energia elétrica, num primeiro momento, acaba repercutindo sobre toda a sociedade, já que no regime capitalista todo e qualquer custo ou prejuízo transforma-se em preço ou tarifa. Consequentemente, cedo ou tarde, o valor das indenizações redundará em aumento da tarifa a ser paga por toda a sociedade.

7. Assim, resta esclarecido que não se trata de um posicionamento que desconsidera os interesses do consumidor específico (o fumicultor), pregando-se a volta do lamentável caveat emptor. Trata-se, isso sim, de um posicionamento que procura proteger os interesses da generalidade dos consumidores (todos os usuários de energia elétrica, que, ao fim e ao cabo, pagarão a conta), ao mesmo tempo em que procura demonstrar que, do ponto de vista da racionalidade econômica, é mais vantajoso para os próprios fumicultores evitarem os danos do que posteriormente demandarem para obter sua reparação.

8. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos sofridos pelo demandante derivam da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas. Nessa hipótese, os prejuízos sofridos pelo fumicultor serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica o restante 1/3.

9. Nas hipóteses de interrupção por período superior a 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária, ressalvadas as hipóteses de força maior e a orientação jurisprudencial da Câmara.

10. Caso concreto em que o autor postula indenização por danos decorrentes de interrupção do serviço por poucas horas em novembro de 2016.

11. Assim, considerando que a interrupção se deu por tempo inferior ou insignificantemente superior a 24 horas, aplica-se o entendimento de culpa concorrente.

12. sentença mantida.

APELAÇÃO desPROVIDa, DE PLANO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

LEOPOLDO BIERHALS apela da sentença que, nos autos da ação indenizatória movida contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, julgou parcialmente procedente o pedido, cujo dispositivo foi assim proferido (evento 3, procjudic 4, fls. 37/44, dos autos de primeiro grau):

"Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 1.502,50 (um mil, quinhentos e dois reais e cinquenta centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da O citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8^, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar."

Em suas razões de apelo (evento 3, procjudic4, às fls. 46/50; e procjudic5, fls. 01/30, dos autos de origem), sustenta que não há prova da ocorrência de forte temporal na zona rural de Camaquã na data indicada na inicial. Alega ter demonstrado os danos sofridos durante o processo de secagem de fumo, formulando requerimento administrativo, por meio do qual a ré teve livre e irrestrito acesso à propriedade do autor. Sustenta ter instruído a inicial com laudo técnico demonstrando os prejuízos sofridos. Requer a reforma da sentença.

Em contrarrazões (evento 3, procjudic5, fls. 33/43, da origem), a ré postula a manutenção da sentença.

É o breve relatório.

Analiso.

Decido monocraticamente os recursos, forte no art. 932, IV, do CPC/2015, sob registro que a situação encontra enquadramento no referido permissivo legal, pois sobre o tema em discussão há entendimento consolidado junto a este Órgão Fracionário. Ademais, da decisão os recorrentes poderão alegar prejuízo, sendo resguardado, porém, o direito de provocação do Colegiado, se assim entenderem conveniente, mediante eventual interposição do recurso adequado para tanto.

Pois bem.

O autor, residente no Município de Camaquã/RS, ajuizou a presente demanda buscando indenização por danos materiais em razão da perda de fumo em face da interrupção do serviço de energia elétrica a partir das 21h do dia 01/11/2016 até as 14h do dia 02/11/2016.

Após um longo período em que julgávamos de forma homogênea as demandas relativas à responsabilidade das concessionárias de serviço de fornecimento de energia elétrica pelos prejuízos sofridos por produtores de fumo, em razão da interrupção do serviço durante o processo de secagem do produto, mais recentemente, após trocas internas de ideias, acabei alterando meu posicionamento a respeito do tema. Inicialmente fui acompanhado pelo colega Richinitti, com divergência integral do colega Miguel e com divergência parcial do colega Tasso, conforme a composição dos diversos julgamentos.

Em razão dos prováveis posicionamentos parcialmente divergentes, e na busca de um possível consenso mínimo, acabamos trocando ideias, sob a coordenação do colega Tasso, Presidente da 9ª Câmara Cível, buscando a flexibilização das posições mais afastadas, para lograrmos um entendimento que pudesse ser acolhido por todos. Com isso se evita que, conforme a composição do colegiado, soluções diversas sejam adotadas para casos substancialmente...

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