Decisão Monocrática nº 50015774220198210020 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 29-08-2022

Data de Julgamento29 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015774220198210020
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002648801
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001577-42.2019.8.21.0020/RS

TIPO DE AÇÃO: Internação compulsória

RELATOR(A): Des. MIGUEL ANGELO DA SILVA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

Apelação Cível. DIREITO À SAÚDE (ECA E IDOSO). MUNICÍPIO. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO Especializado. despesas decorrentes de internação psiquiátrica. menor portador de esquizofrenia. SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. DIREITOS SOCIAIS PRESTACIONAIS.

LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRONUNCIAMENTO DO STF EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL.

União, Estados, Distrito Federal e Municípios ostentam legitimidade concorrente para responder às demandas que visam ao fornecimento gratuito de medicamentos, exames ou procedimentos, inclusive cirurgias. Responsabilidade solidária dos entes federativos. Competência comum expressa no art. 23, inc. II da CF/88. A divisão de competências no âmbito da gestão interna do SUS não é oponível ao particular que acode à via judicial.

ACESSO À SAÚDE. DIREITO FUNDAMENTAL QUE EXIGE PROTEÇÃO SUFICIENTE.

O acesso à saúde é direito fundamental e as políticas públicas destinadas a implementá-lo, embora vinculem o Estado e os cidadãos, devem gerar proteção suficiente ao direito garantido, afigurando-se suscetíveis de revisão judicial, sem que daí se possa vislumbrar ofensa aos princípios da divisão de poderes, da reserva do possível ou da isonomia e impessoalidade.

A outro turno, as normas internas de organização, funcionamento e gestão do Sistema Único de Saúde, de natureza administrativa, não arredam a legitimidade solidária dos entes federativos para responder às demandas de fornecimento de medicamentos, exames ou procedimentos deduzidos pelos desprovidos de recursos financeiros indispensáveis ao seu custeio.

ALTO CUSTO DO FÁRMACO OU TRATAMENTO SEM O CONDÃO DE AFASTAR O DEVER PRESTACIONAL DOS ENTES FEDERADOS.

O alto custo da medicação ou tratamento, por si só, não tem o condão de afastar o dever constitucional do ente público de assegurar o direito fundamental à saúde, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.

O STF, no RE 566.471, Tema nº 06, reconheceu a repercussão geral quanto à ‘obrigatoriedade, ou não, de o estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo’. Todavia, até o presente momento, referido tema ainda não foi julgado e não há determinação quanto à suspensão nacional dos processos que versem sobre essa matéria. (“ut” trecho da ementa da Apelação Cível Nº 70080243363).

APELO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1 - De saída, reporto-me ao relatório do parecer ministerial exarado nesta instância (evento 7, PARECER1), "in verbis":

"Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Boa Vista do Sul contra a sentença que, nos autos da ação promovida pelo Ministério Público, em favor de Paulo Micael Vicente Mendes, julgou procedente o pedido, para reconhecer a responsabilidade do Ente Público Municipal pelo fornecimento e custeio das despesas decorrentes da internação psiquiátrica compulsória, enquanto se fizerem necessárias (Evento 4 – PROCJUDIC6, fls. 12/18 dos autos originários).

Em suas razões, o recorrente busca a reforma da sentença. Alega a sua ilegitimidade passiva, pois se trata de tratamento de média e alta complexidade. Aduz que a responsabilidade deve recair sobre o Estado e a União. Sustenta que o Município não está obrigado por lei a custear tratamento médico que não diga respeito à assistência básica. Assevera que a manutenção da condenação somente do Município ao custeio do tratamento pode vir a ferir não só o princípio do acesso universal e igualitário à saúde, haja vista que toda a comunidade restará prejudicada, comprometendo a gestão básica de saúde, mas também o princípio da proporcionalidade, exigindo maior sacrifício do que o necessário. Discorre acerca da judicialização das políticas públicas na área da saúde. Requer, ao final, o provimento do recurso (Evento 4 – PROCJUDIC6, fls. 26/31).

Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público (Evento 4 – PROCJUDIC6, fls. 40/46)."

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

2 - O recurso comporta julgamento monocrático realizado de plano.

A Súmula 568 do STJ enuncia: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema."

De igual modo, é possível invocar o art. 932, inciso VIII, do CPC combinado com o art. 169, XXXIX, do Regimento Interno desta Corte de Justiça.

Da responsabilidade solidária dos entes federativos.

A Constituição Federal, em seus artigos 196 e seguintes, estabelece a responsabilidade solidária dos entes federativos pelo fornecimento dos serviços de saúde. Com efeito, as ações e os serviços públicos de saúde compõem um sistema único, de tal modo que qualquer dos entes da Federação é parte legítima para responder à demanda que objetiva a sua prestação.

Saliente-se que a distribuição de competência dentro do Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/90) não tem o condão de afastar a responsabilidade solidária dos entes públicos, porquanto deve prevalecer o disposto na Constituição Federal. A organização interna dos serviços, com a distribuição de competências para a gestão da saúde pública, não pode servir de embaraço ou obstáculo à faculdade de o particular exigir a devida prestação dos serviços de saúde de quaisquer dos entes federados.

A propósito, o Excelso Pretório assim decidiu em Recurso Extraordinário com repercussão geral:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe 16-03-2015) - grifei

Na mesma linha, refiro julgados do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ.

1. O legislador pátrio instituiu regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, que inclui o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros para o tratamento de enfermidades.

2. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a medicamentos.

3. O acórdão recorrido está em sintonia com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula 83 do STJ.

4. Agravo Interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1597299/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 08/11/2016, DJe 17/11/2016) - grifei

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. TRATAMENTO DE SAÚDE. AGRAVADA PORTADORA DE PSORÍASE EM ESTÁGIO AVANÇADO. MEDICAMENTO NÃO INCOORADO

À LISTA DO SUS. DEVER DO ESTADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A norma prevista no artigo 196 da CF estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, tendo ele, por conseguinte, a obrigação de zelar pela saúde de seus cidadãos, obrigação que abrange o fornecimento de medicamentos necessários ao tratamento de saúde de quem não tenha condições para custeá-lo.

2. A recorrente comprovou a doença que lhe acomete, bem como a necessidade de seu fornecimento.

3. O argumento de que, por não constar da lista do SUS, não deve ser fornecido o medicamento pleiteado pela agravada, não exime a parte agravante do dever constitucionalmente previsto.

4. Agravo interno a que se nega provimento. - grifei (AgInt no REsp 1.268.641/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado em 07/02/2017, DJe 17/02/2017) - grifei

Em idêntico sentido são os julgados deste Órgão Fracionário:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. REJEIÇÃO. SAÚDE. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO NÃO DISPONIBILIZADO PELO SUS. GARANTIA CONSTITUCIONAL. SOLIDARIEDADE. - O direito à saúde e a solidariedade dos entes públicos na sua garantia é matéria já pacificada tanto neste Tribunal de Justiça quanto nas Cortes Superiores. Trata-se de interpretação sistemática da legislação infraconstitucional com os arts. 196 e 198 da Constituição Federal, não sendo oponível ao cidadão qualquer regulamentação que tolha seus direitos fundamentais à saúde e à dignidade. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FADEP. REDUÇÃO DO VALOR NOMINAL. - Valor nominal dos honorários advocatícios reduzido para melhor adequação, em se tratando de ação promovida pela Defensoria Pública. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70072177397, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 23/02/2017) - grifei

APELAÇÃO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE PASSIVA. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. A Constituição da República prevê o dever de prestar os serviços de saúde de forma solidária aos entes federativos, de modo que qualquer...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT