Decisão Monocrática nº 50015905120178210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 07-02-2022

Data de Julgamento07 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015905120178210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001687045
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001590-51.2017.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR(A): Des. TULIO DE OLIVEIRA MARTINS

APELANTE: ELTON DIONER CORREA DE MEDEIROS (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. ENERGIA ELÉTRICA. PRODUTOR DE FUMO. PERDA NA QUALIDADE DO PRODUTO. AUSÊNCIA CASO FORTUITO/ FORÇA MAIOR. PREJUÍZOS.

A concessionária de energia elétrica é obrigada a fornecer o serviço de caráter essencial, sob pena de responder pelos danos causados aos usuários, na forma do art. 22 do CDC. Aplicação ao caso do Código de Defesa do Consumidor, com base na teoria finalista mitigada.

Conforme o preceito do duty mitigate the loss, quem tem condições para tanto, deve adotar as medidas necessárias a mitigar suas próprias perdas.

Estudo de causa que revelou ser mais econômico ao produtor de fumo adquirir um gerador com sistema no-break do que suportar as perdas na qualidade do fumo ocasionadas pela paralisação da estufa elétrica.

Considerando que as pequenas interrupções na energia elétrica são previsíveis e suficientes para danificar as folhas em processo de secagem, quando a falta de luz durar período inferior a 24 horas, as partes repartirão os prejuízos.

Caso em que a indenização deverá ser mantida à limitação de 1/3, eis que durou menos de 24 horas levando-se em conta os prazos de interrupção convencionados por este 5º Grupo Cível.

Impossibilidade de abatimento da verba honorária sucumbencial do crédito que o requerente tem a receber.

Mérito mantido.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Adoto o relatório da sentença:

“A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) que 0 fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D alegou: 1) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor: 2) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; e 3) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo, quer pela possibilidade de ocorrência de fraude. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica.

Em despacho saneador foi determinada a realização de perícia técnica objetivando aferir a capacidade da(s) estufa(s) do(a) produtor{a) correspondência com a alegada perda da quantidade e qualidade do tabaco.

Laudo acostado às fis. 135/138, sobre o qual não houve impugnação.

Houve decisão intimando as partes para dizer se haviam outras provas a produzir, bem como indeferindo a oitiva das testemunhas arroladas pelo autor (fí. 142).

Em nova decisão foi novamente indeferido a oitiva das testemunhas arroladas pelo autor, bem como deferido prazo para alegações finais (fl. 147), oportunidade na qual ambas às partes apresentaram (fl. 149- 159). ”

Sobreveio sentença de parcial procedência (Evento 3, PROCJUDIC4, págs. 40/47):

“Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 5.836,50 (cinco mil, oitocentos e trinta e seis reais e cinquenta centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação. .

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas {R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8^, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.”

Inconformado, apelou o demandante. Em suas razões, sustentou a impossibilidade do reconhecimento da ocorrência de caso fortuito ou força maior. Arrazoou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e o ausência de culpa concorrente. Pediu provimento (Evento 3, PROCJUDIC5, págs. 07/18).

Foram apresentadas contrarrazões.

Foi o relatório.

Decido.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade da apelação cuja análise compete exclusivamente ao juízo ad quem (art. 1.010, § 3º do NCPC), passo a examinar as razões recursais.

Trata-se de demanda na qual o autor busca indenização pelos danos materiais suportados decorrentes de interrupção do fornecimento de energia elétrica e perda da qualidade do fumo produzido, ocorrida no dia 18/02/2017, das 19h às 21h do dia 20/02/2017, totalizando um prejuízo de R$ 17.509,51.

Destaco que o feito foi julgado parcialmente procedente, condenando a requerida ao pagamento de 1/3 dos prejuízos suportados, cingindo o debate recursal apenas quanto a caracterização ou não da culpa concorrente.

A ré é uma concessionária de serviço público de caráter essencial e, nesta condição, fica obrigada a prestá-lo de modo contínuo, sob pena de ter de reparar os danos causados pelo descumprimento desta obrigação, conforme art. 22 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

As normas do Código de Defesa do Consumidor aplicam-se à causa porque o autor, embora seja consumidor intermediário - eis que utiliza a energia elétrica numa atividade profissional sem lhe dar destinação privada -, é vulnerável frente à requerida.

E, de acordo com a teoria finalista mitigada, é possível a proteção especial da pessoa que não é destinatária final de um produto ou serviço, desde que ela apresente algum traço de vulnerabilidade, seja esta de ordem técnica, econômica ou jurídica.

Neste sentido, é a preleção de Cristiano Chaves de Farias, conforme doutrina que segue:

Excepcionalmente haverá uma mitigação da teoria finalista e elações extraconsumo serão objeto de tutela pela Lei nº 8.078/90 quando a concretude do caso denote claramente o traço da vulnerabilidade do consumidor intermediário - normalmente pequenas empresas e profissionais liberais - que adquire bens e serviços, mesmo com o intuito profissional. Fundamental é que na hipótese seja constatada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica desse consumidor profissional.

(FARIAS. Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: obrigações. 10 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JuPodivm, 2016. p. 71.)

No caso, o demandante é pequeno agricultor rural que exerce sua atividade em regime de economia familiar, sendo evidente, portanto, sua vulnerabilidade econômica e técnica pelo desconhecimento sobre os serviços prestados pela ré.

Por outro lado, não pode ser tratado exatamente como o são os consumidores que utilizam a energia elétrica em suas residências, porque não deixa de ser empresário, e como tal, deve também assumir os riscos da sua atividade.

Atento a isto e após aprofundado estudo de causa, é que integrantes do 5º Grupo Cível do...

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