Decisão Monocrática nº 50017642120218210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 23-08-2022

Data de Julgamento23 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50017642120218210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002619084
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001764-21.2021.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: VALDENI SILVA DORNELES (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

EMENTA

APELAÇão CÍVEl. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO de indenização POR danos MATERIAIS. SECAGEM DE FUMO. PERDA DE QUALIDADE DO TABACO. suspensão do fornecimento de energia INFERIOR a 24 horas ininterruptas. responsabilidade da concessionária limitada a 1/3 do prejuízo. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS mantida.

1. Pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. Responsabilidade objetiva. O artigo 37, § 6º, da CF estendeu às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, a responsabilidade objetiva pelos danos causados a terceiros. Inteligência dos artigos 14, § 1º, e 22, ambos do CDC. Aplicável a legislação consumerista ao caso.

2. Princípio da continuidade do serviço. O fornecimento de energia elétrica, pelas próprias características do sistema, está sujeito a fatores que podem levar à interrupção do serviço o que pode ser legal se o restabelecimento ocorrer dentro dos prazos e parâmetros exigidos pela legislação que regula o setor.

3. Secagem de Fumo. O pequeno produtor rural, no caso específico o fumicultor, em tendo como se precaver para interrupções normais e aceitáveis, só pode buscar a reparação junto à concessionária quando a falta de energia for superior a período razoável que, com pequeno investimento, pode e deve evitar a perda do cultivado ou da qualidade do que está produzindo. Logo, ainda que se esteja tratando de responsabilidade objetiva, o razoável é se entender que só há o dever da concessionária responder por perdas decorrentes da interrupção do fornecimento quando essa se der por prazo superior àquele que o consumidor poderia, ou melhor, deveria, de forma absolutamente razoável, sem custo significativo, estar preparado para evitar.

4. Critério Objetivo. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos comprovadamente sofridos pelo fumicultor derivarem da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas, conjuntura em que os prejuízos serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica a responsabilidade pelo ressarcimento de 1/3. Já nas hipóteses de danos advindos de interrupções por período superior à 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária.

5. Caso concreto. Interrupção de energia por aproximadamente 22 horas. Situação dos autos em que suficientemente demonstrada a ocorrência do evento – interrupção de energia inferior a 24h, dos danos materiais e do nexo de causalidade. Responsabilidade da Concessionária limitada a 1/3 do prejuízo.

APELAÇão desprovida.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação cível interposta por VALDENI SILVA DORNELES em face da sentença (Evento 39, SENT1) que, nos autos da ação indenizatória movida em desfavor de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo:

"(...) Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 2.348,64 (dois mil trezentos e quarenta e oito reais e sessenta e quatro centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar. (...)"

Nas razões (Evento 45, APELAÇÃO1), discorre sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação estabelecida entre ele e a parte ré, tendo em vista que não exerce atividade negocial tampouco industrial, mas sim atividade agrícola de produção de fumo em regime de agricultura familiar. Colaciona jurisprudência nesse sentido. Argumenta a respeito da caracterização da falha na prestação de serviço de fornecimento de energia como fato do serviço; da aplicabilidade das normas do CDC em razão da vulnerabilidade do autor frente a concessionária de energia; e da indevida penalização do recorrente pela má prestação do serviço pela parte ré. Tece considerações acerca do caráter essencialíssimo do serviço de fornecimento de energia elétrica, alegando, ainda, que obrigar o produtor rural a possuir geradores é transferir ao consumidor a função que compete à concessionária. No mais, reporta a impossibilidade de condenação quanto aos ônus sucumbenciais em razão do benefício da assistência judiciária gratuita, bem como a necessidade de redimensionamento dos ônus sucumbenciais. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para o julgamento de procedência total do pedido. Ao final, pede o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 48, CONTRAZ1).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o presente recurso deve ser conhecido, dispensado de preparo porquanto o autor litiga sob o pálio da gratuidade judiciária (evento 3, DESPADEC1); comportando julgamento monocrático, com amparo na Súmula 568 do STJ e artigo 206, XXXVI do RITJRS.

Antes de entrar no mérito propriamente dito, acho importante consignar meu entendimento sobre o assunto. Venho enfrentando essas questões envolvendo a perda de qualidade do fumo, por falta de energia, há muitos anos, desde quando ainda exercia jurisdição nas Turmas Recursais e, em razão disso, tive oportunidade de acompanhar, de alguma forma, a evolução da jurisdição gaúcha no trato dessa controvertida questão.

Em um primeiro momento, com base no Código do Consumidor, considerando a responsabilidade objetiva, e erigindo-se o pequeno produtor, embora use a energia elétrica como insumo para sua produção, à condição de consumidor, em face da teoria mista, acabou-se entendendo existir direito à indenização pela perda da qualidade do produto toda vez que demonstrado ter isso decorrido de interrupção no fornecimento de energia.

Nessa primeira fase, acolhiam-se laudos particulares ou de associações como prova e meio de quantificar o dano. Tal circunstância, inclusive, acabou gerando algumas distorções, ante a apresentação de laudos falsos, o que exigiu, ao menos no âmbito das Turmas Recursais, alterações de posicionamento para comprovação e quantificação do prejuízo, culminando com a Súmula nº 25 que, ante a dificuldade de análise da questão, firmou que aquela jurisdição especial (preservados os casos pendentes) não mais seria competente para o julgamento deste tipo de feito. A saber:

SÚMULA Nº 25 - Publicada no DJ, edição 4813, pág. 115 de 19.04.2012:

Os Juizados Especiais Cíveis são incompetentes para o conhecimento e julgamento das ações de reparação de danos decorrentes da oscilação ou suspensão do fornecimento de energia elétrica na atividade de secagem de fumo, ressalvados os processos já em curso no primeiro e segundo graus. Aplica-se o disposto nesta Súmula a contar de sua publicação, revogando-se a Súmula 22 das Turmas Recursais Cíveis.

Em assim sendo, essa matéria está sendo julgada única e exclusivamente pelo Tribunal de Justiça.

Como já externei em outras questões similares envolvendo indenização em face da falta de energia elétrica, entendo que esse tipo de situação, principalmente aquelas envolvendo pretensão a reparação por danos morais - por falta de luz em determinadas localidades - não deveria ser examinada sob a ótica individual, pois além da experiência estar mostrando que esse tipo de intervenção em nada tem ajudado para a melhoria do serviço, não temos a menor condição de enfrentar esse tipo de litígio individualmente. Acaba-se por abarrotar o Judiciário com milhares de ações, a quase totalidade sob o abrigo da gratuidade, não permitindo, inclusive, um controle de quem foi efetivamente prejudicado.

Esse tipo de ocorrência, até como solução para melhoria do serviço, deveria ser enfrentada, de início e principalmente, pela ANEEL; e, caso houvesse a efetiva necessidade de intervenção judicial, que se fizesse através de ações coletivas, valorando-se não a perda individual, mas sim, por exemplo, com a condenação de indenização por danos morais coletivos alcançados àquela coletividade prejudicada.

Já no que diz respeito à questão das indenizações por danos materiais, envolvendo fumicultores e pequenos produtores rurais, diante da perda da qualidade da produção por falta de energia, entendo que urge revisão da posição hoje adotada pela jurisprudência dominante.

Sempre respeitando entendimento diverso, mas acho que efetivamente estamos deixando de considerar uma série de situações importantes que envolvem esse tipo de demanda.

No ano de 2015, por iniciativa do colega Eugênio Facchini Neto, o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do RS, no Projeto Debates Sobre Temas Polêmicos, realizou palestra acolhendo os vários setores envolvidos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT