Decisão Monocrática nº 50017720220218210135 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 16-05-2023

Data de Julgamento16 Maio 2023
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50017720220218210135
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003781593
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001772-02.2021.8.21.0135/RS

TIPO DE AÇÃO: Colocação em família substituta

RELATOR(A): Desa. SANDRA BRISOLARA MEDEIROS

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR da genitora. descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. artigo 1.638 do código civil e artigo 22 e seguintes do estatuto da criança e do adolescente. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MÁXIMA PROTEÇÃO À CRIANÇA. 1. COMPROVADO QUE A GENITORA, usuária de drogas e álcool, NÃO TEM CONDIÇÕES DE CUMPRIR COM OS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR, SUBMETENDO O FILHO À SITUAÇÃO DE RISCO, CONsistente NA PRÁTICA DE ABANDONO E NEGLIGÊNCIA, IMPerativa A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR, DIANTE DA PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA. 2. CASO CONCRETO EM QUE NÃO HOUVE ADESÃO DA GENITORA ÀS TENTATIVAS DA REDE DE PROTEÇÃO DE INTEGRAÇÃO DA CRIANÇA AO NÚCLEO FAMILIAR. 3. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA.

APELAÇÃO DESPROVIDA POR DECISÃO MONOCRÁTICA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Trata-se de apelação interposta por SARA A. contra sentença que, apreciando ação de destituição de poder familiar ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em favor do recém-nascido da ora apelante e de Roberto L. da S., julgou parcialmente procedentes, com fundamento nos arts. 24, 129, X, e 162, § 3º, do ECA, e art. 1.638, II, do CC, para destituir a genitora do poder familiar em relação ao filho Vicente de A., com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC; declarar a ilegitimidade passiva do suposto genitor Roberto, julgando extinto o feito sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, e art. 17, ambos do CPC; e, aplicar em favor da criança, com base no art. 101, IX, do ECA, a medida de proteção de colocação em família substituta, mediante adoção (evento 186, SENT1).

Nas razões recursais, sustenta que os problemas que vivenciou no passado não podem motivar a destituição do poder familiar, devendo ser buscado apoio familiar, com preservação da família natural, sem privação do convívio com o filho, o que vem ocorrendo desde o início do processo. Aduz que, embora esteja impossibilitada, neste momento, de exercer a guarda do filho, tem familiares dispostos a cuidar de Vicente e dar todo o amparo que ele necessita. Pondera que a destituição do poder familiar é medida extrema e excepcional, somente podendo ser determinada após exauridas todas as tentativas de manutenção da criança no seio familiar, assim compeendido como a família natural ou a família extensa, o que não ocorreu no caso em comento. Nesses termos, postula o provimento do recurso para que seja julgada improcedente a ação (evento 203, RAZAPELA1).

Apresentadas contrarrazões (evento 209, CONTRAZ1) e mantida a sentença (evento 215, DESPADEC1), o Ministério Público, nesta instância recursal, opinou pelo desprovimento do recurso (evento 8, PARECER1), vindo os autos conclusos para julgamento.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

2. Decido monocraticamente, nos termos do art. 932 do CPC, e antecipo que o recurso não merece provimento.

O poder familiar está subentendido naqueles direitos que se harmonizam com a paternidade responsável, com a tutela especial à família, ao dever de convivência familiar e com a proteção integral da criança e do adolescente.

O poder parental – exercido por ambos os genitores – tem como característica fundamental ser um encargo público. Ausente a efetiva demonstração de que os genitores, ou um deles, estejam cumprindo a contento tal múnus, imprescindível a intervenção estatal para afastar a criança ou o adolescente de situação de risco ou contrária aos seus interesses.

Com efeito, estabelece o art. 229 da Constituição Federal que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Outrossim, no que importa ao presente feito, compete a ambos os pais, a teor do disposto no art. 1.634 do Código Civil, “(...) qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: dirigir-lhes a criação e a educação; exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (...) representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição”.

Precisamente no que tange aos filhos que ainda não alcançaram a maioridade, o art. 227 da Constituição Federal, dispõe que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

A norma constitucional foi recepcionada pelo art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente ao afirmar que “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Assim sendo, dúvida não há de que é dever básico dos genitores estarem presentes (acompanharem, prestarem auxílio, socorrerem, ampararem, guardarem) na vida dos filhos, não bastando apenas prestar-lhes alimentos. Devem se interessar por sua integridade física, moral e psicológica, concedendo-lhes suporte bastante e necessário para seu amplo desenvolvimento.

Sobre o tema, leciona Maria Regina Fay Azambuja1, in verbis:

“Com a nova lei, o que se busca é a aproximação com eficácia do legal com o social, por meio da força de intervenção da lei no centro dos dramas e dos problemas do cotidiano comunitário. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma não vislumbrada anteriormente no ordenamento jurídico brasileiro, exige uma postula de prontidão e de alerta, por parte da família, da sociedade e do poder público, no que tange à proteção integral da criança, dando ênfase às ações de caráter preventivo. Assim, diferentemente do que vinha sendo observado nas legislações que antecederam à Carta de 1988, a sociedade é chamada a adotar providências diante de uma simples ameaça a qualquer dos direitos arrolados no art. 227 da Constituição Federal e no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de dar eficácia à prioridade absoluta que foi atribuída à referida população”.

Porém, nas hipóteses de os genitores não cumprirem com suas obrigações parentais, e encontrando-se a criança ou o adolescente em situação de risco, possível a destituição do poder familiar, que vem regulamentada no art. 1.638 do CCB e nos arts. 19, 22 e 24 do ECA. Confira-se:

"Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente."

"Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

§ 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.

§ 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.

§ 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei."

"Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais."

"Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. "

Trata-se, a destituição do poder familiar, de medida excepcional, vez que exclui dos genitores o exercício de um direito natural, mostrando-se justificável somente nas hipóteses em que a inobservância dos deveres inerentes ao poder parental atenta contra os direitos fundamentais dos filhos cuja integridade competia aos pais resguardar e desenvolver. A carência de recursos materiais não constitui motivo satisfatório para a perda ou suspensão do poder familiar; porém, o abandono afetivo, que se traduz na falta de cuidados e de comprometimento, impõe a perda do poder...

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