Decisão Monocrática nº 50018364220208210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 04-05-2022

Data de Julgamento04 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50018364220208210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002113133
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001836-42.2020.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

APELAÇão Cível. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO de indenização POR danos MATERIAIS. SECAGEM DE FUMO. PERDA DE QUALIDADE DO TABACO. culpa exclusiva do produtor rural. sentença de improcedência mantida.

1. Pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. Responsabilidade objetiva. O artigo 37, § 6º, da CF estendeu às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, a responsabilidade objetiva pelos danos causados a terceiros. Inteligência dos artigos 14, § 1º, e 22, ambos do CDC. Aplicável a legislação consumerista ao caso.

2. Princípio da continuidade do serviço. O fornecimento de energia elétrica, pelas próprias características do sistema, está sujeito a fatores que podem levar à interrupção do serviço o que pode ser legal se o restabelecimento ocorrer dentro dos prazos e parâmetros exigidos pela legislação que regula o setor.

3. Secagem de Fumo. O pequeno produtor rural, no caso específico o fumicultor, em tendo como se precaver para interrupções normais e aceitáveis, só pode buscar a reparação junto à concessionária quando a falta de energia for superior a período razoável que, com pequeno investimento, pode e deve evitar a perda do cultivado ou da qualidade do que está produzindo. Logo, ainda que se esteja tratando de responsabilidade objetiva, o razoável é se entender que só há o dever da concessionária responder por perdas decorrentes da interrupção do fornecimento quando essa se der por prazo superior àquele que o consumidor poderia, ou melhor, deveria, de forma absolutamente razoável, sem custo significativo, estar preparado para evitar.

4. Critério Objetivo. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos comprovadamente sofridos pelo fumicultor derivarem da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas, conjuntura em que os prejuízos serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica a responsabilidade pelo ressarcimento de 1/3. Já nas hipóteses de danos advindos de interrupções por período superior à 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária.

5. HIPÓTESE DOS AUTOS QUE a autora é litigante reincidente, já tendo ajuizado contra a concessionária de energia outra ação anterior a esta também com fundamento na perda da qualidade do fumo em processo de secagem quando da interrupção de energia; o que evidencia que a falta de energia não é circunstância fora do comum ou inédita, a ponto de isentar a PRODUTORa de se precaver PROVIDENCIANDO UM GERADOR. Caso de culpa exclusiva da autora que impÕe a manutenção da sentença de improcedência do pedido inicial.

APELAÇão desprovida.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação cível interposta por MARI LUCIA SAMPAIO DA SILVA em face da sentença (evento 31, SENT1) que, nos autos da ação indenizatória movida em desfavor de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo:

"(...) ISSO POSTO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na AÇÃO DE INDENIZATÓRIA movida por MARI LUCIA SAMPAIO DA SILVA contra COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – CEEE-D.

Por sucumbente, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil. Contudo, fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que a autora litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil. (...)"

Em suas razões (evento 35, APELAÇÃO1), discorre a respeito da demora excessiva e injustificada para a o restabelecimento do serviço de energia elétrica, referindo ter ultrapassado 45 horas, ocasionando os danos materiais reclamados. Insurge-se contra a alegação de caso fortuito ou força maior, sustentando a inexistência e insuficiência de provas nesse sentido. Elabora tópico sobre a necessidade de manutenção do benefício da gratuidade judiciária. Indica irregularidades na perícia administrativa da CEEE-D, pois o mesmo técnico que avaliou o fumo, antes de ser contratado pela concessionária ré, emitia laudos técnicos bem diferentes, causando estranheza essa mudança repentina de entendimento. Outrossim, diz que a vistoria e avaliação não foram aceitas pela parte autora e muito menos assinadas por ela, pois o mencionado laudo alterou a veracidade dos fatos. Discorre sobre matéria publicada no Jornal Regional. Refere que o presente caso não se trata se relação de insumo, mas sim de consumidor final, estando a apelada obrigada a prestar o fornecimento de energia elétrica seguro e de qualidade. Advoga que a responsabilidade da concessionária ré é objetiva, frente ao serviço que ela fornece. Defende a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Salienta não ser obrigação do produtor rural adquirir um gerador de energia, pois, além de ser um bem de alto custo, cabe à apelada fornecer serviço público adequado, eficiente, seguro, de qualidade e contínuo. Dessa forma, diz não haver de se falar em culpa exclusiva do autor nem em culpa concorrente. Elabora tópico sobre o redimensionamento da condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Colaciona legislação, doutrina e jurisprudência a seu favor. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para julgamento de procedência total dos pedidos. Ao final, requer o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 39, CONTRAZ1).

Subiram os autos à esta Corte.

Houve a conversão do feito em diligências, a fim de regularizar a representação processual da parte ré (evento 4, DESPADEC1), o que restou devidamente cumprido (evento 8, PET1).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

O presente recurso deve ser conhecido, dispensado de preparo, uma vez que a autora litiga sob o pálio da gratuidade judiciária; comportando julgamento monocrático, com amparo na Súmula 568 do STJ1 e artigo 206, XXXVI do RITJRS2.

Antes de entrar no mérito propriamente dito, acho importante consignar meu entendimento sobre o assunto. Venho enfrentando essas questões envolvendo a perda de qualidade do fumo, por falta de energia, há muitos anos, desde quando ainda exercia jurisdição nas Turmas Recursais e, em razão disso, tive oportunidade de acompanhar, de alguma forma, a evolução da jurisdição gaúcha no trato dessa controvertida questão.

Em um primeiro momento, com base no Código do Consumidor, considerando a responsabilidade objetiva, e erigindo-se o pequeno produtor, embora use a energia elétrica como insumo para sua produção, à condição de consumidor, em face da teoria mista, acabou-se entendendo existir direito à indenização pela perda da qualidade do produto toda vez que demonstrado ter isso decorrido de interrupção no fornecimento de energia.

Nessa primeira fase, acolhiam-se laudos particulares ou de associações como prova e meio de quantificar o dano. Tal circunstância, inclusive, acabou gerando algumas distorções, ante a apresentação de laudos falsos, o que exigiu, ao menos no âmbito das Turmas Recursais, alterações de posicionamento para comprovação e quantificação do prejuízo, culminando com a Súmula nº 25 que, ante a dificuldade de análise da questão, firmou que aquela jurisdição especial (preservados os casos pendentes) não mais seria competente para o julgamento deste tipo de feito. A saber:

SÚMULA Nº 25 - Publicada no DJ, edição 4813, pág. 115 de 19.04.2012:

Os Juizados Especiais Cíveis são incompetentes para o conhecimento e julgamento das ações de reparação de danos decorrentes da oscilação ou suspensão do fornecimento de energia elétrica na atividade de secagem de fumo, ressalvados os processos já em curso no primeiro e segundo graus. Aplica-se o disposto nesta Súmula a contar de sua publicação, revogando-se a Súmula 22 das Turmas Recursais Cíveis.

Em assim sendo, essa matéria está sendo julgada única e exclusivamente pelo Tribunal de Justiça.

Como já externei em outras questões similares envolvendo indenização em face da falta de energia elétrica, entendo que esse tipo de situação, principalmente aquelas envolvendo pretensão a reparação por danos morais - por falta de luz em determinadas localidades - não deveria ser examinada sob a ótica individual, pois além da experiência estar mostrando que esse tipo de intervenção em nada tem ajudado para a melhoria do serviço, não temos a menor condição de enfrentar esse tipo de litígio individualmente. Acaba-se por abarrotar o Judiciário com milhares de ações, a quase totalidade sob o abrigo da gratuidade, não permitindo, inclusive, um controle de quem foi efetivamente prejudicado.

Esse tipo de ocorrência, até como solução para melhoria do serviço, deveria ser enfrentada, de início e principalmente, pela ANEEL; e, caso houvesse a efetiva necessidade de intervenção judicial, que se fizesse através de ações coletivas, valorando-se não a perda individual, mas sim, por exemplo, com a condenação de indenização por danos morais coletivos alcançados àquela coletividade prejudicada.

Já no que diz respeito à questão das indenizações por danos materiais, envolvendo fumicultores e pequenos produtores rurais, diante da perda da qualidade da produção por falta de energia, entendo que urge revisão da posição hoje adotada pela jurisprudência dominante.

Sempre respeitando entendimento diverso, mas acho que efetivamente estamos deixando de...

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