Decisão Monocrática nº 50018673320208210049 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 25-02-2022

Data de Julgamento25 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50018673320208210049
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001773603
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001867-33.2020.8.21.0049/RS

TIPO DE AÇÃO: União Estável ou Concubinato

RELATOR(A): Desa. VERA LÚCIA DEBONI

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CONTROVÉRSIA ACERCA DO PERÍODO DE CONVIVÊNCIA. PARTILHA DE BENS EM NOME DE TERCEIRO. ACESSÃO ERIGIDA EM SOLO ALHEIO.
1. O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL REQUER A PRESENÇA DOS CARACTERES DESCRITOS NO ARTIGO 1.723 DO CÓDIGO CIVIL, ISTO É, RELAÇÃO INVESTIDA DE PUBLICIDADE, DURABILIDADE, ESTABILIDADE E COM O ÂNIMO DE CONSTITUIR FAMÍLIA.
2. RESTANDO CONTROVERTIDO O TERMO FINAL DA CONVIVÊNCIA E NÃO HAVENDO PROVAS CAPAZES DE CONFORTAR A TESE DO AUTOR, VIÁVEL O RECONHECIMENTO DA CONVIVÊNCIA MARITAL APENAS QUANTO AO PERÍODO INCONTROVERSO.
3. EM AÇÕES DE PARTILHA, O ÔNUS DE COMPROVAR A EXISTÊNCIA E TITULARIDADE DOS BENS AMEALHADOS RECAI SOBRE QUEM OS ARROLOU. TRATANDO-SE DE BENS MÓVEIS NÃO SUJEITOS A REGISTRO, DEVEM SER DESCRITOS COM DETALHAMENTO SUFICIENTE A PERMITIR A SUA IDENTIFICAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO.
4. INEXISTINDO PROVA DE QUE OS MÓVEIS E UTENSÍLIOS ARROLADOS EFETIVAMENTE EXISTIAM AO TEMPO DA RUPTURA CONJUGAL, DE QUE ERAM TITULARIZADOS PELAS PARTES E DE QUE FORAM AMEALHADOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL, CORRETA A DECISÃO QUE INDEFERIU A PARTILHA.
5. É INCABÍVEL A PARTILHA DE IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE TERCEIRO. TAMPOUCO É POSSÍVEL A PARTILHA DE DIREITOS PESSOAIS QUE NÃO ESTEJAM COMPROVADOS POR MEIO DE PROVA DOCUMENTAL IDÔNEA. AS ACESSÕES E BENFEITORIAS REALIZADAS EM IMÓVEL ALHEIO NÃO PODEM SER OBJETO DE PARTILHA EM PROCESSO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL, PORQUANTO A PRESUNÇÃO LEGAL É DE QUE PERTENÇAM AO PROPRIETÁRIO DO SOLO, QUE NÃO INTEGRA A RELAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL E, POR ISSO MESMO, NÃO PODE SER ATINGIDO PELOS EFEITOS DA SENTENÇA.
6. NÃO HÁ INTERESSE RECURSAL EM APELAR DE PONTO DA SENTENÇA QUE FOI FAVORÁVEL À PARTE RECORRENTE.
(AFFECTIO MARITALIS), TAMPOUCO FOI POSSÍVEL IDENTIFICAR O PERÍODO DA CONVIVÊNCIA E A ALEGADA ESTABILIDADE DA RELAÇÃO.

APELAÇÃO DO AUTOR DESPROVIDA.
RECURSO DA PARTE RÉ CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ambas as partes, inconformadas com sentença da 3ª Vara Judicial de Frederico Westphalen, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação de reconhecimento e dissolução de união estável que Valdemir C. moveu em face de Carine A.O., para o fim de:

i) declarar a existência e a dissolução da união estável havida entre as partes desde 2007 até dezembro de 2014, pelo regime da comunhão parcial de bens;

ii) determinar a partilha dos seguintes bens e direitos na proporção de 50% cada um dos consortes: 1) edificação de uma casa; 2) posse do terreno matrícula nº 21.515 do CRI de Frederico Westphalen/RS, onde foi edificada a residência;

iii) deferir à parte ré a guarda unilateral dos filhos E.O.C e K.O.C.;

iv) assegurar o direito de visitas do genitor/autor aos filhos de forma livre;

v) deferir a dispensa de alimentos aos filhos em razão do recebimento de auxílio-reclusão, não importando em renúncia e não impedindo futura demanda.

Relato, primeiramente, a apelação do autor (evento 107).

Sustentou o apelante, em síntese, que a sentença “não reconheceu que a união estável das partes perdurou pelo período compreendido entre 2007 até 2020, bem como indeferiu a partilha dos bens móveis adquiridos na constância do relacionamento”. Afirmou que, embora “tenha sido recolhido ao Presídio Estadual de Iraí/RS no ano de 2014, tal fator não desconstitui a união estável existente entre as partes” (sic). Asseverou que para configuração da união estável “não se faz necessário que as partes residam junto, motivo pelo qual não há nada que impeça que a relação afetiva fosse mantida por meio de visitas” (sic). Referiu que “com base no histórico extraído do sistema consultas integradas, constatou-se que a ré visitava frequentemente o autor depois de 2014, estando cadastrada como sua companheira, tendo inclusive visitado o Valdemir no estabelecimento prisional em que estava recluso em 15/01/2020” (sic). Tocante aos bens, aduziu que a demandada vendeu os móveis adquiridos na constância do relacionamento, adquirindo outros com o valor obtido na venda. Salientou que “as notas fiscais juntadas pela ré demonstram que todas as compras ocorrem entre os anos de 2015 e 2019, ou seja, durante a constância da relação, motivo pelo qual também devem ser partilhados entre as partes” (sic). Acrescentou, ainda, que “não se pode confirmar que os móveis arrolados pelo autor foram vendidos, e substituídos pelos móveis descritos nas notas fiscais, visto que os bens comprovadamente adquiridos foram uma TV, uma caixa amplificada, um painel de suspensão, um suporte LED, uma porta de madeira, uma guarnição para a porta, um mini system LG, sendo que, destes objetos, o único que também existe no rol apresentado pelo demandante é a televisão” (sic). Pugnou, nesses termos, pelo provimento do recurso, a fim de que seja reconhecida a união estável no período compreendido entre os anos de 2007 até janeiro de 2020, assim como determinada a partilha “de todos os bens móveis descritos no documento ‘outros’ do evento 01, bem como aqueles comprovadamente adquiridos pela demandada, presentes nas notas fiscais juntadas” (sic).

Passo a relatar, agora, a apelação da parte ré (evento 106).

Aduziu a recorrente que “a maioria dos bens que o apelado apresentou não são do conhecimento da apelante, ademais, os bens que constam durante a união estável das partes, eram móveis em sua maioria usados, como a declarante informou, ‘pegos da rua’, fazendo referência ao sofá por exemplo” (sic). Mencionou que “atualmente, os bens referidos bens móveis são praticamente inúteis e após a separação de fato das partes, advinda da prisão do apelado, no final de 2014, foram substituídos exclusivamente por fruto do trabalho da apelante” (sic). Atinente ao imóvel, argumentou que se trata de “um terreno adquirido na época pelas partes, em área denominada área verde, segundo informado pela Prefeitura Municipal desta Comarca, é a apelante quem paga o devido imposto sobre a área (IPTU)” (sic). Alegou que “a casa construída neste terreno foi feita com a doação de materiais de construção e cedido mão de obra pelo referido ente público, sem a participação efetiva do recorrido” (sic). Ressaltou que o bem está registrado em nome da Prefeitura Municipal de Frederico Westphalen. Pugnou, nesses termos, pela reforma da sentença, “no sentido de acolher o pedido de reconhecimento de que o bem imóvel não pode ser objeto de partilha por estar sob área verde, bem como reconhecer que a apelante não tem a obrigação de partilhar os bens móveis, por tê-los adquirido após a separação de fato do apelado” (sic).

Apenas o autor contra-arrazoou (evento 113).

O Ministério Público declinou de intervir (evento 7).

Vieram os autos conclusos em 20/10/2021 (evento 8).

É o relatório. Decido.

Os recursos são aptos, tempestivos e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Não há preliminares a serem analisadas, razão porque é possível adentrar-se, de imediato, ao exame do mérito.

1. Do período de convivência.

A caracterização da união estável exige a presença dos requisitos constantes do artigo 1.7231 do Código Civil, quais sejam, a existência de uma relação afetiva consubstanciada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.

No caso em tela, a existência da união estável é incontroversa apenas no que se refere ao período reconhecido na sentença, isto é, de 2007 até dezembro de 2014, quando o autor/apelante foi segregado do convívio social.

Quanto ao período posterior, a prova coligida aos autos não conforta a tese da parte autora.

Com efeito, o histórico de visitas recebidas pelo apenado no Presídio Estadual de Iraí, ainda que haurido do sistema de Consultas Integradas da Secretaria da Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul, é inidôneo, isoladamente, à comprovação do elemento subjetivo imprescindível à caracterização da união estável no período, qual seja, a affectio maritalis.

Mesmo que tenha constado, do aludido histórico de visitas (evento 14, OUT2 e OUT3), o nome da ré como sendo companheira do preso Valdemir, essa circunstância, por si só, não conduz à conclusão inequívoca de que o relacionamento teve prosseguimento com intuitu familiae, até porque também se infere dos referidos documentos que a demandada levava os filhos para visitarem o pai.

Colaciono, a esse respeito, o que restou consignado na sentença (evento 102):

O período da união estável foi indicado pela parte autora como de 2007 até 15 de janeiro de 2020. A parte ré aduziu que o período final da união estável foi no ano de 2007 até dezembro de 2014. Veja-se que as partes não controvertem sobre a existência da união estável, mas apenas sobre o termo final dela.

Conforme previsão do artigo 1.723 do Código Civil, entende-se como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, representada na convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de formar família. Como se extrai dessa definição, a lei não exige prazo mínimo para a constituição da união estável, sendo necessário analisar as circunstâncias do caso concreto para apontar a sua existência ou não.

Na prova oral, somente foi efetuada a coleta do depoimento pessoal da parte ré que referiu que está separada da parte autora desde a prisão da parte autora ocorrida em 2014. Confirmou que possui dois filhos com a parte autora e que recebia auxílio-reclusão, mas parou de receber. Salientou que compraram juntos algumas coisas e que os móveis foram sendo substituídos com o passar...

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