Decisão Monocrática nº 50019934720218210082 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 19-12-2022

Data de Julgamento19 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRemessa Necessária
Número do processo50019934720218210082
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003143847
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Remessa Necessária Cível Nº 5001993-47.2021.8.21.0082/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

PARTE AUTORA: SEGREDO DE JUSTIÇA

PARTE RÉ: SEGREDO DE JUSTIÇA

PARTE RÉ: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. TRATAMENTO DE SAÚDE. CONSIDERAÇÕES.

1. Do direito ao tratamento.

Sendo dever do ente público a garantia da saúde física e mental dos indivíduos, e restando comprovada nos autos a necessidade da parte requerente de submeter-se ao tratamento descrito na inicial, imperiosa a procedência do pedido para que o ente público o custeie. Exegese que se faz do disposto nos artigos 5º, caput, 6º, caput, art. 23, inciso II, e 196, todos da Constituição Federal de 1988.

2. Autoaplicabilidade do art. 196 da Constituição Federal de 1988. Postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.

O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da carta, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático.

3. Princípio da tripartição dos poderes. Dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, legitima o controle judicial, haja vista a inércia do poder executivo.

4. Princípio da reserva do possível.

Não se aplica quando se está diante de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida humana, consagrado na CF/88 como um dos fundamentos do nosso estado democrático e social de direito (art. 1º, inc. III, da Carta Magna).

5. Princípio da proteção do núcleo essencial. Princípio da vinculação. Da proibição de retrocesso.

É de preservação dos direitos fundamentais que se trata, evitando-se o seu esvaziamento em decorrência de restrições descabidas, desnecessárias ou desproporcionais.

6. Bloqueio de valores.

O descumprimento com a obrigação judicial imposta autoriza o bloqueio de valores no erário dos réus para que a parte autora adquira o tratamento na esfera particular. Para tanto é necessário apresentar três orçamentos nos autos, devidamente atualizados. O de menor valor deverá prevalecer para tal finalidade.

7. Honorários Advocatícios.

Parte autora representada pela Defensoria Pública. Estado isento do pagamento de verba honorária sucumbencial, por força do instituto jurídico da confusão.

8. Custas Processuais.

A Lei Estadual/RS n. 14.634/14, instituiu a taxa única de serviços judiciais e isenta os entes estatais, suas autarquias e suas fundações do pagamento das custas processuais (art. 5º, inc. I) para as ações ajuizadas a partir de 15.06.2015.

SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Do relatório.

Trata-se de remessa necessária de sentença proferida nos autos ação de obrigação de fazer ajuizada por SANDRA DESENGRINI ZUFFO em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

A autora postulou a disponibilização, via SUS, de consulta com especialista em medicina fetal, em razão de sua gestação ser de alto risco. Pediu provimento.

Devidamente instruído o feito, adveio sentença de procedência do pedido.

A instituição do Ministério Público opina pela confirmação da sentença em remessa necessária.

É o relatório.

2. Do julgamento monocrático.

O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.

3. Do direito à saúde.

Conheço da remessa necessária, por se tratar de sentença ilíquida.

3.1 Da responsabilidade pela concessão do tratamento postulado nos autos.

O legislador constituinte de 1988 estabeleceu obrigações aos entes federados para com o desenvolvimento de políticas públicas destinadas à consecução dos serviços de saúde à população, conforme dispositivos que seguem:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (Vide ADPF 672)

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

(...).

Importa destacar que o SUS engloba a União, o Estado e os Municípios de forma sistematizada e descentralizada, logo não há pretender os entes federativos eximirem-se de suas obrigações.

No entanto, quanto ao aspecto da responsabilidade solidária, é importante frisar a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de recurso extraordinário pela sistemática repetitiva (Tema 793), conforme ementa do acórdão abaixo transcrita:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes. 4. Embargos de declaração desprovidos.
(RE 855178 ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

Desse julgamento a União apresentou embargos de declaração que foram desprovidos por maioria (acórdão publicado em 16/4/2020), de acordo com o voto da lavra do Ministro Edson Fachin, que ficou como redator do acórdão, e apresentou critérios jurídicos, a título de detalhamento, que reestrutura a responsabilidade solidária dos entes federados na prestação do direito à saúde, nos seguintes termos:

i) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss. CF);

ii) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196 e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

iii) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

iv) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico-processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

v) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

vi) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto federal n. 7.508/11. (grifei)

A questão a ser observada, desse modo, pelas partes que compõe a relação jurídica processual, é a de que nas ações judiciais que...

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