Decisão Monocrática nº 50022407420198210057 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50022407420198210057
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003224908
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002240-74.2019.8.21.0057/RS

TIPO DE AÇÃO: Maus Tratos

RELATOR: Juiz de Direito MAURO CAUM GONCALVES

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por A. N. e A. J. A. P. em face da sentença que, nos autos da ação protetiva ajuizada pelo Ministério Público em favor de E. L. N. P., E. N. P. e T. N. P., julgou procedente o pedido, nos seguintes termos do dispositivo:

ISSO POSTO, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil c/c os arts. 24 e 129, X, do Estatuto da Criança e do Adolescente, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido na presente ação, para destituir o poder familiar de ADRIANA NEIS e ALBERTINO JULIO DE A. PEREIRA em relação às crianças Edson Luis Neris Pereira, Elisiane Neis Pereira e Tiago Neis Pereira.

Feito isento de custas, nos termos do art. 141, § 2°, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, expeça-se mandado de averbação da presente decisão à margem do registro de nascimento da infante, nos termos do artigo 163, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nada mais sendo requerido, dê-se baixa e arquive-se.

Em suas razões, defenderam que, conforme o relatório de visita domiciliar acostado às fls. 266/269 (Proc. Orig.: Evento4 – PROCJUDIC10, pág. 9 a 13), as condições financeiras e pessoais dos genitores são favoráveis para o exercício da guarda, assim como o tio J. P. C., bem como os avós das crianças. Acrescentaram que, conforme laudo da última visita domiciliar realizado, a Assistente Social referiu que, apesar de ser uma residência simples, os genitores possuem condições de voltar a criar seus filhos. Referiram que a prova testemunhal colhida comprova que os genitores trabalham e conseguem prover seu sustento, assim como que, tanto a recorrente, quando o demandado, não são alcoólatras, possuindo todas a condições para cuidar dos filhos. Enfatizaram que a forma como ocorreu a convivência dos irmãos com os adotantes foi totalmente equivocada, o que prejudicou o retorno das crianças ao convívio dos seus genitores. Referiram não haver nos autos a comprovação por parte do Ministério Público de que o processo de adoção tramitou de forma legal. Sublinharam que o casal que está com a guarda do grupo de irmãos sequer encontra-se no cadastro de adoção, ou que foram previamente habilitados para adoção no Fórum da Comarca de origem do processo; o que, somado as outras decisões, torna o processo nulo. Asseveraram que o presente feito possui diversas irregularidades passiveis de anulação, fornecendo como exemplo o fato de que os procuradores da parte requerida haviam juntado procuração aos autos na data de 29/10/2019, bem como que o Magistrado designou audiência concentrada sem intimar os procuradores da parte. Requereram o provimento do recurso, a fim de que a sentença seja reformada, determinando o acolhimento e retorno dos infantes à instituição SAMLAVE, de Lagoa Vermelha, assim como a determinação das visitas por parte dos genitores biológicos e familiares aos menores, com vistas a reintegração familiar (Orig.: Evento111 – APELAÇÃO1).

Foram apresentadas as contrarrazões.

Os autos ascenderam a esta Corte, sendo a mim distribuídos.

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (art. 1.009 do Código de Processo Civil), conheço do apelo.

Para dissipar qualquer dúvida acerca da correção do provimento fustigado, considerando a gravidade dos fatos narrados, consigno que a ultrapassei ao ler as razões alçadas ao conhecimento desta Câmara Cível, atentando às provas encadernadas ao feito durante a instrução que foram fielmente analisadas pelo Juízo a quo e pela Promotoria de Justiça que inaugurou a presente demanda a este Poder Judiciário. A matéria litigiosa, efetivamente, se atrela ao dramático descaso dos pais parante os filhos E. L. N. P., E. N. P. e T. N. P..

Dito tudo isso e pela propriedade que analisado o contexto fático, rogo vênia para adotar como razões as doutas palavras da Juíza de Direito Lilian Raquel Bozza, que alcançou e tocou cada ponto da infeliz narrativa do menor, entranhando-se no cerne do litígio e fazendo dele o que este subscritor, agora, transcreve com a certeza de que nada mais precisará ser dito, sob pena de ingressar em desnecessária tautologia:

Cumpre ressaltar que o princípio da proteção integral não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. Em razão da maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos de idade, como pessoas em desenvolvimento, os fazem destinatários de um tratamento especial, sendo colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nesta senda, insere-se o poder familiar cuja ideia predominante é de que a potestas deixou de ser uma prerrogativa do pai para se afirmar como fixação jurídica do interesse dos filhos.

Nesse sentido, dispõe Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 11ª edição, página 782):

“(...)

De objeto de poder, o filho passou a sujeito de direito. Essa inversão ensejou modificação no conteúdo do poder familiar, em face do interesse social que envolve. Não se trata do exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto por lei aos pais. O poder familiar é sempre trazido como exemplo da noção de poder-função ou direito-dever, consagradora da teoria funcionalista das normas de direito das famílias: poder que é exercido pelos genitores, mas que serve ao interesse do filho.

(...)”

A autoridade parental está impregnada de deveres não apenas no campo material, mas, principalmente, no campo existencial, devendo os pais satisfazer outras necessidades dos filhos, notadamente de índole afetiva. Assim, aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes, ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações legais, nos termos do artigo 22 do Estatuto da Criança e Adolescente.

Além disso, o artigo 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que “a perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”.

Ainda, dispõe o artigo 1.638, inciso II, do Código de Civil que perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que deixar o filho em abando.

No caso em tela, relata o Ministério Público que os requeridos não apresentam condições de zelar pela segurança, saúde e educação dos filhos, motivos pelos quais os infantes foram acolhidos.

O caderno probatório constante no presente feito comprova a falta de zelo e o descaso dos requeridos para com as crianças.

Com efeito, os depoimentos colhidos nos autos da medida de proteção e no presente feito corroboraram a situação de negligência relatada na exordial, senão vejamos:

Edson Luis Neris Pereira, infante, disse que posava mais na casa dos tios porque o quarto da casa dos pais era muito bagunçado. Asseverou que sua irmã dormia na mesma cama do tio e ela contou que o tio passava a mão nela e que ele dormia só de cueca. Afirmou que a casa dos pais tinha muita sujeira, venenos e ratos. Sustentou que seus pais bebiam todos os dias e não cuidavam deles. Alegou que seus pais eram agressivos, uma vez colocou uma corda no seu pescoço e o queimou. Ainda, contou que Tiago fica muito tempo na cadeira e não caminhava. Informou que tinha pouca comida na casa dos genitores. Relatou que nunca tomavam banho e quando ficavam doente tinham que ir na casa dos outros pedir remédio. Referiu que o pai deixava eles sem comida. Alegou que já passou frio e fome, sendo que quando a professora percebeu passou a levar comida. Disse que já apanhou de vara, chinelo e cinta. Afirmou que não quer voltar a morar com os pais nem sente saudades deles. Asseverou que está muito feliz na Sammlave e tem o sonho de morar em Porto Alegre com Uilian e Charles.

Albertino Julio de A. Pereira, genitor dos infantes, aduziu que seus filhos não foram agredidos, não existindo motivos para justificar o acolhimento. Sustentou que nunca faltou comida para as crianças e que nunca deixou os infantes trancados em casa. Afirmou que, quando Elisiane não dormia em casa, ficava com o tio. Disse que tinha local adequado para a infante dormir no tio e, quando a criança não queria dormir no local adequado, ia dormir com na cama com o tio. Referiu que não percebeu nenhum problema locomotor em Tiago. Relatou que não bebe e apresenta um bom relacionamento com a comunidade. Asseverou que quer seus filhos de volta.

Adriana Neis, genitora dos infantes, disse que seus filhos nunca passaram fome. Aduziu que muitas vezes as crianças dormiam na casa dos tios porque queriam. Referiu que não bebe nem o seu marido. Sustentou que o cadeirão é para Tiago comer e que ele conseguia se firmar em pé, por isso a fita para evitar dele cair. Relatou que a filha Elisiane dormia na cama do tio. Afirmou que quer seus filhos de volta.

Vanessa Duarte Brambatti, assistente social, disse que receberam algumas denúncias pela escola e pela comunidade. Aduziu que,...

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