Decisão Monocrática nº 50022680320218210015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Cível, 22-06-2022

Data de Julgamento22 Junho 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50022680320218210015
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002336855
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002268-03.2021.8.21.0015/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR(A): Des. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANIBAL

APELANTE: INSTITUTO DE SAÚDE DOS SERVIDORES DE GRAVATAÍ - ISSEG (RÉU)

APELADO: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCACAO PUBLICA MUNICIPAL DE GRAVATAI (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESPESAS COM TRATAMENTO DE SAÚDE DECORRENTES DA CONTAMINAÇÃO COM A COVID/19. PLANO DE PREVIDÊNCIA MUNICIPAL. CONSIDERAÇÕES.

1. A responsabilidade do Instituto de Saúde dos Servidores de Gravataí (ISSEG) em adotar alternativa para prestar assistência aos seus segurados que se contaminam com o coronavírus decorre das disposições expressas no Texto Constitucional de 1988, que elenca a saúde como um direito fundamental da pessoa (art. 5º, caput, art. 6º, caput, e 196).

2. É lamentável que a autarquia municipal não tenha estudado juntamente com os representantes da categoria alternativas para prestar os atendimentos de saúde contra o COVID/19 aos servidores, dialogando sobre o impacto orçamentário que isso pode causar e como amenizá-los a médio ou longo prazo.

3. Atém-se a discorrer sobre os efeitos negativos aos seus cofres, caso tenha que prestar assistência aos seus servidores com suspeita ou com contaminação de coronavírus. Argumento que não prevalece diante da ordem constitucional vigente, que tem como um dos seus fundamentos garantir a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF/1988).

RECURSO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

1. Do relatório.

Parto do relatório que consta no parecer da Douta Procuradora de Justiça, Dra. Maria Waleska Trindade Cavalheiro (evento 16).

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO DE SAÚDE DOS SERVIDORES DE GRAVATAÍ - ISSEG, inconformado com a sentença proferida no Juízo da 4ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública da Comarca de Gravataí (Evento 42, SENT1) que, nos autos da Ação Civil Pública proposta pelo SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DE GRAVATAÍ, julgou procedente a demanda para condenar o Instituto a prestar atendimentos/tratamentos dos segurados acometidos pelo COVID-19, bem como os decorrentes deste. Sucumbente, condenou o requerido ao pagamento de honorários ao Procurador da parte autora, que fixou em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com correção monetária pelo IPCA-e e com juros moratórios à taxa aplicada à caderneta de poupança (art. 12, inc. II da Lei Federal n° 8.177/1991), a contar do trânsito em julgado da decisão, atendendo aos critérios estabelecidos no art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC, observada a natureza da ação, o tempo de tramitação da demanda e o trabalho desenvolvido.

Inconformado com a sentença, o requerido apresentou recurso de apelação (Evento 47, REC1). Destaca, inicialmente, o dano que a permanência da cobertura para despesas médicas referentes ao Covid-19 pode acarretar ao Instituto recorrente. Argumenta não possuir caixa suficiente para suportar a incontável demanda de atendimentos médicos, internações e demais procedimentos correlatos. Refere que a Secretaria Municipal da Fazenda do Município de Gravataí já indicou que o município se encontra seriamente prejudicado nas condições de atendimento financeiro de suas obrigações contratadas, sejam elas salariais, tributárias, de precatórios e financiamentos, seja as de remuneração por serviços e fornecimentos prestados. Reitera que não há suporte financeiro para arcar com os gastos médicos numerosamente frequentes, representando danos de impossível reparação ao ente público. Sublinha que o legislador do instituto previu os casos de não cobertura do plano, sendo o estado de calamidade pública uma das hipóteses. Postula a reforma da sentença com a negativa de cobertura para gastos médicos atinentes ao COVID-19. Requer provimento ao recurso.

O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Município de Gravataí - SPMG, apresentou contrarrazões (Evento 51, CONTRAZAP1) pela manutenção da sentença.

O órgão do Ministério Público opina pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o relatório.

2. Do julgamento monocrático.

O feito comporta julgamento monocrático, consoante o disposto no art. 932, inciso VIII, do CPC/2015, bem como no art. 206, inciso XXXVI, do RITJRS.

A meu sentir, não há fatos ou argumentos jurídicos que possam alterar o entendimento proferido por esta Câmara Cível quando do julgamento do recurso de agravo de instrumento n. 5041013-49.2021.8.21.7000 interposto nos autos pela apelante, razão pela qual transcreve o texto do acórdão, a fim de evitar repetições desnecessárias.

1. Da responsabilidade Instituto de Saúde dos Servidores de Gravataí para com os seus segurados diante da pandemia causada pelo coronavírus.

Não é de hoje que nós Juízes temos que ter a sensibilidade para decidir. Sensibilidade e razoabilidade na tomada de decisões.

E esse espírito de sensibilidade deve ser irradiado para os representantes do Poder Executivo, do Poder Legislativo, bem como aos demais setores que integram a ordem social, a fim de que se possa "construir uma sociedade livre, justa e solidária", sendo esse um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, inciso I, da CF/1988).

No momento atual, a pandemia causada pelo coronavírus, doença altamente letal e contagiosa, impõe providências que ultrapassam questões meramente financeiras, como argumenta a recorrente.

É fato que todos os setores que compõe a organização social - tanto na esfera pública, quanto na esfera privada - sofreram impactos inestimáveis com a propagação do coronavírus. Isso dispensa prova, pois são fatos corriqueiros nos meios noticiosos.

E na esfera privada, a título de comparação, muitos estão tendo que se reinventar; desenvolver alternativas para suprirem suas necessidades e do seu grupo familiar, mesmo com o risco iminente de contaminação e com medo incessante de não poder contar com atendimento de saúde no SUS, seja pela lotação de hospitais, seja pela ausência de recursos para realizar um exame de saúde particular.

Voltando para a situação dos autos, causa perplexidade a este julgador que a agravante não tenha a sensibilidade de rever o rol de atendimentos prestados aos seus segurados, que contribuem mensalmente para receber assistência de saúde quando necessitam, diante da letalidade de um vírus novo que já matou milhares de pessoas na esfera global.

É lamentável que a autarquia municipal não tenha estudado juntamente com os representantes da categoria alternativas para prestar os atendimentos de saúde contra o COVID/19 aos servidores, dialogando sobre o impacto orçamentário que isso pode causar e como amenizá-los a médio ou longo prazo.

Simplesmente se atém a discorrer sobre os efeitos negativos aos seus cofres (evento 1 - parecer 2), caso tenha que prestar assistência aos seus servidores com suspeita ou com contaminação de coronavírus.

E diante de omissão violadora de disposições expressas do texto constitucional, mais uma vez, o Poder Judiciário é chamado a resguardar o direito à saúde das pessoas vinculadas, por força de lei, ao regime de previdência do Município de Gravataí.

Desse modo, ao menos em juízo de cognição sumária, não se aventa probabilidade do direito da agravante, nem risco de dano irreparável, requisitos necessários para suspender os efeitos da decisão recorrida.

O disposto na Lei Municipal n. 4110/2019, de que excluem de cobertura do ISSEG qualquer atendimento advindo de calamidade pública (art. 39, inciso X), não prevalece diante do conteúdo normativo da Constituição Federal de 1988, a saber:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

(...)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

(...)

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

(...)

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

(grifei)

O direito à saúde é garantia fundamental, prevista no art. 6º, caput, da Carta Política de 1988, com aplicação imediata – leia-se § 1º do art. 5º da mesma Constituição –, e não um direito meramente programático. Além disso, encontra-se inserido no direito à vida, constante do art. 5º da Carta e, mais ainda, ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento de um Estado que se diz Democrático e Social de Direito.

Não há como afastar o direito à saúde dos direitos fundamentais, sob pena de negarmos ao cidadão o direito à vida.

Muitas vezes, para não dizer na maioria, o fundamento da República – dignidade da pessoa humana – insculpido no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, é simplesmente excluído das “cartilhas” dos entes federados, que desconsideram os seres humanos que os compõem como elemento integrante.

Nesse sentido, é mister colacionar as lições de José Afonso da Silva1:

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