Decisão Monocrática nº 50022717920218210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 30-03-2023

Data de Julgamento30 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50022717920218210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003288871
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002271-79.2021.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Registro Civil das Pessoas Naturais

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. REGISTRO CIVIL. NOME. SUPRESSão do patronÍMICO PATERNO. GENITOR CONDENADO PELO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PRATICADO CONTRA A GENITORA do filho. justo motivo. ausência de risco à segurança jurÍDICA ou prejuÍZO A TERCEIROS. princÍPIO DA IMUTABILIDADE DO NOME. RELATIVIZAçÃO. RECURSO PROVIDO.

O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto, sendo possível a alteração do sobrenome em hipóteses excepcionais e desde que não haja prejuízo à segurança jurídica.

A exigência de registro do sobrenome paterno ao nome do filho deve ser afastada quando constatado que, em vez de fortalecer os direitos da personalidade do indivíduo, acaba por ofender a sua integridade moral, violando, assim, valores intrínsecos inerentes à pessoa humana.

Caso em que a pretensão de supressão do sobrenome do genitor, condenado por estupro de vulnerável praticado contra a genitora, quando ela contava com 11 anos, enquadra-se na condição de situação excepcional a autorizar a modificação do nome - ou, na hipótese, na não inclusão do sobrenome -, porquanto notadamente não se trata de mero capricho do requerente, mas sim de um justo motivo de ordem moral e psicológica.

Ademais, diante da tenra idade da criança - nascido em 07.04.2021 -, não há sequer que se falar em risco de prejuízo a terceiros.

Precedentes do TJRS e do STJ.

Apelação provida.

DECISÃO MONOCRÁTICA

MATIAS S. K. apela da sentença em que declarada a sua filiação em relação a JUAREZ R., proferida nos autos do procedimento instaurado de ofício para investigação de paternidade, lançada nos seguintes termos (Evento 34 - Sentença 1):

Através de Ofício remetido pelo Registro Civil de Dom Feliciano, aportou informação de que nasceu a criança Matias S. K. (matrícula 098384 01 55 2021 1 00016 078 0010102 76), filha de Dafiny S. K., com a informação de que o pai seria JUAREZ R..

Feito exame de DNA (evento 21), o resultado é de mais de 99% de probabilidade de que a criança seja filha do suposto pai.

O Ministério Público se manifestou pela declaração de paternidade.

RELATEI. DECIDO.

Considerando o resultado do exame de DNA, declaro Matias S. K. filho de JUAREZ R., brasileiro, solteiro, agricultor, residente na Localidade de Caminho Novo, Dom Feliciano, RS, passando a se chamar MATIAS K. R., tendo como avó paterna Verônica R..

Intimem-se as partes desta decisão.

Expeça-se mandado e se arquive.

Sem custas, taxa única ou despesas processuais por se tratar de expediente administrativo.

Em suas razões (Evento 49 - Apelação 1), aduz, indevida a inclusão do sobrenome do pai biológico, porquanto a concepção do infante decorreu de estupro consumado pelo genitor contra DAFINY, que contava com 11 (onze) anos à época dos fatos, conforme comprovado em ação penal transitada em julgado (Processo n. 5004700-19.2021.8.21.0007).

Sustenta que a supressão do sobrenome é medida cabível em razão do forte abalo psicológico e físico sofridos pela genitora em decorrência da violência a que submetida por JUAREZ.

Afirma que a Lei de Registros Públicos autoriza, em situações excepcionais, a alteração do nome.

Pede o provimento do recurso para suprimir o patronímico paterno do nome do infante.

Em primeiro grau, o Ministério Público nada requereu (Evento 52 - Parecer/promoção/manifestação Ministério Público 1).

Nesta Corte (Evento 7), o Ministério Público ofereceu parecer pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Efetuo o julgamento na forma monocrática, forte no art. 206, XXXVI, do RITJRS, combinado com o art. 932, VIII, do CPC.

A presente apelação merece provimento, observadas as disposições legais e a orientação jurisprudencial a respeito do tema.

A questão posta a julgamento diz respeito à possibilidade de supressão do sobrenome paterno do nome de filho fruto do crime de estupro de vulnerável praticado pelo genitor.

Dispõe o art. 16 do Código Civil que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Já o art. 55 da Lei de Registros Públicos, na redação dada pela Lei n. 14.382/2022, preconiza que

Art. 55. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, observado que ao prenome serão acrescidos os sobrenomes dos genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para comprovar a linha ascendente. (Redação dada pela Lei nº 14.382, de 2022)

O nome compreende-se, assim, entre os chamados direitos da personalidade, integrando o núcleo da dignidade da pessoa humana, e, como tal, merece tutela estatal contra qualquer tipo de ameaça ou violação.

Com efeito, na lição de Carlos Roberto Gonçalves "o direito ao nome é espécie dos direitos da personalidade, pertencente ao gênero do direito à integridade moral, pois todo indivíduo tem direito à identidade pessoal, de ser reconhecido em sociedade por denominação própria".

O autor ainda ensina que o nome compõe-se de dois elementos: o prenome e o sobrenome, sendo esse "o sinal que identifica a procedência pessoa, indicando a sua filiação ou estirpe. Enquanto o prenome é a designação do indivíduo, o sobrenome é característico de sua família, transmissível por sucessão".(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Parte Geral. 18ª ed. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2020, p. 162 e 219).

A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça já afirmou que "O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade", acórdão assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO E OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO SUFICIENTE E JURIDICAMENTE MOTIVADO. DIREITO AO NOME. ELEMENTO ESTRUTURANTE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MODIFICAÇÃO DO NOME DELINEADA EM HIPÓTESES RESTRITIVAS E EM CARÁTER EXCEPCIONAL. FLEXIBILIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DAS REGRAS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA DO PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE. PREVALÊNCIA DA AUTONOMIA PRIVADA SOPESADA COM A SEGURANÇA JURÍDICA E A SEGURANÇA A TERCEIROS. PARTE QUE SUBSTUTUIU PATRONÍMICO FAMILIAR PELO DO CÔNJUGE NO CASAMENTO E PRETENDE RETOMAR O NOME DE SOLTEIRO AINDA NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO. JUSTIFICATIVAS FAMILIARES, SOCIAIS, PSICOLÓGICAS E EMOCIONAIS PLAUSÍVEIS. PRESERVAÇÃO DA HERANÇA FAMILIAR E DIFICULDADE DE ADAPTAÇÃO EM VIRTUDE DA MODIFICAÇÃO DE SUA IDENTIDADE CIVIL. AUSÊNCIA DE FRIVOLIDADE OU MERA CONVENIÊNCIA. AUSÊNCIA DE RISCOS OU PREJUÍZOS A SEGURANÇA JURÍDICA E A TERCEIROS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO.
1- Ação proposta em 01/11/2017.
Recurso especial interposto em 11/03/2019 e atribuído à Relatora em 12/12/2019.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há vício de fundamentação do acórdão recorrido; (ii) se é admissível o retorno ao nome de solteiro do cônjuge na constância do vínculo conjugal, substituindo-se o patronímico por ele adotado por ocasião do matrimônio.

3- Não há que se falar em vício de fundamentação e em omissão na hipótese em que o acórdão recorrido se encontra suficiente e juridicamente motivado, declinando, ainda que sem referência expressa às disposições legais, as razões jurídicas que levaram à improcedência do pedido.

4- O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.

5- Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros.
Precedentes.
6- Na hipótese, a parte, que havia substituído um de seus patronímicos pelo de seu cônjuge por ocasião do matrimônio, fundamentou a sua pretensão de retomada do nome de solteira, ainda na constância do vínculo conjugal, em virtude do sobrenome adotado ter se tornado o protagonista de seu nome civil em detrimento do sobrenome familiar, o que lhe causa dificuldades de adaptação, bem como no fato de a modificação ter lhe causado problemas psicológicos e emocionais, pois sempre foi socialmente conhecida pelo sobrenome do pai e porque os únicos familiares que ainda carregam o patronímico familiar se encontram em grave situação de saúde.

7- Dado que as justificativas apresentadas pela parte não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações - o sobrenome -, deve ser preservada a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar, especialmente na hipótese em que a sentença reconheceu a viabilidade, segurança e idoneidade da pretensão mediante exame de fatos e provas não infirmados pelo acórdão recorrido.

8- O provimento do recurso especial por um dos fundamentos torna despiciendo o exame dos demais suscitados pela parte (na hipótese, divergência jurisprudencial).
P...

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