Decisão Monocrática nº 50024850420218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 10-01-2022

Data de Julgamento10 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50024850420218210029
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001534073
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002485-04.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

APELANTE: IEDA LUISA SIEDE (AUTOR)

APELADO: BANCO INTER S.A. (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. NULIDADE. PROVA. A CONTRATAÇÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) É LÍCITA QUANDO O SEU DESTINO É A UTILIZAÇÃO POR CARTÃO DE CRÉDITO; E O RECONHECIMENTO DE SUA NULIDADE EXIGE PROVA DE VÍCIO NA PACTUAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA DOS AUTOS EM QUE, EMBORA A CONTRATAÇÃO, O CRÉDITO FOI UTILIZADO PARA PAGAMENTO DE MÚTUO FRAUDANDO O PROPÓSITO DE USO POR CARTÃO DE CRÉDITO; E SE IMPÕE A REFORMA DA SENTENÇA PARA A CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO.

RECURSO PROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

IEDA LUISA SIEDE apela da sentença proferida nos autos da ação declaratória c/c repetição de indébito ajuizada contra BANCO INTER S.A., assim lavrada:

Vistos e analisados os autos.

Ieda Luisa Sieda ajuizou ação declaratória c/c repetição de indébito contra Banco Inter S.A., ambos já qualificados nos autos.

Na inicial, a autora narrou que percebe benefício previdenciário, e que, nessa condição, realizou contrato de empréstimo consignado junto ao réu. Todavia, contou que, percebeu descontos de um cartão de crédito em favor do Banco requerido, entretanto, disse que jamais recebeu um cartão de crédito. Em decorrência, aludiu ter entrado em contato com o réu para esclarecimento do ocorrido, sendo informada de que o empréstimo formalizado não se tratava de um consignado “normal”, mas sim, de retirada de valores em um cartão de crédito, o qual deu origem a um desconto denominado reserva de margem consignável. Sustentou que referido serviço em momento algum foi solicitado ou contratado, já que apenas requereu e autorizou empréstimo consignado. Discorreu acerca da aplicação do CDC. Sustentou o direito da repetição em dobro dos valores. Nesse contexto, requereu a procedência dos pedidos, declarando-se a nulidade/inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, condenando-se o requerido a restituir em dobro os valores descontados mensalmente em seu benefício. Além disso, postulou a readequação/conversão do empréstimo via cartão de crédito consignado para empréstimo consignado. Pleiteou o benefício da gratuidade da justiça. Juntou documentos (anexos do evento 1).

Recebida a inicial, foi deferida a gratuidade da justiça (evento 3).

Citado, o requerido ofertou contestação (anexo 1 evento 5). Preliminarmente, alegou a ausência de interesse de agir, ao argumento de que a autora sequer demonstrou qualquer ato injusto praticado pelo requerido. No mérito, sustentou a legalidade da modalidade contratada. Destacou que fora devidamente disponibilizado 01 saque, no valor de R$1.048,04, para pagamento em parcelas mensais diretamente no benefício da parte autora. Disse não haver abusividade no contrato. Pugnou que, caso seja reconhecida a inexistência do contrato, seja realizada a devolução do saque realizado pela parte autora. Sustentou a impossibilidade de repetição do indébito. Nesse contexto, pugnou a condenação da autora por litigância de má-fé. Requereu a expedição de ofício para a CEF, a fim de comprovar o recebimento do valor na conta da autora. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos. Acostou documentos (evento 5).

Houve réplica (evento 10).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Passo a fundamentar e decidir.

O julgamento é antecipado, nos moldes do art. 355, inc. I, do NCPC, pois desnecessária a produção de outras provas, motivo pelo qual indefiro os pedidos postulados, por ocasião no anexo 1 do evento 5.

- Da falta de interesse de agir:

De logo, infere-se que os termos aventados quando da arguição da presente preliminar não ensejariam extinção sem julgamento de mérito, mas sim, eventual improcedência dos pedidos, de sorte que, por se confundirem com o mérito da demanda, com o qual serão equalizados.

Desse modo, rejeito a presente preliminar.

Do mérito:

Cuida-se a presente ação declaratória c/c com repetição de indébito, ao argumento de que parte autora teria contratado empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), desconhecendo que o fazia.

E, de logo, adianto que, malgrado a relação seja de consumo, era mister que ao menos se mostrasse verossímil o alegado pela parte autora, circunstância que não se constata.

De acordo com o artigo 2º, XIII, da Instrução Normativa do INSS/PRES nº 28/2008, que estabelece critérios e procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de cartão de crédito e empréstimos contraídos pelos beneficiários da Previdência Social, a reserva de margem consignável – RMC consiste no limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito. Com efeito, extrai-se do artigo 3º, III, do mesmo diploma, que a implementação do RMC depende de autorização expressa, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício.

Na situação posta, os documentos juntados pelo demandado e, inclusive, os documentos juntados pela autora, dão conta de que a requerente aderiu à proposta de cartão de crédito, e não contratou financiamento, como narrado na inicial, tendo autorizado à instituição financeira a reserva de margem consignável diretamente no seu benefício previdenciário.

Veja-se que o réu colacionou aos autos os documentos junto com a contestação, que dão conta de que houve a contratação entre as partes litigantes (anexo 5 do evento 5). Com efeito, ao analisar de maneira conjunta o contrato juntado com os documentos pessoais da demandante, nota-se que, em comparativo a olho nu, se trata da mesma assinatura constante em ambos os documentos. Afinal, se a autora não teve extraviados seus dados e documentos pessoais e que a parte requerida deles dispunha, tudo acompanhado do correto endereço residencial e até mesmo dos dados da conta bancária da autora - na qual foi efetivado crédito do saque correspondente à contratação, conforme documento juntado com a própria inicial -, com as assinaturas visualmente semelhantes, a conclusão é de que houve a contratação entre as partes, não havendo qualquer indicativo de fraude de terceiros para que o banco dispusesse de tais dados e documentos. Ademais, a autora sequer postulou a produção de prova pericial, a qual, seria, de todo modo, desnecessária.

Nesse sentido, segue a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DESCONTOS A TÍTULO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL RMC. CONTRATAÇÃO COMPROVADA. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA POR PARTE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. Ao contrário do alegado na inicial, trata-se de débito existente e devidamente contratado pelo autor, conforme demonstram os documentos juntados pela ré. Manutenção da sentença de improcedência. Honorários. Art. 85, § 11, do CPC. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70078475233, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 26/09/2018). (Grifei).

Em suma, haure-se dos autos que a autora aceitou a contratação sob a forma de cartão de crédito consignado e recebeu efetivamente o crédito correspondente à operação. Ademais, depreende-se dos termos do instrumento contratual anexado aos autos que o demandado apontou de forma clara e objetiva a modalidade da contratação que estava sendo oferecida à parte autora.

Dessa feita, não vislumbro nenhuma irregularidade no procedimento adotado pelo Banco.

No mesmo sentido do que aqui foi exposto, veja-se a jurisprudência:

“RECURSO INOMINADO. OBRIGACIONAL E RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. IDOSO. CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE. MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO DIVERSA DA CONTRATADA. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇAO QUE NÃO SE VERIFICA. INSTRUMENTO CONTRATUAL QUE DISPÕE COM CLAREZA A CARACTERÍSTICA DO EMPRÉSTIMO. JULGAMENTO COM BASE NO ART. 1.013, §3º, DO CPC. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSO IMPROVIDO.(Recurso Cível, Nº 71008727372, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fabio Vieira Heerdt, Julgado em: 29- 08-2019 – grifou-se)

“RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGÓCIOS BANCÁRIOS. CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA FORMA DE CARTÃO DE CRÉDITO (RMC). AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE IRREGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO. PARTE RÉ QUE SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO AO DEMONSTRAR A CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO PROVIDO.(Recurso Cível, Nº 71008589368, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Giuliano
Viero Giuliato, Julgado em: 29-08-2019 – grifou-se)

De mais a mais, na casuística, não cabe acolher qualquer tipo de alegação no sentido de que o documento contratual teria sido firmado “sem ler”. Ora, “as pessoas, na vida de relação, não podem ter a jurídica expectativa de poderem agir de forma negligente na condução de seus próprios negócios, envolvendo-se em relações jurídicas de forma desconsiderada e sem ler o que assinam, e depois pretender que o Direito lhes socorra e neutralize suas perdas” (Recurso Cível Nº 71002185338, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 18/12/2009).

Diante de tais premissas, não havendo comprovação de conduta ilícita por parte do réu, não há que se falar em dever indenizatório, tampouco em devolução de valores, razão pela qual a improcedência dos pedidos é corolário lógico.

Por derradeiro, no...

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