Decisão Monocrática nº 50025000720208210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 30-01-2023

Data de Julgamento30 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50025000720208210029
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003250840
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002500-07.2020.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Reconhecimento/Dissolução

RELATOR(A): Desa. VERA LÚCIA DEBONI

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA DE BENS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PRETENSÃO RECURSAL DE REFORMA. INVIABILIDADE. AFFECTIO MARITALIS NÃO COMPROVADA.
1. INVIÁVEL ACOLHER-SE A PREFACIAL DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA QUANDO SE VERIFIQUE QUE O PROCESSO TEVE TRAMITAÇÃO REGULAR, SENDO OBSERVADO O RITO ATINENTE E GARANTIDA A PRODUÇÃO DE PROVAS. A CONTRADITA Da testemunha ARROLADA PELA PARTE ADVERSA, POR SUSPEIÇÃO, DEVE SER REALIZADA APÓS A QUALIFICAÇÃO E ANTES DO DEPOIMENTO, SOB PENA DE PRECLUSÃO (ARTIGO 457, § 1º, do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). O PROCESSO CIVIL É SUBMINISTRADO PELO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO, DE MODO QUE CABE AO JULGADOR, EXTERNANDO AS RAZÕES DE SUA CONVICÇÃO, SOPESAR A RELEVÂNCIA DE CADA PROVA (artigo 371 do Código de Processo Civil).
2. O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL REQUER A PRESENÇA DOS CARACTERES DESCRITOS NO ARTIGO 1.723 DO CÓDIGO CIVIL, ISTO É, RELAÇÃO INVESTIDA DE PUBLICIDADE, DURABILIDADE E ESTABILIDADE E COM O ÂNIMO DE CONSTITUIR FAMÍLIA.
3. MESMO QUE APRESENTE INCONTROVERSA A EXISTÊNCIA DE RELACIONAMENTO AFETIVO, RECAI SOBRE A PARTE AUTORA O ÔNUS DE COMPROVAR A EXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS IMPRESCINDÍVEIS À CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.
4. CASO CONCRETO EM QUE A PROVA COLIGIDA AOS AUTOS NÃO SE AFIGUROU SUFICIENTE À DEMONSTRAÇÃO DA PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO CONSISTENTE NA INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA (AFFECTIO MARITALIS).
RECURSO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação interposta por Amanda M.A. (vinte e quatro anos de idade), inconformada com sentença da 1ª Vara Cível de Santo Ângelo, que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de dissolução de união estável movida em face do apelado, Vinícius V. (trinta e um anos de idade).

Em suas razões recursais, a apelante, preliminarmente, suscitou nulidade por cerceamento de defesa. Alegou que só foram considerados, na sentença, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo apelado. Afirmou que tais testemunhas, sem justificativa, não compareceram à audiência, de modo que foi designada outra data para a colheita dos depoimentos. Acrescentou que uma dessas testemunhas, Cinara, é amiga íntima do apelado, visto que frequentava a sua casa. Asseverou que a indigitada testemunha também é suspeita, em razão de ter declarado que seu marido teve um relacionamento amoroso com a própria apelante. Destacou que a suspeição foi consignada em termo, a requerimento de seu procurador, mas na sentença o depoimento foi considerado regular. No mérito, aduziu ter convivido maritalmente com o demandado, por quatro anos, entre 2016 e 2020, contribuindo para a formação do patrimônio a ser partilhado, composto por um imóvel e um veículo, assim como direitos reclamados em demanda trabalhista. Referiu que o demandado reconheceu a existência de união estável apenas entre março de 2019 e fevereiro de 2020, sendo que os bens teriam sido adquiridos anteriormente, em período de suposto namoro. Ressaltou, não obstante, que há declaração firmada por Helena M.P. comprovando que as partes residiram juntas de setembro de 2016 a maio de 2017, sendo que, posteriormente, passaram a morar com os genitores do recorrido, em razão de dificuldades financeiras. Discorreu sobre a prova oral, apontando incongruências na oitiva das testemunhas do réu, que, segundo sustentou, teriam sido instruídas a prestar declarações falsas, desqualificando a união estável havida entre eles. Pugnou, nesses termos, pela anulação da sentença ou, subsidiariamente, pelo provimento do recurso, a fim de que seja reconhecida a união estável e partilhados os bens.

Aportaram contrarrazões (evento 190).

O Ministério Público declinou de intervir (evento 8).

Vieram os autos conclusos em 14/10/2022 (evento 9).

É o relatório. Decido.

O recurso é apto, tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Principio por examinar a preliminar suscitada pela parte recorrente.

Adianto que não merece acolhimento.

A recorrente sustenta que houve cerceamento de defesa, mas sua argumentação não conduz à constatação de vício dessa natureza.

O processo teve tramitação regular. Após a apresentação das postulações das partes, foram instadas a dizerem sobre as provas que pretendiam produzir, havendo sido arroladas testemunhas, as quais foram ouvidas em audiência.

O fato de ter sido designada uma segunda audiência para colheita dos depoimentos de duas testemunhas arroladas pelo demandado, as quais não compareceram na primeira oportunidade, em nada destoa do ordinário.

Aliás, o § 5º1 do artigo 455 do Código de Processo Civil prevê que, em caso de não comparecimento, é cabível até mesmo a condução coercitiva da testemunha.

Há que se ressaltar, ademais, que as nulidades, no processo civil, só devem ser pronunciadas quando demonstrado efetivo prejuízo (artigo 282, § 1º2, do Código de Processo Civil).

Na hipótese dos autos, não se vislumbra prejuízo à autora pelo simples fato de ter sido designada uma segunda audiência de instrução.

No que se refere, especificamente, à testemunha Cinara S.S., está preclusa a oportunidade para a contradita.

A testemunha em questão foi regularmente arrolada – com nome completo, endereço e CPF –, em petição protocolizada no dia 27/11/2020 (evento 80 dos autos de origem).

O depoimento só foi colhido em 22/06/2022 (evento 169).

Daí se depreende que a parte autora teve mais de um ano e meio para preparar eventual contradita.

Contudo, no momento processual oportuno – isto é, quando foi tomado, pelo Magistrado, o compromisso da testemunha –, o procurador da parte autora silenciou, nada alegando que pudesse ensejar a caracterização de impedimento ou suspeição.

Somente em meio ao depoimento é que foi suscitada a questão envolvendo suposto relacionamento da autora com o ex-marido da testemunha.

Observe-se, não obstante, que a autora não confirma ter existido tal relação e, inclusive, nega que sua gravidez tenha resultado de tal enlace.

Nessa esteira, impende destacar-se que não há relação de parentesco entre a testemunha e as partes – a ensejar impedimento –, bem como que as causas de suspeição são apenas aquelas enunciadas pelo § 3º3 do artigo 447 do Código de Processo Civil, sendo elas:

I – inimizade ou amizade íntima com qualquer das partes;

II – interesse no litígio.

É evidente que a testemunha Cinara conhecia as partes, inclusive a autora, de maneira que não houve surpresa que pudesse justificar a admissão de contradita extemporânea.

Nos termos do artigo 457, § 1º4, do Código de Processo Civil, a arguição de incapacidade, impedimento ou suspeição de testemunha deve ser arguida e provada antes da tomada de compromisso e do início do depoimento.

No caso sob exame, isso não ocorreu, de maneira que está preclusa a oportunidade para invocar a suspeição.

Nesse mesmo sentido, os seguintes precedentes:

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS E DANOS MORAIS. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS SOB COMPROMISSO. ALEGAÇÃO DE QUE AS TESTEMUNHAS, EM RAZÃO DE IMPEDIMENTO, DEVERIAM TER SIDO OUVIDAS COMO INFORMANTES. IMPEDIMENTO ALEGADO APENAS NESTA FASE RECURSAL. DISCUSSÃO PRECLUSA. O momento oportuno da contradita da testemunha deve ser feito antes do início de seu depoimento, sob pena de restar preclusa a faculdade de contraditá-la, na forma do art. 457, § 1º, do CPC. [Grifou-se.] Hipótese em que, não tendo sido arguida a contradita no momento oportuno, operou-se a preclusão, não havendo como pretender, apenas em sede recursal, que os depoimentos prestados pelos filhos do casal, depoimentos tomados na qualidade de testemunhas sob compromisso, sejam tidos como tomados apenas na condição de informantes. Precedentes do TJRS e STJ. TERMO FINAL DA RELAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. Embora a demandante/apelante sustente que o marco final da união estável mantida entre as partes foi 07/03/2018 e não janeiro/2019, data esta considerada na sentença, razão não lhe assiste, não tendo cumprido com o ônus da prova imposto pelo art. 373, I, do CPC. Hipótese em que restou fixado corretamente na sentença o termo final da união estável entre as partes, pois com base na prova vinda ao processo, merecendo manutenção. PRETENSÃO DE PARTILHA DE VERBAS RESCISÓRIAS TRABALHISTAS DO EX-COMPANHEIRO PERCEBIDAS DURANTE A RELAÇÃO. DESCABIMENTO. Os valores percebidos em decorrência de reclamatória trabalhista, por serem considerados provento do trabalho pessoal, enquadrando-se na categoria de fruto civil do trabalho, não são partilháveis, na forma do art. 1.659, inciso VI, do Código Civil. Ademais, os extratos da conta do demandado junto à CEF evidenciam que o depósito dos valores oriundos da reclamatória trabalhista ocorreram durante a união estável, tendo os filhos do casal referido em juízo que parte do valor da rescisão realizada na justiça foi aplicado na compra dos terrenos da praia que restaram partilhados, presumindo-se, portanto, que a quantia que resultou foi consumida com o pagamento de despesas do grupo familiar, por não haver prova em sentido contrário, não havendo falar, também por isso, em sua partilha. Precedentes do TJRS. PARTILHA DE DIREITOS E AÇÕES REFERENTES A BEM IMÓVEL. TERRENO SITUADO EM ÁREA INVADIDA E RESIDÊNCIA SOBRE ELE EDIFICADA, NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. CABIMENTO. Ainda que reste inviabilizada a partilha do imóvel, por situar-se em área invadida (imóvel localizado em favela), possível a partilha dos direitos e ações decorrentes da ocupação do referido imóvel, impondo-se a manutenção da partilha da posse sobre o terreno e a casa sobre ele...

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