Decisão Monocrática nº 50033997120208210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 05-05-2023

Data de Julgamento05 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50033997120208210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003679897
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5003399-71.2020.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. EUGENIO FACCHINI NETO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

EMENTA

APELAÇÕES CÍVEIS. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SECAGEM DE FUMO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEVER DO FUMICULTOR DE ADOTAR PROVIDÊNCIA PARA EVITAR O DANO. ESPECIFICIDADE DE SUA CULTURA AGRÍCOLA. NECESSIDADE DE INSTALAÇÃO DE GERADOR PRÓPRIO. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. HAND FORMULA. CHEAPEST COST AVOIDER. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. CAMAQUÃ. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA ACOLHIDA APENAS EM PARTE. REPARTIÇÃO DOS RISCOS.

1. Contam-se aos milhares os processos judiciais ajuizados por fumicultores de nosso Estado, pretendendo a responsabilização civil das concessionárias de energia elétrica, em razão de perdas de produção do fumo devidas à interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem. Diante do aumento do número de processos judiciais e da elevação das pretensões indenizatórias, esta Câmara passou a entender ser razoável exigir-se dos fumicultores que estejam preparados para as inevitáveis e previsíveis intempéries climáticas anuais em nosso Estado, adquirindo geradores de energia que possam ser ativados em caso de interrupção da luz.

2. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. Constatando-se que os custos para instalação de um gerador não são elevados, ficando abaixo de boa parte das pretensões indenizatórias apresentadas, é razoável, econômica e juridicamente, exigir-se que os fumicultores adotem providências para evitar os danos. Como fundamento para tal exigência, invoca-se a doutrina do “duty to mitigate the loss”, que vem tendo boa acolhida doutrinária e jurisprudencial em nosso país, além de ser bastante conhecida no direito comparado, inclusive com consagração normativa internacional. À míngua de legislação específica, tal doutrina coaduna-se perfeitamente como uma das aplicações do princípio (ou cláusula geral) da boa-fé objetiva, dentro de uma visão cooperativa de relacionamento contratual e dentro da função de criação de deveres instrumentais, laterais ou anexos, inerentes à boa-fé objetiva.

3. CHEAPEST COST AVOIDER. Caso se examine a questão sob a ótica da análise econômica do direito, pode-se invocar a doutrina do cheapest cost avoider. Esta doutrina defende a idéia de que um critério objetivo para minimizar perdas e evitar custos consiste em tentar identificar quem pode evitar o dano a um menor custo. No caso em tela, diante da inevitabilidade da ocorrência de interrupções de energia elétrica, mesmo que por curtos períodos, o cultivador de tabaco pode evitar os danos a um custo menor, com a aquisição de gerador no-break.

4. Igualmente é possível a invocação da conhecida “FÓRMULA DE HAND” (Hand Formula), segundo a qual pode-se identificar uma negligência quando o custo para se evitar o dano é inferior ao valor do potencial prejuízo, multiplicado pela probabilidade de que ele venha a ocorrer. No caso dos fumicultores, tal custo é relativamente reduzido (instalação de gerador no-break), comparando-se com a previsível ocorrência de prejuízos derivados mesmo de curta interrupção do fornecimento de energia elétrica durante o processo de secagem.

5. ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO. Ao não adequar sua conduta de modo a evitar o próprio dano ou o seu agravamento, isto é, ao não observar o encargo de afastamento do dano ou minimização de sua extensão, a vítima pode perder, total ou parcialmente, o direito à indenização pelo respectivo dano que poderia ter evitado sofrer. Esse efeito pode ser extraído da análise dos arts. 402, 403 e 945 do CC. Doutrina a respeito.

6. A questão em tela não pode ser analisada exclusivamente do ponto de vista individual (justiça corretiva), já que ela necessariamente tem implicações sociais (justiça distributiva), pois o repasse dos custos dos danos do fumicultor individual para a concessionária de energia elétrica, num primeiro momento, acaba repercutindo sobre toda a sociedade, já que no regime capitalista todo e qualquer custo ou prejuízo transforma-se em preço ou tarifa. Consequentemente, cedo ou tarde, o valor das indenizações redundará em aumento da tarifa a ser paga por toda a sociedade.

7. Assim, resta esclarecido que não se trata de um posicionamento que desconsidera os interesses do consumidor específico (o fumicultor), pregando-se a volta do lamentável caveat emptor. Trata-se, isso sim, de um posicionamento que procura proteger os interesses da generalidade dos consumidores (todos os usuários de energia elétrica, que, ao fim e ao cabo, pagarão a conta), ao mesmo tempo em que procura demonstrar que, do ponto de vista da racionalidade econômica, é mais vantajoso para os próprios fumicultores evitarem os danos do que posteriormente demandarem para obter sua reparação.

8. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos sofridos pelo demandante derivam da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas. Nessa hipótese, os prejuízos sofridos pelo fumicultor serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica o restante 1/3.

9. Nas hipóteses de interrupção por período superior a 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária, ressalvadas as hipóteses de força maior e a orientação jurisprudencial da Câmara.

10. Caso concreto em que o autor alega interrupção em três períodos distintos, sendo duas em dezembro de 2017 (a primeira superior à 24hs e a segunda inferior) e uma em janeiro de 2018 (inferior à 24hs), o que atrai a aplicação do novo entendimento de repartição de risco, mormente em razão das peculiaridades do caso, devidamente esposadas na fundamentação.

11. Readequação, ademais, dos consectários legais, com aplicação da Selic.

12. Sucumbência: considerando que o autor litiga sob o amparo de gratuidade, deve ser afastada a determinação de abatimento dos ônus sucumbenciais do crédito a ser recebido (valor da condenação), tendo em vista que este, no caso, possui natureza nitidamente remuneratória (alimentar). Afinal, é dos frutos obtidos com a venda do fumo que o autor, agricultor em sistema de economia familiar, retira o sustento de sua família.

APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS, DE PLANO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

NELSON ESPIRING MARON, de um lado, e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE/D, de outro, apelam de sentença do Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Camaquã (evento 26, SENT1) que assim decidiu a lide:

(...)

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 4.757,61 (quatro mil setecentos e cinquenta e sete reais e sessenta e um centavos), com correção monetária pelo IGP-M a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Publique-se; registre-se; intime-se. Em nada sendo requerido, arquive-se.

(...)

Em suas razões (evento 32, APELAÇÃO1) o autor sustenta, resumidamente, que a ré deve ser responsabilizada pela integralidade de seu prejuízo, considerando que as interrupções de energia elétrica nas datas mencionadas na inicial foram excessivas, causando o prejuízo alegado. Ressalta a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto. Discorre sobre a necessidade de não se reconhecer a culpa concorrente na casuística, afirmando que um gerador não seria suficiente para impedir seu prejuízo, já que a primeira interrupção se deu por período de 31horas. Reitera não possuir condições de adquirir um gerador e que é obrigação da requerida fornecer energia elétrica com qualidade e de forma contínua. Afirma que os laudos da ré não se prestam como prova, pois foram assinados por pessoa diferente do técnico que realizou a vistoria. Por fim, insurge-se contra a distribuição dos ônus sucumbenciais e a determinação de desconto das custas processuais, considerando que litiga com amparo de AJG. Cita precedentes que reputa favoráveis à sua tese. Pede a reforma da sentença nos pontos atacados.

Já a ré, em suas razões (evento 49, APELAÇÃO1), sustenta que existem circunstâncias, no caso, que levam a improcedência da pretensão inicial. Discorre sobre a ocorrência de força maior na data de 17/12/2017. Ressalta a culpa concorrente do autor ao não providenciar gerador de energia, reiterando a inaplicabilidade do CDC ao caso concreto. Discorre sobre a atividade agrícola praticada pelo autor e os riscos inerentes. Pede seja afastada a condenação. Em caráter sucessivo, pugna pelo reconhecimento da culpa concorrente na proporção de 1/6 para a ré e 5/6 para o autor. Discorre sobre o ajuizamento de outras demandas pelo autor, o que poderia ensejar inclusive a sua culpa exclusiva. Cita precedentes. Discorre sobre os consectários legais, pugnando...

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