Acórdão nº 50040801020198212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50040801020198212001
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003265965
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004080-10.2019.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Investigação de Maternidade

RELATOR: Juiz de Direito ROBERTO ARRIADA LOREA

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de recurso de Apelação interposto por A.T.D.A.J., representado por sua curadora e irmã, S.D.M.A., irresignado com a sentença que, nos autos da Ação de Reconhecimento de Maternidade Socioafetiva Post Mortem e Multiparentalidade, movida em face de Sucessão de M.F.D.V., representada pelo filho, J.L.V.K., julgou improcedente a presente ação.

Em suas razões recursais, aduz que existe vínculo socioafetivo entre ele e a falecida M. desde os seus três anos de idade. Menciona que a sua genitora biológica lhe abandonou quando ainda era muito pequeno, ficando sob os cuidados do genitor com os seus irmãos. Destaca que o pai constituiu união estável com M., a qual assumiu como filho. Refere que, mesmo após a separação do pai e de M., quando já contava com 23 anos, permaneceu sendo tratado como filho por ela. Relata que foi diagnosticado com esquizofrenia, e, posteriormente, foi interditado provisoriamente no ano de 2016, sendo sua irmã, S., nomeada como sua curadora. Com a intenção de comprovar o vínculo materno, alude que juntou aos autos documentos das suas escolas, nas quais M. era sua responsável, bem como anexou uma cópia da ação de alimentos nº 001/1.05.1980914-2, na qual M. postulou pensão do pai, sob a alegação de ter “contribuído com a criação, a educação e a instrução dos filhos que o requerido trouxe de leito anterior”. Diz que, em razão de ter doença psiquiátrica grave e não ter condições de trabalhar, passa por sérias dificuldades financeiras, ao passo que M. deixou ao menos um bem imóvel a ser inventariado. Colaciona jurisprudência. Assevera que M. não lhe abandonou, mas que apenas se ausentou nos últimos anos, devido à doença que lhe acometera. Informa que sua pretensão não tem cunho patrimonial, mas afetivo. Alude sobre a prova oral produzida, concluindo que tem duas mães, uma biológica e outra socioafetiva, o que evidencia o reconhecimento da multiparentalidade.

Ao final, pugna pelo provimento do recurso, a fim de que seja reconhecida a maternidade socioafetiva, incluindo-se o nome de M.F.D.V. como sua mãe na certidão de nascimento, com a inclusão dos nomes dos avós maternos, mantendo-se o nome da genitora biológica, ante o instituto da multiparentalidade invocado (evento 147, do processo originário).

Com contrarrazões (evento 151, do processo originário), o Ministério Público opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso, vindo conclusos os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso, porque preenchidos os requisitos de admissibilidade, resta conhecido.

Busca o apelante a reforma da sentença proferida, que julgou improcedente a pretensão veiculada na inicial, a fim de que seja reconhecida a maternidade socioafetiva alegada.

Com efeito, em que pesem as razões recursais, razão não assiste ao apelante, devendo ser mantida hígida a sentença recorrida.

Para a configuração de adoção póstuma ou reconhecimento de maternidade socioafetiva post mortem, é necessário demonstrar, estreme de dúvida, a manifestação de vontade da de cujus - de forma expressa e formal - o que não se denota no caso concreto.

Assim, deve ser mantida íntegra a sentença de improcedência, adotando-se, como razões de decidir, o bem lançado parecer do eminente Procurador de Justiça Fabio Bidart Piccoli, in verbis:

"De início, cumpre referir que o objetivo da ação intentada equipara-se à adoção póstuma, cabível somente para o fim de preservação da filiação já concretizada juridicamente, fundada em ato formal e voluntário, que pode dar-se por via do registro civil ou de testamento. Além disso, o artigo 42, §6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente1 exige a comprovação da inequívoca manifestação de vontade por parte do adotante:

Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.

(...)

§6º. A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já referiu que “para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição”2.

No caso em tela, o autor apresenta mãe registral, quem alegadamente abandonou-o com seu pai, quando ele ainda era pequeno. Narra a exordial que, logo depois desse fato, o genitor estabeleceu união estável com Marlene, tornando-se esta sua madrasta.

Ocorre que o reconhecimento da existência de relação afetiva entre enteado e madrasta não pode nem deve ser confundido com circunstância que origine reconhecimento de vínculo parental socioafetivo. Veja-se que a validade do registro de nascimento não foi questionada nos autos, e não existe indício algum de vontade da de cujus, sua madrasta, em manter com o demandante a maternidade socioafetiva aventada, tendo em vista as consequências jurídicas daí decorrentes.

Aqui, reconhece-se que, excepcionalmente, os requisitos caracterizadores da maternidade socioafetiva post mortem podem ser demonstrados através de prova oral, não se exigindo o ajuizamento prévio de ação de adoção ou a manifestação do interesse em testamento para que seja caracterizada a intenção da de cujus. No entanto, como bem observado pela ilustrada Promotora de Justiça, a audiência de instrução apenas confirmou a existência de união estável entre Marlene e o pai do autor, de modo que “o carinho e cuidados dispensados ao filho do consorte fazem parte do necessário zelo e são sentimentos e práticas até necessários para manter uma relação marital” (Evento 137, PROMOÇÃO1, fl. 11).

Além disso, “houve separação do genitor no ano de 1993, ocorrendo o falecimento da pretensa mãe socioafetiva Marlene somente em 2017, tempo suficiente para que houvesse manifestação expressa da vontade ou regulação de eventual situação em vida” (Evento 137, PROMOÇÃO1, fl. 12). Ao contrário, a pretensão aqui exposta só foi deduzida em juízo após o falecimento da pretensa mãe adotiva, quando, por óbvio, não poderia externar sua vontade.

A respeito, o reiterado pronunciamento dessa colenda Câmara:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVAS. ADOÇÃO POST MORTEM. PROVA INEQUÍVOCA DA INTENÇÃO DE ADOTAR. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA CONFIRMADA. AUSÊNCIA DE OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. NÍTIDA PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA JÁ DECIDIDA. VEDAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. FIM ESPECÍFICO. DESCABIMENTO DA VIA ELEITA. Não estando presentes os pressupostos específicos de cabimento dos embargos de declaração, é caso de rejeitá-los. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESACOLHIDOS. (Embargos de Declaração Nº 70074081290, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 28/06/2017. Grifou-se.)

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA POST MORTEM. ADOÇÃO PÓSTUMA. AUSENCIA DE EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA ADOTANTE. Embora demonstrado o vínculo afetivo entre a falecida mãe dos apelantes e a apelada, também falecida, ausente prova inequívoca e expressa da vontade da adoção, inviabilizando o deferimento do pedido de adoção póstuma. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70073346710, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 28/06/2017. Grifou-se.)

AÇÃO ORDINÁRIA. RECONHECIMENTO DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA OU ADOÇÃO PÓSTUMA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA FALECIDA. PRETENSÃO DE OBTER TÍTULO SUCESSÓRIO. DESCABIMENTO. 1. É manifestamente improcedente a pretensão da autora de obter o reconhecimento de filiação socioafetiva ou de adoção póstuma, quando a pessoa apontada como mãe é na verdade tia paterna, que sempre tratou a autora como sobrinha e foi por ela tratada como tia. 2. Não se cogita da posse do estado de filha, quando a falecida teve um filho adotivo (que é o herdeiro necessário dela) e jamais teve relação fraterna com a autora. 3. Mesmo sendo claro interesse da autora em obter título sucessório, é forçoso convir que a falecida tia não deixou patente, em momento algum, a vontade de adotá-la, nem tomou qualquer medida tendente ao estabelecimento do vínculo de filiação, como também não manifestou tal intenção em testamento, nem assegurou a ela a condição de herdeira testamentária ou mesmo de legatária. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70072630544, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 29/03/2017. Grifou-se.)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE MATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM. MADRASTA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO PARENTAL. ÓBICE DO ART. 1.604 DO CCB. PRECEDENTES. Autor que apresenta mãe registral, casada com seu pai registral, o qual, após a morte da esposa, estabeleceu união estável com outra mulher, tornando-se ela sua madrasta. O reconhecimento da existência de relação afetiva entre enteado e madrasta não pode nem deve ser confundido com circunstância que origine reconhecimento de vínculo parental socioafetivo. Validade do registro de nascimento não questionada e ausência de qualquer indício de vontade da de cujus, sua madrasta, em manter com o demandante a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT