Decisão Monocrática nº 50043773220188210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 08-03-2022

Data de Julgamento08 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRemessa Necessária
Número do processo50043773220188210132
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001805859
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Remessa Necessária Cível Nº 5004377-32.2018.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Acidente (Art. 86)

RELATOR(A): Des. EUGENIO FACCHINI NETO

PARTE AUTORA: CEZAR ROGERIO DE OLIVEIRA FLORES (AUTOR)

PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

REEXAME NECESSÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. NÃO CONHECIMENTO. sentença aparentemente ilíquida. condenação de valor facilmente determinável. potencial econômico da condenação que, EM JUÍZO DE PROJEÇÃO, não alcançará o teto estabelecido no art. 496, § 3º, I, do cpc/2015. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL.

1. A nova redação dada ao art. 496, §§ 1º e 3º, do CPC/2015 disciplina o reexame necessário de forma diversa do CPC/73. Á primeira vista se poderia pensar que a alteração legislativa se limitou ao aumento do teto do valor estabelecido como parâmetro para a submissão ao reexame oficioso – que de 60 (sessenta) salários mínimos passou para 1.000 (mil), em se tratando da União.

2. Contudo, embora evidente e altamente significativa, essa não foi a única modificação, visto que o parágrafo primeiro, ao substituir a expressão “haja ou não apelação” pela expressão “não interposta a apelação no prazo legal”, deixou claro que a remessa de ofício se dará apenas se ausente o recurso voluntário.

3. Na linha das transformações operadas, se antes talvez fosse compreensível a submissão irrestrita e em larga escala de toda e qualquer sentença ilíquida proferida contra a fazenda pública ao duplo grau de jurisdição, mesmo quando o potencial econômico da condenação fosse insignificante ou relativamente módico (como forma de “proteger” o patrimônio público) e não houvesse recurso da parte interessada, hoje tal imposição não mais se sustenta.

4. Destarte, a manutenção do reexame obrigatório em nosso ordenamento jurídico se justifica apenas em casos especiais, a saber: quando o valor da condenação, ainda que ilíquido, for realmente alto (isto é, evidentemente acima do teto estabelecido no novel diploma processual, mesmo em juízo de projeção), e não houver recurso voluntário da Fazenda Pública. Viabilidade de se fazer o juízo de admissibilidade com base em projeção que já encontrava respaldo em precedentes do STJ na vigência do CPC/73.

5. No caso em exame, não houve recurso voluntário. Não obstante, embora aparentemente “ilíquida”, é possível constatar que o valor da condenação não tem a menor possibilidade de ultrapassar o teto estabelecido no art. 496, § 3º, inciso I do CPC/15.

REMESSA DE OFÍCIO NÃO CONHECIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de reexame necessário de sentença proferida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Sapiranga (evento 2, out 5, fls. 27/34, dos autos de primeiro grau), nos autos da ação ordinária que CEZAR ROGÉRIO DE OLIVEIRA FLORES ajuizou contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, que julgou procedente o pedido para condenar a autarquia ao pagamento do auxílio-acidente desde o dia posterior a cessação do auxílio-doença, observada a prescrição quinquenal.

Encaminhados os autos ao Ministério Público, sobreveio parecer do Procurador de Justiça pelo não conhecimento da remessa necessária (evento 7 dos autos de segundo grau).

É o relatório.

Analiso.

Decido monocraticamente a questão, forte no art. 932, III, do CPC/2015, sob registro de que a matéria encontra-se pacificada por esta Câmara.

Cediço que o STJ, em sede de recurso repetitivo1 (art. 543-C do CPC), firmou entendimento – que redundou na edição da Súmula 4902 –, no sentido da obrigatoriedade de realização do reexame necessário de sentenças condenatórias ilíquidas proferidas contra a Fazenda Pública.

Tal entendimento alicerçou-se especialmente no Código de Processo Civil de 1973, cujo art. 475 assim prelecionava:

(...)

Art. 475: Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, os Estados, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2º. Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo e não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

(...)

Ocorre que o legislador infraconstitucional, ao editar o novo Código de Processo Civil, optou por disciplinar a matéria de forma diversa, dando-lhe novos contornos, esses muito mais condizentes com a realidade hodierna enfrentada pelos tribunais pátrios, senão vejamos:

(...)

Art. 496: Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.

(...)

§ 3º. Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I – 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – 500 (quinhentos) salários mínimos para os Estados e as respectivas autarquias e fundações e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;

III – 100 (cem) salários mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público

(...)

À primeira vista se poderia pensar que a alteração legislativa se limitou ao aumento do teto do valor estabelecido como parâmetro para a submissão ao reexame oficioso – que de 60 (sessenta) salários mínimos passou para 1.000 (mil), em se tratando da União e suas autarquias e fundações de direito público.

Contudo, embora ‘gritante’ e extremamente significativa, essa não foi a única modificação. Isso porque o parágrafo primeiro, ao substituir a expressão “haja ou não apelação” pela expressão “não interposta a apelação no prazo legal”, deixou claro e cristalino que a remessa de ofício se dará apenas e tão somente se ausente o recurso voluntário.

Como bem pontuou o Colega Richinitti, no voto que capitaneou a mudança de entendimento desta Câmara acerca do tema (proferido nos autos da Apelação Cível nº 70070429097, julgada na sessão de fevereiro de 2017:

(...)

“É de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.”

(...)

Quis o legislador, portanto, com essas duas alterações significativas, reduzir drasticamente o número de processos remetidos aos tribunais para o reexame de ofício, cuja prática em larga escala, embora pudesse encontrar importante justificativa no passado, hoje não mais se sustenta, ao menos não na conformação anterior.

Peço vênia aos Colegas pela digressão que seguirá, a qual julgo necessária para contextualização do problema e justificação do posicionamento que passarei a adotar.

Especialmente a partir de meados do século passado, o Estado passou a atuar em várias frentes, inclusive no domínio econômico. Inúmeras empresas públicas, autarquias e sociedades de economia mista foram criadas para atender as demandas da população, abrangendo as áreas de energia elétrica, telefonia, saneamento básico, saúde, exploração de minérios, dentre outras, passando a configurar o que veio a ser chamado de “estado máximo”, dotado de uma administração burocrática, e, não raro, corrupta (infelizmente). Por evidente, quanto mais abrangente era o seu leque de atuação, maior o número de demandas judiciais que passou a enfrentar. E mais difícil tornou-se a defesa de seus interesses em juízo, pois não contava com quadro de pessoal suficiente e técnico para fazer frente ao grande número de demandas nas mais diversas áreas. Levou-se tempo para a formação de um quadro próprio de profissionais da área do direito, especializados na defesa do interesse patrimonial dos entes públicos.

Para contornar a situação, o legislador viu-se obrigado a editar normas que pudessem garantir a máxima proteção possível ao erário, dentre as quais destacam-se duas que sobreviveram as sucessivas reformas constitucionais e legais, a saber: a que confere prazos processuais em dobro para a Administração Pública e o próprio Reexame Necessário – objeto central desta análise. Pode-se mencionar também a previsão de participação do Ministério Público em todas as causas em que fosse parte a Fazenda Pública, mesmo que estivesse ela defendendo apenas seu interesse patrimonial (o chamado interesse público secundário) e não o verdadeiro interesse público (dito primário).

Em breve escorço histórico, vale lembrar que o referido instituto, em se tratando de fazenda pública, teve sua origem na Lei ordinária de 04 de outubro de 1831, a qual versava sobre a “Organização do Thesouro Publico Nacional e das Thesourarias das Províncias”, mais precisamente em seu artigo 90,3 o qual dispunha, de forma genérica,...

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