Decisão Monocrática nº 50047250820198210070 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 14-02-2023

Data de Julgamento14 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50047250820198210070
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003299555
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004725-08.2019.8.21.0070/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ato infracional análogo ao crime previsto no art. 217-A, “caput”, do Código Penal. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. procedência da representação.

Comprovadas a autoria e a materialidade do infracional equiparado ao crime de resistência, previsto no artigo 217-A "CAPUT" do Código Penal, o julgamento de procedência da representação oferecida pelo Ministério Público torna-se medida que se impõe.

Precedentes do TJRS.

APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA pelo prazo mínimo de seis meses .

Tratando-se de ato infracional análogo ao crime previsto no art. 217-A, “caput”, do Código Penal, em que a vítima, à época, com 7 anos de idade, sendo irmão unilateral do representado, apresentou tanto em juízo quanto em avaliação psíquica depoimento firme e coeso e, como cediço, em fatos desta natureza, que são usualmente cometidos na clandestinidade, o que lhes empresta significativo valor probante, que não possui qualquer tese defensiva minimamente crível pelo representado.

Hipótese em que autorizada a aplicação de medida socioeducativa de liberdade assistida, pelo prazo mínimo de seis meses, visando coibir a inclinação/tendência criminosa do adolescente, cumprindo evitar que fatos como estes se repitam futuramente.

Precedentes TJRS.

Apelação provida.

DECISÃO MONOCRÁTICA

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL interpõe apelação nos autos da REPRESENTAÇÃO ajuizada em face de LEONARDO E. L., imputando-lhe o cometimento do ato infracional análogo ao crime previsto no artigo no artigo 217-A do Código Penal, na forma do artigo 103, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, diante da sentença de improcedência da demanda, conforme o dispositivo a seguir (evento 94):

ANTE O EXPOSTO, julgo IMPROCEDENTE o pedido contido na representação, para ABSOLVER o representado LEONARDO E. L. das imputações que lhe foram feitas, o que faço com fundamento no art. 189, inciso II, do ECA.

Sem custas, forte no que dispõe o artigo 141, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Intime-se, inclusive os pais ou responsáveis.

Anote-se no CNJ.

Com o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.

Em suas razões, sustenta que a materialidade e a autoria do delito em tela restaram plenamente configuradas nos autos, motivo pelo qual reitera, na íntegra, os memoriais lançados no evento 88.

Refere que, infelizmente, deve-se admitir, não se colheu no curso da fase pré-processual o exame de corpo de delito, tendo em vista que a genitora não compareceu com o menor ao procedimento agendado. Entretanto, é perceptível e perfeitamente compreensível a postura da genitora, tendo em vista que certamente visou a proteger o filho dos sentimentos dolorosos provocados pela rememoração do fato, almejando impedir que a vítima revivesse a situação traumática pela qual passou, como também enfrentasse uma nova situação para a qual não apresentaria maturidade. Ressalta que a vítima tem o direito ao esquecimento dos fatos, justamente para evitar o revolvimento de suas angústias.

Argumenta que o conjunto probatório do presente feito careceu da realização do exame corpo de delito e foi embasado exclusivamente em depoimentos de testemunhas, provas documentais e pela oitiva da vítima, muito em virtude das razões acima delineadas, a violência sexual praticada contra a criança apresenta um cenário difícil de ser completamente elucidado, justamente porque, juridicamente, a criança vítima é responsável pela produção da prova da violência a qual foi submetida, tendo em vista que tais atos são praticados, em regra, longe da vista de eventuais testemunhas.

Aduz que a vítima, Kayron, foi claro ao descrever o ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável, ainda que condizente em atos diversos da conjunção carnal, diferentemente do que constou na representação e no registro policial. Assevera que Kayron foi resistente em relatar os fatos ocorridos, provavelmente utilizando como defesa o mecanismo conhecido pela psicologia como negação.

Feitas tais considerações, sublinha que conjunto probatório não pode ser visto de forma isolada, com o fatiamento de seus elementos, mas contextualizado diante de um cenário ocorrido com uma criança de 07 anos à época, que naturalmente não reunia as mesmas condições de um adolescente ou adulto em suas verbalizações, tampouco solidez emocional para esse propósito, não podendo sua fragilidade ser fundamento para ensejar dúvidas acerca de um fato extremamente delicado, sob o risco de penalizar a vítima duplamente.

Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO, uma vez conhecida a apelação, seu provimento, para o fim de reformar a sentença no sentido de julgar procedente a representação e reconhecer a prática do ato infracional de estupro e vulnerável pelo Apelado.

Foram apresentadas contrarrazões, requerendo o conhecimento e o improvimento do recurso interposto pelo Ministério Público, e, subsidiariamente, caso a sentença seja reformada, que seja aplicada a medida socioeducativa de advertência ao apelado.

Nesta Corte, manifestou-se o Ministério Público pelo provimento da apelação (evento 8 do recurso).

É o relatório.

Efetuo o julgamento na forma monocrática, forte no art. 206, XXXVI, do RITJRS, combinado com o art. 932, VIII, do CPC.

A apelação interposta merece provimento, observada a orientação jurisprudencial no âmbito deste Tribunal de Justiça e no STJ.

Com efeito, de acordo com o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “ato infracional é a conduta prevista na lei penal como crime ou contravenção penal, que respeita ao princípio da reserva legal, e representa ‘pressuposto do acionamento do Sistema de Justiça da Infância e da Juventude’. (...) a estrutura do ato infracional segue a do delito, sendo um fato típico e antijurídico, cuja estrutura pode ser assim apresentada: a) conduta dolosa ou culposa, praticado por uma criança ou adolescente; b) resultado; c) nexo de causalidade; d) tipicidade (adotando, o Estatuto, a tipicidade delegada, tomando-se ‘emprestada’ da legislação ordinária, a definição das condutas ilícitas); e) inexistência de causa de exclusão da antijuridicidade. (...) O adolescente, portanto, somente responderá pelo seu ato se demonstrada a ocorrência de conduta típica, antijurídica e culpável.”, conforme prelecionam Luciano Alves Rossato, Paulo Eduardo Lépore e Rogério Sanches da Cunha, na obra conjunta Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069/90 – comentado artigo por artigo, pp. 365-366, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019.

Trata-se aqui de representação, atribuindo ao representado a prática do ato infracional equiparado ao crime descrito no art. 217-A, caput, do Código Penal, na forma do art. 103, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, pela prática do seguinte fato:

“No dia 18 de novembro de 2018, aproximadamente às 14h, na Localidade de Linha Maraguata, na cidade de Rolante/RS, o representado LEONARDO E. L. praticou atos libidinosos, com a vítima, KAYRON GUSTAVO O. L., com 7 (sete) anos à época dos fatos.

Na oportunidade, o representado, na condição de irmão da vitima, praticou o ato sexual, aproveitando-se da ingenuidade do infante que, na época dos fatos não tinha necessário discernimento, sendo que Leonardo aproveitou-se do momento em que estavam sozinhos para praticar os atos libidinosos, consistentes em penetração anal e colocação dos dedos no ânus.

Insta consignar que, o Ministério Público ajuizou ação cautelar de produção antecipada de prova, com o intuito de comprovar a ocorrência do ato libidinoso, através do depoimento especial da vítima, conforme mídia digital (070/5.18.0000503-4). No áudio, em torno de 13min, o menor Kayron, ao mencionar o nome do irmão, ora representado, demonstrou grande abalo emocional, restando evidente a prática do ato infracional”.

Oportuno salientar que o exame de corpo de delito é prescindível em casos como o presente, em que a ação do representado pode não deixar vestígios e, por isso, tal não seria constatado em exame de corpo de delito, de modo que se pode demonstrar a ocorrência do ato infracional equiparado ao crime de estupro de vulnerável em tais circunstâncias por outras provas, inclusive pela palavra da vítima, quando convincente e segura.

Neste sentido (grifo):

ECA. ATO INFRACIONAL. ESTUPRO. PROVA. PALAVRA DA VÍTIMA. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. ADEQUAÇÃO. NULIDADE POR AUSÊNCIA DO LAUDO INTERDISCIPLINAR. INOCORRÊNCIA. (...) 3. Cuidando-se de ato infracional tipificado como estupro de vulnerável, mediante a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, praticado sem deixar vestígios, é irrelevante a inexistência de auto de exame de corpo de delito, podendo o fato ser comprovado, como foi, pelo relato da vítima, que descreveu o abuso sofrido, de forma clara, em consonância com a narrativa da genitora, que chegou no local logo após. (...) Recurso desprovido. (Apelação Cível, Nº 70076448950, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 28-03-2018)

Há de que verificar se no dia 18 de novembro de 2018, na Localidade de Linha Maragata, na cidade de Rolante/RS, Leonardo, efetivamente, praticou atos libidinosos com a vítima Kayron., seu irmão unilateral, menor de 14 (quatorze) anos na data dos fatos, ambos filhos de Daniel.

Na espécie, a materialidade e a autoria do ato infracional equiparado ao crime de estupro de vulnerável resta demonstrado pela prova constante nos autos.

Com efeito, a materialidade e autoria do delito de estupro de vulnerável restou comprovada, conforme registro de ocorrência (fl. 06,...

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