Decisão Monocrática nº 50048867020168210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 17-04-2022

Data de Julgamento17 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50048867020168210022
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002102616
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5004886-70.2016.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação do réu Jefferson Lopes Rossales contra sentença do juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Pelotas/RS, que acolheu parcialmente denúncia do Ministério Público, absolvendo-o das sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 CP, com base no art. 386, inc. VII, do CPP, e o condenando como incurso nas iras do art. 16, § 1º, inc. IV, da Lei n° 10.826/03, às penas de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e multa de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da condenação, e prestação pecuniária, consistente no pagamento de um salário mínimo), em razão dos seguintes fatos:

1. No dia 25 de março de 2016, por volta de 03h15min, na Rua Marechal Deodoro, nº 357. Bairro Centro, nesta Cidade, o denunciado tinha em depósito, para venda a consumidores, uma porção de cannabis sativa Lineu, vulgarmente conhecida como maconha, que contém tetrahidrocanabino/, pesando aproximadamente 2,51 gramas, e uma pedra de cocaína, processada na forma de crack, pesando aproximadamente 29,11 gramas, substâncias entorpecentes que causam dependência física e psíquica (laudos de constatação da natureza das substâncias de fls. 26/29 e laudos toxicológicos definitivos das substâncias entorpecentes de fls. 77/80), sem autorização e em desacordo com a determinação lega/ e regulamentar.

2. Ainda na mesma ocasião, o denunciado possuía uma pistola, 9 milímetros, marca 7âurus, com numeração raspada, de uso restrito, apreendida em seu poder, sem autorização e em desacordo com determinação lega/ ou regulamentar (auto de apreensão de fls. 07/08 do P).

Na oportunidade, policiais militares receberam informações de que havia um sujeito traficando drogas na Rua Marechal Deodoro, nº 357, Bairro Centro. Em face disso, dirigiram-se ao loca/ indicado, avistaram o denunciado Jefferson em frente a residência. Ao perceber a presença da viatura da Brigada Militar, Jefferson dispensou sua carteira e comeu para dentro da casa, iniciando-se uma perseguição. OS policiais militares lograra êxito em alcançá-lo e detê-lo.

Ato contínuo, os policiais efetuaram diligências na residência, quando, então, encontraram e apreenderam uma porção de maconha, pesando aproximadamente 2,51 gramas, e uma pedras de crack, pesando aproximadamente 29,11 gramas, além de uma balança de precisão e a acima referida arma de fogo (auto de apreensão de fls. 07/08 do P).

Além disso, também foi apreendida a quantia de R$1.137,00 em dinheiro trocado (auto de apreensão de fls. 07/08 do /P).O valor era composto de R$600,OO em notas de R$IOO,OO, R$IOO,OO em notas de R$50,OO, R$120,OO em notas de R$20,OO, R$150,OO em notas de R$10,oo, R$105,OO em notas de R$5,oo, R$58,oo em notas de R$2,OO e R$4,OO em moedas de R$I,OO.

Nas razões, a Defensoria Pública alegou, preliminarmente, a ilicitude da apreensão da arma, diante da violação do domicílio, situação que invalida a apreensão feita na ocasião. No mérito, arguiu a atipicidade da conduta em razão da ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado. Assim, requereu o provimento do recurso, com a consequente absolvição do réu. Subsidiariamente, pleiteou o afastamento da pena de multa (evento 3, DOC5 - p. 13/17).

Nas contrarrazões, o Ministério Público postulou o improvimento do apelo (evento 3, DOC5 - p. 20/26).

Distribuído o feito, por sorteio, à 3ª Câmara Criminal.

Nesta instância, a Procuradora de Justiça, Dra. Ana Rita Nascimento Schinestsck, opinou pelo improvimento do recurso interposto.

A eminente Desembargadora Rosane Wanner da Silva Bordasch determinou a redistribuição a esta 4ª Câmara Criminal, visto que o réu foi condenado apenas por delito previsto na Lei nº 10.826/03, e não houve recurso do órgão acusador, sendo o feito, por fim, remetido a esta Relatoria, por sorteio.

VOTO

Em termos de antecedentes criminais, registro que o réu responde ação penal, com denúncia recebida, pelo crime de associação para o tráfico de drogas (04/06/2018) (evento 3, DOC4 – p. 08/09).

Quanto à preliminar de ilicitude da prova por violação de domicílio na espécie ela merece destaque de apreciação, pois afeta o mérito inexoravelmente.

O tema da garantia constitucional de privacidade e intimidade de pessoas físicas e jurídicas tem sido cada vez mais discutido pela doutrina e jurisprudência pátrias, assim como uma declinação direta disto que se estende à tutela constitucional do domicílio, inscrita no art.5º, XI, da CF/88, ao considerar que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Dada a complexidade desta matéria, nomeadamente quando cotejada com políticas de segurança pública, persecução penal e efetividade da justiça, as posições dos Tribunais têm oscilado deverasmente, até em face das particularidades dos casos que se apresentam a julgamento (de tráfico de drogas, violência doméstica até posse e porte de armas, dentre tantos outros).

A despeito disto o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori’ (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado.

Recentemente (02/03/2021) o Superior Tribunal de Justiça teve oportunidade, através de sua 6ª Turma Criminal, por unanimidade e em sede de Habeas Corpus1, enfrentar novamente este tema, anulando provas decorrentes do ingresso desautorizado em domicilio do réu.

Em tal decisão foi ampliada a reflexão dos aspectos até então esgrimidos, inclusive demarcando melhor as condições e possibilidades de quebra da garantia fundamental da inviolabilidade do domicilio, referindo o julgado que deveriam ser observados, dentre outros, os seguintes parâmetros:

O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência – cuja urgência em sua cessação demande ação imediata – é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.

As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude ‘suspeita’, ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente.

Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, excluídas do usufruto pleno de sua cidadania, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida e devassada, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes do Estado, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria, por exemplo, um ponto de tráfico de drogas, ou de que o suspeito do tráfico ali se homiziou.

São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país conhecido por suas práticas autoritárias – não apenas históricas, mas atuais –, a aceitação desse comportamento compromete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos fundamentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele ou raça.

Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação – como ocorreu no caso ora em julgamento – de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de documentação que a imunize contra suspeitas e...

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