Decisão Monocrática nº 50049920420218210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 08-08-2022

Data de Julgamento08 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50049920420218210007
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002531598
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5004992-04.2021.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: ILMAR GRUND (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

APELAÇões Cíveis. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO de indenização POR danos MATERIAIS. SECAGEM DE FUMO. PERDA DE QUALIDADE DO TABACO. culpa exclusiva do produtor rural. sentença reformada.

1. Pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. Responsabilidade objetiva. O artigo 37, § 6º, da CF estendeu às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, a responsabilidade objetiva pelos danos causados a terceiros. Inteligência dos artigos 14, § 1º, e 22, ambos do CDC. Aplicável a legislação consumerista ao caso.

2. Princípio da continuidade do serviço. O fornecimento de energia elétrica, pelas próprias características do sistema, está sujeito a fatores que podem levar à interrupção do serviço o que pode ser legal se o restabelecimento ocorrer dentro dos prazos e parâmetros exigidos pela legislação que regula o setor.

3. Secagem de Fumo. O pequeno produtor rural, no caso específico o fumicultor, em tendo como se precaver para interrupções normais e aceitáveis, só pode buscar a reparação junto à concessionária quando a falta de energia for superior a período razoável que, com pequeno investimento, pode e deve evitar a perda do cultivado ou da qualidade do que está produzindo. Logo, ainda que se esteja tratando de responsabilidade objetiva, o razoável é se entender que só há o dever da concessionária responder por perdas decorrentes da interrupção do fornecimento quando essa se der por prazo superior àquele que o consumidor poderia, ou melhor, deveria, de forma absolutamente razoável, sem custo significativo, estar preparado para evitar.

4. Critério Objetivo. O novo entendimento desta Câmara restringe-se às hipóteses em que os danos comprovadamente sofridos pelo fumicultor derivarem da interrupção do fornecimento de energia elétrica durante tempo inferior a 24 horas ininterruptas, conjuntura em que os prejuízos serão por ele suportados à razão de 2/3, imputando-se à concessionária de energia elétrica a responsabilidade pelo ressarcimento de 1/3. Já nas hipóteses de danos advindos de interrupções por período superior à 24h, a responsabilidade é integralmente da concessionária.

5. HIPÓTESE DOS AUTOS QUE O autor é litigante contumaz, já tendo ajuizado contra a concessionária de energia quatro ações anteriores a esta, também com fundamento na perda da qualidade do fumo em processo de secagem quando da interrupção de energia; o que evidencia que a falta de energia não é circunstância fora do comum ou inédita, a ponto de isentar o PRODUTOR de se precaver PROVIDENCIANDO UM GERADOR. Caso de culpa exclusiva do autor, impondo-se a reforma da sentença para o julgamento de improcedência do pedido inicial.

APELAÇão da ré provida e apelação do autor prejudicada.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelações cíveis interpostas por ILMAR GRUND e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D em face da sentença (Evento 41, SENT1) que, nos autos da ação indenizatória que o primeiro move em desfavor da segunda, julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos do dispositivo:

"(...) Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 2.153,20 (dois mil, cento e cinquenta e três reais e vinte centavos), com correção monetária pelo IPCA a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar. (...)"

A ré, em suas razões (Evento 47, APELAÇÃO1), discorre sobre a ausência de comprovação dos danos morais alegados pela parte autora, na medida em que deixou de acostar documentos que comprovassem a recusa da empresa fumageira em receber o produto ou que este tenha sido recebido em classificação inferior a esperada. Defende a inexistência de serviço ininterrupto de fornecimento de energia elétrica, sendo notório que breves interrupções são previsíveis, de acordo com a Resolução nº 414/2010 da ANEEL. Nessa linha, tendo em vista que a produção de fumo, especialmente durante o processo de secagem de cura, necessita de abastecimento contínuo de energia elétrica, o que não existe, os prejuízos causados pela falta de energia podem ser evitados ou, ao menos, mitigados, pela aquisição e utilização de geradores de eletricidade pela parte autora. E, na ausência de gerador, aponta que o autor assumiu o risco do prejuízo, pelo que deve ser reconhecida a sua culpa exclusiva, não havendo de se falar em indenização por danos materiais. Além disso, traz à tona a informação de que o autor é litigante contumaz, na medida em que já ajuizou outras quatro ações em face desta concessionária de energia, também buscando reparação de danos em sua produção de fumo pela interrupção do fornecimento de energia elétrica, conforme se extrai dos autos de nº 5000397-35.2016.8.21.0007, nº 50003432-25.2015.8.21.0007, nº 50001905-72.2014.8.21.0007 e nº 50008573-20.2018.8.21.0007. Na hipótese de manutenção da condenação, defende o reconhecimento da culpa concorrente, determinando-se a repartição dos danos na ordem de 1/6 para a ré e 5/6 para o autor, ou, ainda, de 1/3 para a ré e 2/3 para o autor. Também reporta a necessidade de aplicação da atualização monetária pelo índice IPCA-E a contar da data de confecção do laudo que apontou o prejuízo, e, a partir da citação, a taxa SELIC, com fulcro no artigo 406 do Código Civil. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para julgamento de improcedência total dos pedidos. Subsidiariamente, postula pelo reconhecimento da culpa concorrente e repartição dos danos, bem como pela alteração do índice de atualização monetária para o IPCA-E a contar da data do laudo e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC. Ao final, pede o provimento do apelo.

O autor, em suas razões (Evento 49, APELAÇÃO1), defende a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e discorre sobre matéria publicada no Jornal Regional. Refere que o presente caso não se trata se relação de insumo, mas sim de consumidor final, estando a apelada obrigada a prestar o fornecimento de energia elétrica seguro e de qualidade. Advoga que a responsabilidade da concessionária ré é objetiva, frente ao serviço que ela fornece. Salienta não ser obrigação do produtor rural adquirir um gerador de energia, pois, além de ser um bem de alto custo, cabe à apelada fornecer serviço público adequado, eficiente, seguro, de qualidade e contínuo. Dessa forma, diz não haver de se falar em culpa exclusiva do autor nem em culpa concorrente. Elabora tópico sobre o redimensionamento da condenação ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Chama a atenção para o fato de a companhia de energia elétrica não ter realizado nenhuma vistoria nem avaliação do fumo, muito embora tenha tido oportunidade para tanto. Colaciona legislação, doutrina e jurisprudência a seu favor. Pugna, portanto, pela reforma da sentença, para julgamento de procedência total dos pedidos e consequente provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 54, CONTRAZ1, e Evento 55, CONTRAZ1).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

Os presentes recursos devem ser conhecido, comprovado o preparo pela ré e dispensado do autor, que litiga sob o pálio da gratuidade judiciária; comportando julgamento monocrático, com amparo na Súmula 568 do STJ1 e artigo 206, XXXVI do RITJRS2.

Antes de entrar no mérito propriamente dito, acho importante consignar meu entendimento sobre o assunto. Venho enfrentando essas questões envolvendo a perda de qualidade do fumo, por falta de energia, há muitos anos, desde quando ainda exercia jurisdição nas Turmas Recursais e, em razão disso, tive oportunidade de acompanhar, de alguma forma, a evolução da jurisdição gaúcha no trato dessa controvertida questão.

Em um primeiro momento, com base no Código do Consumidor, considerando a responsabilidade objetiva, e erigindo-se o pequeno produtor, embora use a energia elétrica como insumo para sua produção, à condição de consumidor, em face da teoria mista, acabou-se entendendo existir direito à indenização pela perda da qualidade do produto toda vez que demonstrado ter isso decorrido de interrupção no fornecimento de energia.

Nessa primeira fase, acolhiam-se laudos particulares ou de associações como prova e meio de quantificar o dano. Tal circunstância, inclusive, acabou gerando algumas distorções, ante a apresentação de laudos falsos, o que exigiu, ao menos no âmbito das Turmas Recursais, alterações de posicionamento para comprovação e quantificação do prejuízo, culminando com a Súmula nº 25 que, ante a dificuldade de análise da questão, firmou que aquela jurisdição especial (preservados os casos pendentes) não mais seria...

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