Decisão Monocrática nº 50059339120218210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 02-08-2022

Data de Julgamento02 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50059339120218210026
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002521746
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5005933-91.2021.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

APELANTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)

APELADO: ONIRA DOS SANTOS (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA c/c indenizatória. - COMPETÊNCIA INTERNA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. REPARAÇÃO DE DANOS. INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. O RECURSO EM AÇÃO QUE TEM COMO CAUSA A INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO E PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO SÃO DE COMPETÊNCIA DAS CÂMARAS QUE INTEGRAM O 3º E 5º GRUPOS CÍVEIS POR PREVALÊNCIA DA ESPECIALIZAÇÃO NA MATÉRIA. APLICAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO E ORIENTAÇÃO DO OFÍCIO CIRCULAR Nº 01/2016 (ITEM 15).

COMPETÊNCIA DECLINADA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU) apela da sentença proferida nos autos da ação declaratória c/c indenizatória que lhe move ONIRA DOS SANTOS (AUTORA), assim lavrada:

Vistos.
Trata-se de “ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada e condenação à reparação civil por danos morais” ajuizada por ONIRA DOS SANTOS em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. A parte autora alegou a ausência de contratação de crédito consignado no valor de R$ 8.987,73, em sua conta bancária junto ao Banco Sicredi, com desconto mensal de R$219,00. Teceu considerações sobre a contratação por falsários, o dever de indenizar por dano moral, a violação de dados pessoais e a repetição de indébito. Requereu, em sede liminar, a vedação à dedução. Postulou a inversão do ônus da prova e a gratuidade da justiça e a condenação da requerida em danos morais (R$20.000,00), assim, como, a repetição do indébito. Juntou documentos, E1.
Depósito judicial do valor consignado, E3.

Pela decisão do E5, foi concedida a tutela de urgência, a benesse da justiça gratuita e invertido o encargo probatório.

Interposto agravo de instrumento, E15.

Ao E16, o Banco apresentou defesa em forma de contestação.
Inicalmente, requereu prazo, de 30 dias, para juntada de documentos. No mérito, alegou a inexistência de ilegalidade ou de comprovação de fraude praticada por terceiros. Informou que não há informação de extravio de documentos da autora quando da contratação. Discorreu a licitudade da contratação e da ausência de direito indenizatório. Por fim, requereu a revogação da tutela de urgência e a improcedência da demanda.
Apresentada réplica, E19.

No E22 sobreveio informação da negativa de provimento do recurso do E15.

Pela decisão do E23, superado o trindídio, foi aplicada a sanção do artigo 400 do CPC e, por conseguinte, indefiro o pedido de revogação da tutela de urgência, sendo as partes intimadas quanto ao interesse na produção de outras provas.

Na sequência, o Banco aportou o contrato e o autor se manifestou, E27 e 28.

vieram conclusos os autos para julgamento.

Relatei sucintamente.
Passo a fundamentar.
O processo pode ser julgado antecipadamente, pois os elementos dos autos se afiguram suficientes para formação do convencimento, sem que isso implique qualquer tipo de cerceamento de defesa.

Destaco que a relação mantida entre a requerente e o requerido é tipicamente de consumo, uma vez que presentes a figura do consumidor e do fornecedor, na forma dos artigos e do Código de Defesa do Consumidor, bem como perfeitamente caracterizado o objeto do contrato como serviço, nos moldes do que preceitua o § 2º, do artigo 3º supramencionado.

Assim, imperiosa a incidência das regras do código consumerista ao presente caso.

Em oportuno, registro que embora cabendo ao requerido o ônus probatório, nos termos do art. 6°, VIII, do CDC, não importa em desonerar a demandante da comprovação mínima do direito invocado.

Fixada esta premissa, passo ao julgamento do cerne da demanda.

A autora afirma não ter realizado qualquer contratação que desse amparo aos descontos em seu benefício previdenciário, postulando pela condenação do demandado ao pagamento de indenização por danos morais.
O requerido, por sua vez, argumenta que a parte adversa solicitou empréstimo o que confere a existência da relação jurídica. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, sustentou que não há qualquer evidência de ilicitude que dê amparo à pretensão.
Em se tratando de pretensão declaratória de inexistência do débito não há como exigir da parte requerente a comprovação de fato negativo, de modo que o ônus de comprovar a efetiva contratação entre as partes é do requerido.

E não obstante decretada a sanção do art. 400, do CPC, por ausência de cumprimento da ordem de exibição do contrato, a juntada a destempo, não deixa margem à dúvida de que assinatura aposta no contrato é diversa da autora, E27.

A diversidade fda grafia das assinaturas contidas no contrato com aquela do documento de identificação da parte autora (E1, RG4) é nítida, de maneira que sequer seria necessária a realização de perícia técnica.

Logo, inafastável que o contrato não foi firmado pelo próprio autor, a conclusão é de que foi indevidamente utilizado seu nome para contratação com a ré, sendo imperativo o dever de indenizar.

Diante desses fatos, a conclusão é de que a requerida não pode ser beneficiada – em detrimento do consumidor, parte hipossuficiente na relação – com a desídia de não ter comprovado em juízo a regular contratação entre as partes.

Comprovada, assim, a inexistência da relação jurídica, bem como diante dos descontos em folha de pagamento do benefício previdenciário, a partir da celebração de um contrato com um fraudador, que usou das informações pessoais do autor, imperioso é o reconhecimento do ato ilícito.

Assim, no que tange ao dano moral postulado, caracterizada a inexistência da dívida, gera o dever de indenizar.

Vale referir que a relação trazida ao feito caracteriza-se como relação de consumo, na qual o consumidor, vítima do evento (a teor do art. 17 do CDC), traz para si a aplicação do art. 14 do CDC, o qual prevê a responsabilidade objetiva do requerido.

Com efeito, neste conjunto de consignações, entendo despiciendo perquirir acerca do agir culposo (na economia e, no caso, insuficiência de cautelas devidas, determinantes para o evento), eis que a aplicação do CDC ao caso concreto faz incidir a responsabilidade objetiva.

Entendo que com os descontos indevidos a configuração do dano moral denominado de dano moral in re ipsa, independe da comprovação do dano.

Nesse sentido a jurisprudência do Pretório Superior:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO RESTRITIVO AO CRÉDITO. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO. ASSINATURA VISIVELMENTE FALSA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PARTE RÉ. ART. 14 DO CDC. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 385 DO STJ. DANOS MORAIS IN RE IPSA FIXADOS EM R$6.500,00, CONFORME PARÂMETROS UTILIZADOS PELAS TURMAS. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(Recurso Cível, Nº 71009896341, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: José Ricardo de Bem Sanhudo, Julgado em: 30-03-2021)

RESPONSABILIDADE CIVIL. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. DESCONTO INDEVIDO EM FOLHA DE PAGAMENTO. DANO MORAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Caso em que a instituição financeira requerida não demonstrou a regularidade da cobrança de empréstimo realizada em nome da autora. Dívida que deve ser declarada inexistente. Dano moral in re ipsa. Repetição de Indébito. Necessidade de devolução dos valores indevidamente descontados da consumidora. Princípio da causalidade. Honorários advocatícios devidos. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70071323000, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 28/06/2017) [Grifei]

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL IN RE IPSA. SUSPENSÃO DO FEITO. INOCORRÊNCIA. 1. Concessão de AJG à instituição financeira ré. Benefício deferido na origem. Ausente revogação expressa. Falta de interesse recursal. 2. Suspensão do feito em razão da falência da parte ré decretada. Fase de conhecimento. Valor ilíquido. Não cabimento. Inteligência do Art. 6°, § 1° da Lei 11.101/2005. 3. Caso em que a parte ré não demonstrou a regularidade da cobrança de empréstimo em nome do consumidor. Dívida que deve ser declarada inexistente. 4. Descontos indevidos em benefício previdenciário. Dano moral presumido, in re ipsa, sendo desnecessária a prova do prejuízo. Precedente desta Corte. 5. Quantum. Inexistindo critérios objetivos de fixação do valor para indenização por dano moral, cabe ao magistrado delimitar quantias ao caso concreto. Valor arbitrado em sentença mantido em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). 6. Dano Material. Repetição de Indébito. Devolução de valores que se dá de forma simples. Ausência de má-fé da parte ré. Precedente do STJ. 7. Honorários Advocatícios. Os honorários advocatícios devem estar adequados a remunerar condizentemente o profissional do Direito. Percentual mantido. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO NA PARTE EM QUE CONHECIDA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70071326755, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 27/10/2016) [Grifei]

Outra não é a lição de Sérgio Cavalieri Filho quando sustenta a prescindibilidade de prova, quando se trata de dano moral puro (in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª ed., 2001, p. 79/80):

...por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela...

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