Decisão Monocrática nº 50062008820208210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 14-02-2022

Data de Julgamento14 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50062008820208210029
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001721931
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006200-88.2020.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

APELANTE: TERESA DOS SANTOS MORAIS (AUTOR)

APELADO: VIA CERTA FINANCIADORA S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. - CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. OS RECURSOS EM AÇÕES QUE TENHAM COMO CAUSA DE PEDIR CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO E PEDIDO DE CANCELAMENTO DE OPERAÇÃO OU DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO POR FURTO DO CARTÃO SÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DAS 23ª E 24ª CÂMARAS CÍVEIS. APLICAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO.

COMPETÊNCIA DECLINADA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

TERESA DOS SANTOS MORAIS apela da sentença proferida nos autos da ação revisional ajuizada contra VIA CERTA FINANCIADORA S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, assim lavrada:

Vistos e analisados os autos.

Teresa dos Santos Morais ajuizou a presente ação revisional contra Via Certa Financiadora S.A. Crédito, Financiamento e Investimentos, ambos já qualificados nos autos.

Na inicial, a autora afirmou que entabulou contrato de empréstimo pessoal (nº 100179106042) com a demandada, no valor de R$ 2.500,00, para ser pago em 18 parcelas no valor de R$ 378,04. Não obstante, aludiu ter constatado cobrança de juros abusivos, razão pela qual, com amparo no Código de Defesa do Consumidor, pretende a revisão contratual. Nesse contexto, pediu a procedência dos pedidos, para ter revisto o contrato efetivado, com a readequação dos juros remuneratórios, declaração de nulidade da cobrança denominada "tarifa de saque" e repetição indébito, no montante de R$ 2.573,95. Pleiteou o benefício da gratuidade judiciária. Acostou documentos (anexos do evento 1).

Recebida a inicial, foi deferida a gratuidade da justiça (evento 3).

Citada, a requerida contestou a ação (anexo 1 evento 13). Anotou que houve uma relação contratual estabelecida entre as partes, ao passo que a parte autora firmou contrato de empréstimo "saque cash" e vem realizando regularmente o pagamento das faturas nas quais também é cobrado o empréstimo. Disse que há o dever de cumprir com os termos ajustados. Sustentou que inexiste abusividade nas cláusulas pactuadas, pois a contratação se deu contemplando os interesses de ambas as partes.Aduziu que está expressamente prevista a cobrança da tarifa de saque, para retirada em espécia no cartão (saque cash). Nesse sentido, disse não estarem presentes os requisitos ensejadores da repetição do indébito. Derradeiramente, requereu a improcedência dos pedidos. Trouxe documentos (evento 7).

Houve réplica (evento 17).

Instadas sobre o interesse na dilação probatória (evento 19), a requerida informou não possuir novas provas, pugnando pelo julgamento antecipado da lide (evento 23), ao passo que a parte autora requereu a intimação da requerida para apresentar documento capaz de comprovar a regularidade dos índices de taxa de juros que adotou no contrato impugnado (evento 25).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Passo a fundamentar e decidir.

O julgamento é antecipado, nos moldes do art. 355, inc. I, do NCPC, pois desnecessária a produção de outras provas, motivo pelo qual indefiro os pedidos postulados, por ocasião do evento 25.

Do mérito:

De início, observo que a parte autora pretende revisar, no caso presente, o seguinte contrato:

Espécie Número Evento
1 Contrato de cartão crédito na modalidade "saque cash" 100179106042 1, anexo 4

Pois bem.

Tenho que a relação que se estabeleceu, no contrato ora em análise, entre instituição financeira (na condição de prestadora de serviços e fornecedora de produtos) e financiado (na condição de consumidor final), constitui-se em nítida relação de consumo, nos termos do que dispõe o art. 3º, §2º, da Lei nº 8.078/90.

Nesse sentido, diga-se, é a pacífica jurisprudência pátria, que acabou inclusive sumulada, no verbete nº 297 do STJ, assim: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Aliás, o STF, no julgamento da ADI nº 2591/DF, também entendeu que os bancos estão submetidos às regras do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, cabível se mostra a revisão dos contratos entabulados entre as partes, sob a ótica das normas consumeristas, de forma que o consumidor não se vincule a contratos abusivos e demasiadamente onerosos (art. 51, inc. IV, e §1° do CDC).

Dito isso, e em observância à Súmula 381 do STJ - “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.” -, passo a analisar, separadamente, as cláusulas contratuais cuja revisão pretende a parte autora, conforme o que explanou na petição inicial.

Dos Juros Remuneratórios:

A abusividade, como é cediço, é conceito a ser aferido no caso concreto, tendo como parâmetro a taxa média cobrada no mercado financeiro, divulgada pelo BACEN.

Vejamos.

A celeuma quanto à autoaplicabilidade do então vigente § 3º do art. 192 da CF/88 restou afastada, primeiramente, com a edição da Súmula nº 648 do Supremo Tribunal Federal. E, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 40/2003, o referido dispositivo constitucional foi revogado, de modo que a Constituição Federal, atualmente, não dispõe acerca da limitação de juros remuneratórios.

De outra banda, reiteradas decisões foram proferidas no sentido da inaplicabilidade da limitação da taxa de juros prevista no Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura), às instituições financeiras, o que culminou na edição da Súmula nº 596 do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte teor: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam as taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

Em verdade, a questão da taxa de juros das operações bancárias vem regulada pelos dispositivos da Lei nº 4.595/64, que atribui ao Conselho Monetário Nacional a competência sobre as operações do Mercado Financeiro, incluído o poder de ...limitar, sempre que necessário, as taxas de juros ou qualquer outra forma de remuneração de operação ou serviços bancários ou financeiros... (artigo 4º, inciso IX).

Em outras palavras, em decorrência das próprias peculiaridades do mercado financeiro - as operações bancárias não podem ser comparadas a mútuos contratados entre pessoas físicas, ou mesmo com pessoas jurídicas não subordinadas aos normativos do BACEN -, seus contratos não se submetendo à legislação geral, como o Código Civil ou a Lei de Usura.

Assim, salvo legislação específica, ou resolução do Banco Central, as taxas de juros cobradas nos contratos bancários oscilam conforme o mercado, não havendo se falar em limitação a priori.

Assim é o entendimento do STJ:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CHEQUE ESPECIAL E EMPRÉSTIMOS. SENTENÇA CITRA PETITA. (...) JUROS REMUNERATÓRIOS. A Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp nº 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos, firmou entendimento de que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios ao patamar de 12% ao ano ou à Taxa Selic, sendo admitida a revisão deste encargo apenas em situações excepcionais, em que caracterizada a abusividade da taxa pactuada. (…) (Apelação Cível, Nº 70073410136, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Martin Schulze, Julgado em: 27-06-2017 – suprimi e grifei).

Aliás, diante dos inúmeros julgados nesse sentido, o STJ sumulou o entendimento, no enunciado nº 382, assim: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Desse modo, para caracterizar abusividade, é insuficiente o simples fato de a estipulação ultrapassar o patamar 12% ao ano, ou de haver estabilidade inflacionária no período. Em outras palavras, salvo nos casos de comprovada abusividade em relação à taxa média do mercado, com demonstração efetiva de desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos, inviável a pretensão de limitação da taxa de juros remuneratórios.

No caso concreto, os juros remuneratórios foram contratados à taxa de 12,50% ao mês, e de 310,99% ao ano (doc. 4 do evento 1).

Inexiste tabela do BACEN acerca da taxa média dos juros remuneratórios nos contratos de cartão crédito na modalidade "saque cash". Assim, entendo, na linha jurisprudencial, que há de se adotar, como paradigma, a taxa média dos juros remuneratórios do contrato de cheque especial, que mais se assemelha à modalidade em liça.

E a taxa média do cheque especial, no mês de dezembro/2019, foi de cerca de 7,21% ao mês, e de 130,60% ao ano, conforme informações disponíveis no site do BACEN – http://www.bcb.gov.br/?txcredmes.

Sendo assim, fica evidente a alegada abusividade na cobrança dos juros remuneratórios.

Assim, embora inviável o pedido trazido na inicial, de limitação da taxa de juros em 106,56% ao ano, fica esta limitada ao parâmetro médio divulgado pelo BACEN para os contratos de cheque especial no período de vigência do contrato de que trata o presente feito.

Nesse mesmo sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS: a) Inexiste abusividade na cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, considerando os percentuais usualmente praticados no mercado e a não incidência do Decreto n. 22.626/33 - Lei de Usura, nas operações com as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. b) Como inexiste uma tabela elaborada pelo Bacen acerca da taxa média de mercado para os contratos de cartão de crédito no período em que se pretende a revisão, utiliza-se, como paradigma, a média para os contratos de cheque especial. (...) RECURSO PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70065601452, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,...

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