Decisão Monocrática nº 50068705020198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 11-07-2022

Data de Julgamento11 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50068705020198210001
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002416108
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5006870-50.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: União Estável ou Concubinato

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. FALECIDO INTERDITADO. decreto de interdição QUE ALCANÇAVA, além dos atos de disposição patrimonial, o ATO de casar. restrição deve ser utilizada também em caso de união estável, sob pena de, por via oblíqua, descumprir-se a restrição existente. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

Considerando-se que o falecido era interditado, com proibição de contrair casamento, ou seja, não tendo capacidade jurídica para tanto, tal restrição, evidentemente, deve ser utilizada também em caso de união estável, em decorrência das implicações civis e patrimoniais equivalentes de ambos os institutos, sob pena de, por via oblíqua, adotando-se a interpretação literal pretendida pela demandante/apelante, descumprir-se a restrição existente.

Hipótese em que, mesmo que tivesse havido entre o falecido e a demandante/apelante, como esta sustenta, faticamente, "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família", na forma do art. 1.723, "caput", do Código Civil, a vedação contida no decreto de interdição impediria o reconhecimento de tal relação, juridicamente, como uma união estável, e que desta relação pudessem ser extraídos os efeitos legais, especialmente os de índole patrimonial, que pretende a autora/apelante ver obtidos por meio da presente ação.

Precedentes do TJRS e do STJ.

Apelação desprovida.

DECISÃO MONOCRÁTICA

ANA CAMILA M. C. apela da sentença de improcedência proferida nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem que move contra a SUCESSÃO DE PAULINO C. B. C. G., processo físico n. 001/1.18.0131032-8, dispositivo sentencial assim lançado (Evento 191 dos autos na origem):

"Isso posto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado por ANA CAMILA M. C. em face da SUCESSÃO DE PAULINO C. B. C. G..

Condeno a autora a arcar com as custas processuais e com os honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa, suspensa a exigilibidade em razão do benefício da gratuidade de justiça já deferido.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se."

Em suas razões, aduz, a sentença contraria a prova produzida no feito e, sobretudo, afronta o entendimento jurídico contemporâneo sobre a matéria das incapacidades.

É inconteste a prova do relacionamento amoroso público, estável, com animus de constituição de família vivenciado por Paulino e Ana Camila por mais de 30 (trinta) anos, sendo que o casal iniciou o relacionamento afetivo entre 1986 e 1987, tendo este perdurado até a data do falecimento do varão em 19 de fevereiro de 2018.

Paulino possuía algumas limitações psíquicas, as quais não o impediram de levar uma vida digna e, bem assim, de manter relacionamento amoroso e familiar com sua companheira.

A mãe de Paulino, Sra. Alzira, reconhecia e aprovava o relacionamento, tendo, inclusive, confiado à nora em 1993 a substituição da Curadora para que ela assumisse a representação legal do filho que era interditado para alguns atos da vida civil. Paulino tinha formação escolar completa, era músico autodidata e artista plástico, possuía carteira de motorista (adorava dirigir). O casal vivenciou uma união repleta de amor, estabilidade, harmonia e dedicação mútua.

Houve o reconhecimento expresso pela mãe de Paulino, em 1993, de que Camila era companheira do filho e que, por isso, deveria assumir o encargo de curadora, o que já comprova o vínculo marital de forma inexorável desde então, sendo importante destacar as observações feitas no Estudo Social realizado no processo de Alteração de Curatela (juntado ao Evento 2 – Parte 2, fls. 268/278).

Discorre acerca do conjunto probatório vindo aos autos.

A sentença recorrida fundamentou-se, essencialmente, na suposta impossibilidade de aferição do objetivo de constituição de família por parte de Paulino, mas, com todo o respeito, há claro equívoco no decisum.

A união estável, como sabido, é considerada ato-fato jurídico, ou seja, não está atrelada à manifestação ou declaração de vontade. Vale dizer, não é a consciência dos reflexos do relacionamento afetivo que determina se este será ou não considerado união estável, passível de ser tutelado juridicamente. Se assim fosse, uma união estável só poderia ser reconhecida se decorresse de escolha expressa e consciente de ambos companheiros, tal como ocorre no casamento civil. Todavia, a união estável como ato-fato que é reclama apenas que esteja presente a feição de constituição de família, com convívio público, contínuo e duradouro.

Portanto, todos os requisitos para reconhecimento do vínculo como união estável, estão presentes no relacionamento de Paulino e de Ana Camila. As conclusões técnicas extraídas dos laudos realizados na Ação de Interdição, na Ação de Substituição de Curatela e posteriormente, no laudo elaborado em 2002 pelo psiquiatra Dr. Sílvio Erné, assim comprovam, evidenciando o equivocado julgamento de primeiro grau.

Discorre acerca do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, praticamente afastando a incapacidade absoluta do ordenamento jurídico em relação a pessoas maiores de idade. A partir de então, a curatela, em regra, ficou restrita a aspectos patrimoniais e não existenciais.

Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença, para que seja reconhecida a união estável entre Paulino e Ana Camila, de 1986 a 2018, data do óbito do varão, com todos os efeitos patrimoniais daí advindos (Evento 201 dos autos na origem).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte adversa, pugnando pela manutenção da sentença (Eventos 211 e 212 dos autos na origem).

É o relatório.

Efetuo o julgamento na forma monocrática, forte no art. 206, XXXVI, do RITJRS, combinado com o art. 932, VIII, do CPC.

A presente apelação não merece provimento, observadas as disposições legais e a orientação jurisprudencial a respeito do tema.

Com efeito, sentença proferida em 22/04/1988 no processo de interdição cadastrado sob o n. 01287059446 decretou a interdição de PAULINO C. B. C. G., tendo alcançado o decreto de sua interdição, além da prática de atos de disposição patrimonial, também a prática do ato de casar, dispositivo sentencial assim lançado (fls. 15/16 do documento 3 do Evento 1 dos autos na origem; fls. 95/96 do processo físico):

"ISTO POSTO e com base nos arts. 446, I, do Código Civil, e 1.77 e seguintes do Código de Processo Civil, decreto a interdição de PAULINO C. B. C. G. para a prática dos seguintes atos:

a) vender, hipotecar, alienar seus bens a qualquer título, emprestar, obrigar-se, trasmitir, dar quitação, demandar, ser demandado, enfim, praticar atos que envolvam comprometimento do patrimônio que possui ou que virá a possuir;

b) dispor de porte de armas;

c) casar;

d) adotar.

Poderá, no entanto, manter o direito de votar, de renovar periodicamente sua carteira de motorista e de dispor de pequena importância em dinheiro para os seus gastos pessoais, a ser liberada pela curadora.

Nomeio a requerente, ALZIRA C. B., sob compromisso, para servir de curadora do interditando.

Inscreva-se a presente sentença no Registro Civil e proceda-se à publicação prevista no art. 1.184 do CPC.

Registre-se.

Intimem-se."

O laudo de perícia psiquiátrica elaborado naquele processo de interdição bem demonstrou a ausência de condições do interdito para casar e praticar atos de disposição patrimonial, tendo sido ressaltado que a moléstia psíquica de que era portador era não é apenas contemporânea à suposta relação estabelecida entre os litigantes, mas também anterior a ela, tendo frisado que a requerente/apelante era apenas sua namorada, cumprindo transcrever trechos do laudo que isto demonstram (fls. 17/20 do documento 3 do Evento 1 dos autos na origem e fls. 01/13 do documento 4 do Evento 1 dos autos na origem e fls. 38/54 do documento 10 do Evento 1; fls. 97/114, 293/306 e fls. 394/411 do processo físico):

"[...]

2. CONCLUSÕES

2.1. O Sr. PAULINO C. B. C. G. manifesta sinais e sintomas que, em conjunto, apontam para o diagnóstico de um quadro psicótico de natureza esquizofrênica. Dentre os diversos quadros esquizofrênicos, apresenta, atualmente, manifestações de natureza residual. Enquadra-se, atualmente, no diagnóstico de ESQUIZOFRENIA RESIDUAL, patologia mental codificada sob dígitos 295.6, aos termos da CID-OMS, 9ª Rev./Í975. Por ocasião das suas hospitalizações e reagudizações predominavam as manifestações de teor paranoide, motivo pelo qual foi firmado, naquelas ocasiões, o diagnóstico de ESQUIZOFRENIA PARANOIDE.

2.2 A classificação de Esquizofrenia Residual é uti1izada na 9ª Rev. da CID-OMS para os pacientes que apresentam os denominados defeitos esquizofrênicos de personalidade, que surgem após a remissão dos sintomas mais agudos, ou quando, devido à deteriorização, já não se pode reconhecer a forma clinica predominante. Sinonímia: esquizofrenia cronica indiferenciada (estado residual, defeito esquizofrênico).

[...]

3. EXAME PSIQUIÁTRICO

3.1. Dados em anamnese objetiva (informações fornecidas pelos familiares e dados colhidos nos prontuários médico-hospitalares)

[...]

O desenvolvimento de Paulino durante a infância e o inicio da adolescência teria sido, aparentemente, "normal". Ao chegar próximo dos 20 anos de idade, teria, entretanto, começado a apresentar transtornos de conduta, caracterizados
por episódios de agitação psicomotora, nos quais se tornava agressivo contra qualquer pessoa, independentemente do contato que mantinha com elas.
Assim, por exemplo, teria impulsivamente ameaçado sair de casa para ir agredir ao vendedor de sorvetes que passava na calçada, tocando uma corneta. Na...

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