Decisão Monocrática nº 50077973720208210015 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 27-02-2023

Data de Julgamento27 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50077973720208210015
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoSétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003364178
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5007797-37.2020.8.21.0015/RS

TIPO DE AÇÃO: Reconhecimento/Dissolução

RELATOR(A): Desa. VERA LÚCIA DEBONI

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. CONTROVÉRSIA ACERCA DO TERMO INICIAL DA CONVIVÊNCIA.
1. A CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EXIGE A PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTES DO ARTIGO 1.723, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL, QUAIS SEJAM, A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO AFETIVA CONSUBSTANCIADA NA CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA E DURADOURA E ESTABELECIDA COM O OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA.
2. O PERÍODO DE NAMORO ANTERIOR À CONVIVÊNCIA MARITAL NÃO É INVESTIDO DE AFFECTIO MARITALIS (ELEMENTO SUBJETIVO QUE DIZ RESPEITO À EFETIVA INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA), DE MANEIRA QUE NÃO PODE SER EQUIPARADO À UNIÃO ESTÁVEL.
3. RESTANDO CONTROVERTIDO O TERMO INICIAL DA CONVIVÊNCIA E INEXISTINDO PROVAS CAPAZES DE CONFORTAR A TESE DA PARTE AUTORA, DE RIGOR A MANTENÇA DA DECISÃO QUE TOMOU POR BASE A DATA EM QUE CELEBRADO O CASAMENTO RELIGIOSO DAS PARTES.
RECURSO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação interposta por Ângela M.F.S. (cinquenta e cinco anos de idade), inconformada com sentença da Vara de Família de Gravataí, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação de dissolução de união estável movida em face do apelado, Gérson L.S. (sessenta anos de idade), para o fim de:

(a) reconhecer e dissolver união estável havida entre as partes de 08/08/1992 a maio de 2019; e

(b) determinar a partilha igualitária, mediante apuração em liquidação de sentença, “do percentual pago pelo automóvel ‘CHEV/ONIX’, placa ‘IZX5G43’, até a data do término da união, o qual incidirá sobre o valor da tabela FIPE na data do término (maio de 2019), atualizado o resultado pelo IPCA desde então até a ultimação da partilha” (sic).

Aduziu a apelante, em síntese, que a sentença deve ser reformada, a fim de que seja modificado o termo inicial de convivência. Afirmou que as partes já mantinham relacionamento afetivo desde 1989. Ponderou que “esse lapso temporal só não ficou cabalmente demonstrado em razão de que as testemunhas da apelante, quiçá induzidas por influência do apelado, deixaram de comparecer à audiência de instrução” (sic). Acrescentou que, “mesmo assim, o ex-cunhado do apelado, Sérgio A.S.N., que casara com a irmã do daquele em 1990, disse que os litigantes já eram namorados, quando do casamento da testemunha” (sic). Sustentou que “namorados nos hábitos modernos é entretenimento de vida afetiva plena e só não moravam juntos” (sic). Defendeu que “para se configurar uma união estável, não há necessidade de coabitação” (sic). Pugnou, nesses termos, pelo provimento do recurso e reforma da sentença, a fim de que seja partilhado o imóvel adquirido pelo réu no ano de 1991, inscrito sob a matrícula nº 51.845 do Livro nº 2 do Registro de Imóveis de Gravataí.

Aportaram contrarrazões (evento 132).

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 7).

Vieram os autos conclusos em 18/11/2022 (evento 8).

É o relatório. Decido.

O recurso é apto, tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Principio por afastar a preliminar de não conhecimento do recurso suscitada pela parte apelada.

O recorrido sustenta que teria havido alteração da causa de pedir e do pedido, em sede recursal, pela parte autora.

Contudo, a tese exposta na petição inicial permite concluir que o pedido era de declaração da existência de união estável desde o ano de 1989, e não apenas no interregno reconhecido na sentença.

Embora sucintos os fundamentos da exordial, a demandante declarou que o relacionamento afetivo havido com o réu iniciou-se em 1989, bem como que teriam adquirido, em 1991, um imóvel.

Assim, impõe-se a rejeição da prefacial.

No mérito, porém, não prospera a irresignação.

A caracterização da união estável, como é cediço, exige a presença dos requisitos constantes do artigo 1.7231 do Código Civil, quais sejam, a existência de uma relação afetiva consubstanciada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.

No caso em tela, a união estável é incontroversa.

Todavia, a sentença vergastada somente reconheceu a existência da convivência more uxorio de 08/08/1992 a maio de 2019, sob os seguintes fundamentos (evento 123):

A parte autora alega que manteve relacionamento afetivo com o réu desde 1989, formalizando a união por meio de cerimônia de casamento religioso realizada em 28/08/1992. Não indica precisamente o termo final da união, afirmando apenas que "o casal há meses rompeu os laços afetivos" (Evento 1, INIC1, p.2). Esta ação foi ajuizada em 28/08/2020.

O réu, por sua vez, sustenta que, efetivamente, manteve união estável com a autora, mas que é possível seu reconhecimento somente após 10/05/1996, com a entrada em vigor da Lei nº 9.278/1996, com marco final maio de 2019.

Não assiste razão ao requerido, porque a Lei nº 9.278/1996 regulamentou o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, norma que, por si só, conferiu o status de entidade familiar à união estável. A união estável é um instituto de fato, de modo que o direito não a cria, apenas tutela os direitos daqueles que a formam. Por isso, "as relações iniciadas antes da vigência do Código Civil de 2002 (e assim também ocorreu com as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96), porém cessadas após a sua vigência, serão por ele disciplinadas, eis que as novas regras são aplicáveis, perfeitamente, às entidades familiares formadas antes de sua vigência, mas se desdobrando sob a sua égide" (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9.ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016. p.463).

Em suma, para fins de declaração de existência e dissolução da união estável, aferindo a comprovação de seus requisitos caracterizadores, aplicam-se as disposições do Código Civil. No que toca aos direitos patrimoniais, deve-se averiguar o ordenamento jurídico vigente na data de cada aquisição: "a partilha de bens […], seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar" (AgInt no REsp n. 1.519.438/SP, relator Ministro Raul Araújo, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 16/3/2020).

A somar, julgado mais recente do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS. IMÓVEL ADQUIRIDO ANTES DA LEI N. 9.278/1996. SÚMULA 568/STJ. MANUTENÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes somente foi introduzida pela Lei n. 9.278/1996. 2. Consequentemente, os bens adquiridos em período anterior à sua vigência devem ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição patrimonial. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.635.927/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/3/2021, DJe de 10/3/2021)

Dito isso, o demandado limitou-se a argumentar a inviabilidade de reconhecimento de união estável antes da Lei nº 9.278/1996, o que se viu acima ser incorreto, e não impugnou o termo inicial apontado pela autora. As fotografias do Evento 1, FOTO9, e o documento do Evento 99, COMP3, corroboram a realização do casamento religioso em 08/08/1992 (e não dia 28), ato que, indene de dúvidas, demonstra a intenção de constituir família, na forma do artigo 1.723 do Código Civil.

Por outro lado, a demandante não precisou o termo final da união, nem impugnou o marco indicado pelo requerido, o qual vai adotado.

Produzida prova oral, a testemunha Sérgio A.S.N. relatou que foi casado com uma irmã do réu. Afirmou que o requerido trabalhava no Banco Bradesco, saiu e recebeu uma indenização, valor com o qual comprou o imóvel, nessa época ele ainda era solteiro. Somente posteriormente o réu se casou com a autora e tiveram filhos. Esclareceu que no imóvel já tinha uma casa construída, a...

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