Decisão Monocrática nº 50080314520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 21-01-2022
Data de Julgamento | 21 Janeiro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Número do processo | 50080314520228217000 |
Tipo de documento | Decisão monocrática |
Órgão | Décima Quarta Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001572632
14ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5008031-45.2022.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas
RELATOR(A): Des. ROBERTO SBRAVATI
AGRAVANTE: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
AGRAVADO: WILLIAM GALVAO KUBIAKI MIRANDA
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL. MORA. CADASTROS EM ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E MANUTENÇÃO NA POSSE DO BEM. CONDICIONAMENTO AOS DEPÓSITOS.
Estando presentes todos os requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada, seu deferimento está condicionado à realização dos depósitos das parcelas em valores recalculados, extirpando-se do cálculo as ilegalidades contratuais.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de agravo de instrumento interposto por BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. contra decisão proferida na ação revisional que o ora agravante litiga contra WILLIAM GALVAO KUBIAKI MIRANDA, a qual deferiu as tutelas cautelares nos seguintes termos:
Vistos.
1. Da Assistência Judiciária Gratuita:
Concedo à parte autora o benefício da justiça gratuita, pois comprovada a alegada necessidade.
2. Da audiência de conciliação:
Deixo de designar a audiência de conciliação prevista no art. 334, do CPC, haja vista tratar-se de matéria de direito, forte no art. 334, §4, II, do CPC.
3. Das medidas liminares:
Segundo entendimento consagrado no âmbito do Eg. STJ, ao qual me filio, a concessão de medidas antecipatórias de tutela nas ações revisionais de contratos bancários submetidos ao CDC (situação em liça) exige a observância dos seguintes requisitos cumulativos: “i) a ação (...) fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) (...) demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) (...) depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz” (REsp nº. 1.061.530/RS).
No caso, existe questionamento do débito e plausibilidade da alegação de que os juros remuneratórios superam a taxa média de mercado (na linha dos julgados do Eg. STJ, tal como deduzido na petição inicial), relativamente ao contrato objeto da demanda (33,38% a.a. pactuado, enquanto a média atinge 21,31% a.a.).
Nesses termos, DEFIRO a tutela de urgência requerida para determinar a abstenção da inscrição do nome da parte autora em cadastros restritivos ao crédito em virtude do contrato objeto da lide ou, caso já tenha sido levada a efeito, a sua retirada, bem como a vedação do encaminhamento do título a protesto, sob pena de multa diária a ser fixada por este juízo, assegurando-se a manutenção da posse do veíuclo com a parte autora.
A tutela de urgência fica condicionada ao depósito mensal dos valores incontroversos em conta judicial vinculada a este processo, conforme orientação do Eg. STJ e exegese do Eg. TJRS, devendo o primeiro depósito ser comprovado no prazo de 05 dias, sob pena de revogação da liminar.
Ainda, defiro a inversão do ônus da prova em favor do postulante, uma vez caracterizada a hipossuficiência da parte consumidora-autora, relacionada à vulnerabilidade fática, técnica e jurídica, fulcro no artigo 6°, inciso VIII, do CDC.
Cite-se, nos termos do art. 246 do CPC.
Cumpra-se.
Diligências legais.
Em suas razões, a parte agravante requer a revogação das liminares, alegando ausência de encargos contratuais abusivos.
Vieram os autos conclusos e em condições de julgamento.
É o relatório.
Decido.
Na forma do art. 311, II, c/c art. 932, V, ‘a’ e ‘b’, ambos do CPC, dou parcial provimento ao presente recurso, conforme ora passo a expor.
Em 12.04.21 as partes ajustaram uma cédula de crédito bancário com cláusula de alienação fiduciária nº 501636943, referente a um automóvel modelo Ford/ Fusion, placa EWQ 5096.
DA MORA
Da análise da exordial da ação revisional de contrato se extrai que a parte agravada ajuizou a presente ação arguindo existir abusividades no contrato de financiamento firmado perante a instituição financeira, postulando pela revisão das cláusulas contratuais que seriam contrárias ao disposto no Código de Defesa do Consumidor.
A concessão da tutela, como remédio processual capaz de dar efetiva aplicação ao direito, merece cuidadosa interpretação, para que não venha a se transformar em verdadeira panacéia, em prejuízo das relações jurídicas e do sistema processual vigente.
Segundo orientação sedimentada no REsp paradigma nº 1061530/RS, “A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz.”
No caso, a parte agravante alega inexistir abusividades contratuais capazes de afastar a mora, postulando, então, pela revogação da tutela concedida.
Quanto à mora, entende-se, na esteira do acórdão paradigmático (RESP 1.061.530/RS) e da Súmula nº 380, que o ajuizamento isolado de ação revisional não descaracteriza a mora. Tal faz sentido, porquanto a demanda pode vir sem qualquer substrato jurídico consistente, por primeiro, ou em face de situações em que o inadimplemento se faz presente desde o começo da contratação, e já advém a ação revisional que não denotaria um agir de boa-fé por parte do consumidor.
Ademais, sustenta-se que o reconhecimento da abusividade sobre os encargos incidentes para o período de inadimplência contratual tampouco arreda a mora solvendi, uma vez que já se verificou o inadimplemento.
Portanto, entendo que apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios e capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.
Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):
“(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora”.
Quanto ao tema, o colendo STJ já o pacificou, preconizando que é livre a pactuação da taxa de juros entre os contraentes, exceto em havendo excesso manifestamente comprovado (na forma do decisório tornado paradigma – RESP 1.061.530/RS, rela. Min. Nancy Andrighi, j. 22/10/08), ocasião em que se limitam os juros.
Então, cumpre dizer que os juros serão limitados, a um patamar razoável, para expungir abusividade, e que a diretriz que se adota para fixar tal patamar é a taxa média do mercado, tal como fornecida pela BACEN em seu site, consoante estipulado no acórdão paradigma supramencionado. Os juros são limitados, então, em hipótese excepcional, qual seja, quando ultrapassada a taxa média de mercado.
No caso, o pacto prevê juros remuneratórios anuais no patamar de 33,38% a.a., superior ao patamar de uma vez e meia a taxa média de mercado apurada para o período em que se celebrou o ajuste, que era de 21,31% a.a. Presente, portanto, a abusividade contratual.
A capitalização dos juros em periodicidade...
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