Decisão Monocrática nº 50083966520188210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 18-04-2022

Data de Julgamento18 Abril 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50083966520188210008
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoDecisão monocrática

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002038933
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008396-65.2018.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATOR(A): Des. CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: MARIA BEATRIZ KOHL BOCK (AUTOR)

APELADO: SERASA S.A. (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA DE CANCELAMENTO DE REGISTRO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE DE EVIDENCIAR O BINÔMIO ADEQUAÇÃO X UTILIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO PROCESSO MANTIDA.

FALTA DE INTERESSE DE AGIR. EM TEMPOS DE PODER JUDICIÁRIO ABARROTADO DE DEMANDAS, ENTRE OUTRAS MEDIDAS PRÁTICAS, ENTENDO QUE ESTÁ NA HORA DE ADOTAR A IDEIA DA NECESSIDADE DE EVIDENCIAR O BINÔMIO ADEQUAÇÃO X UTILIDADE COMO CONDICIONANTE DO LEGÍTIMO INTERESSE DE AGIR, DEVENDO TAL PRESSUPOSTO SERVIR, EM REGRA - PRESERVADAS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS - EM ESPECIAL ÀQUELAS LIGADAS À URGÊNCIA, COMO PRESSUPOSTO À MOVIMENTAÇÃO DA MÁQUINA JUDICIÁRIA.

CASO DOS AUTOS. HIPÓTESE EM QUE A AUTORA FOI INCLUÍDA EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO DEVIDO À ENTREGA DE CHEQUES SEM FUNDOS, SEM NEGAR AS RELAÇÕES JURÍDICAS SUBJACENTES. APROVEITA-SE, PORTANTO DE LANÇAMENTOS LEGÍTIMOS DO SEU NOME EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO, PROPONDO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE CANCELAMENTO DAS RESTRIÇÕES CONTRA A ENTIDADE QUE LHE FORNECE A CERTIDÃO, SEM QUALQUER TENTATIVA DE RESOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL, EM VERDADEIRO ABUSO DO DIREITO DE DEMANDAR.

EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL MANTIDA.

APELAÇÃO DESPROVIDA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

Trata-se de apelação cível interposta por MARIA BEATRIZ KOHL BOCK contra a sentença (fls. 37/39 do evento 3, PROCJUDIC1) que, nos autos da ação ordinária de cancelamento de registro c/c indenizatória por danos morais movida em face de SERASA S.A., julgou extinto o feito, nos seguintes termos:

Tendo em vista que a parte autora não atendeu aos despachos das fls. 18/18v, e 23/24, pois deixou transcorrer "in albis" o prazo para comprovar a tentativa de resolução extrajudicial por meio do Projeto "Solução Direta ao Consumidor" (fl. 28v), indefiro a petição inicial e julgo extinto o feito, por falta de interesse processual, com fundamento no artigo 330, inciso III, c/com o artigo 485, incisos I e VI, ambos do Código de Processo Civil.

...

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, cuja exigibilidade, entretanto, resta suspensa, pois, ante o comprovante de rendimentos da fl. 15, defiro-lhe o benefício de gratuidade da Justiça, "ex vi" do disposto no artigo 98, "caput" e §3º, c/com o artigo 99, "caput" e §3º, ambos do Código de Processo Civil.

Nas razões (fls. 43/49 do evento 3, PROCJUDIC1), aventa o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Alega que teve seu nome lançado em cadastro de restrição ao crédito sem a devida notificação prévia, caracterizando dano moral. Sustenta a legitimidade passiva da requerida. Pugna pelo reconhecimento do interesse de agir para que a demanda seja julgada procedente.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 11, CONTRAZAP1).

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

O presente recurso deve ser conhecido, dispensado de preparo, uma vez que a parte autora litiga sob o pálio da gratuidade judiciária ( Evento 3, doc1, fl. 39); comportando julgamento monocrático, com amparo na Súmula 568 do STJ1 e artigo 206, XXXVI do RITJRS2.

A situação dos autos aborda controvérsia que traz à tona importante reflexão acerca do interesse de agir, não estando consolidada nesta Câmara a questão relativa à necessidade de exigir do autor a busca pela solução administrativa antes do ingresso da demanda judicial.

Como já expus sistematicamente nas jurisdições pelas quais passei, não pode o Judiciário continuar sendo a primeira e única forma de solução de litígios. A intervenção do Estado para solução de contendas deve ser por exceção, e não por regra, até porque, em especial em uma sociedade marcada por contratações por adesão e massificadas, não há a menor possibilidade de uma resposta minimamente aceitável caso se continue no caminho atual, de se admitir que tudo pode e deve virar processo.

Segundo dados do CNJ, no Relatório Justiça em Números, de 20211, para uma população de aproximadamente 210 milhões de habitantes, o Brasil contava com 75,4 milhões de processos em tramitação ao final do ano de 2020. Ademais, o levantamento aponta que os gastos do Judiciário atingem cerca de R$ 100,1 bilhões, representando 1,3% do produto interno bruto do País (PIB).

Apesar de alguns recentes avanços na redução do número de litígios, em nada sendo feito, caminhamos para uma situação de caos e conflagração da estrutura judiciária brasileira, conjuntura esta que, registre-se, já se vê em algumas unidades da federação.

O quadro que aí está tem uma série de razões. Destacaria apenas duas:

Em primeiro lugar, o Judiciário estava e está completamente despreparado para a realidade atual da sociedade moderna de consumo, onde os contratos não são mais firmados de forma individual e sim massificados, por adesão, marcados pela informalidade, gerando, no desrespeito, milhares de conflitos que não podem mais ser solucionados na forma antiga, ou seja, processo a processo. Impõe-se, neste tipo de situação, a valorização de soluções coletivas, sem falar na impostergável atuação mais efetiva das agências reguladoras.

Por outro lado, há um absoluto desajuste no mercado da advocacia. A cada seis meses estão sendo jogados, no já esgotado mercado, milhares de novos advogados, e estes, de forma absolutamente legítima, na expectativa da mantença e até mesmo da dignidade pessoal, vão em busca do ajuizamento de processos. Dessa forma, o litígio, hoje, já não é mais apenas resultado de um desajuste nas relações sociais e sim algo provocado, buscado, fomentado. O processo passou a ser um produto de mercado.

Situações assim estão ensejando, como já referido, um contexto insustentável, e é preciso que todos se conscientizem da necessidade de que algo seja feito. Não podemos simplesmente continuar a receber toda e qualquer demanda, embasados na ideia distorcida de que o acesso à Justiça é algo absoluto.

Passa da hora da revisão de alguns conceitos. Até porque, caso nada seja feito, a própria prestação jurisdicional ficará inviabilizada, configurando-se, na prática, verdadeira negativa de justiça, isso sim inaceitável.

O Judiciário não pode continuar a ser a primeira, única e mais rentável forma de solução de conflitos. Sua utilização deve ser por exceção e não por regra, comprovadas sempre, antes de mais nada, a necessidade e a razoabilidade da utilização da custosa máquina judiciária.

Entendo que todos nós, operadores do direito, em especial magistrados e advogados, não podemos simplesmente continuar a desconsiderar essa realidade que afronta o Princípio da Racionalidade, no sentido de que tudo deva virar processo, sem que ao menos haja uma tentativa de composição prévia.

Passa da hora de se resgatar a ideia de pretensão resistida como legitimadora de um processo judicial.

O mais grave é que grande parte dessas demandas são propostas sob o abrigo da gratuidade da justiça que, em verdade, não existe, pois, quando um não paga pela utilização do sistema judicial, paga toda a sociedade.

E mais.

Invoca-se sistematicamente o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal como justificativa do ajuizamento de uma ação sem a comprovação prévia de uma tentativa de composição.

Dispõe o referido artigo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[...]

Em primeiro lugar, na verdade, o que está acontecendo na prática é que esse demandismo desenfreado acaba por congestionar a máquina judiciária; e, de tal forma, que aí sim estamos materializando uma negativa de jurisdição, que já não consegue, em tempo hábil, responder às demandas da sociedade.

Em outras palavras, estar-se-á, sim, negando acesso à Justiça caso nada seja feito e continuemos com o entendimento de que tudo e de qualquer forma possa virar um processo judicial, quase sempre sem custo e sem uma prévia demonstração de que houve uma pretensão resistida a justificar a atuação jurisdicional.

No entanto, felizmente os Tribunais Superiores, conforme recentes precedentes a seguir examinados, estão acordando para o problema e, embasados sobretudo no Princípio da Racionalidade, estão condicionando o andar da custosa máquina judiciária a uma tentativa de solução prévia.

Daí a importância de se prestigiar decisões que busquem a racionalização do sistema, com o resgate da ideia de pretensão resistida como pressuposto da movimentação do Judiciário, que não foi criado ou planejado para ser a primeira porta de solução de conflitos da sociedade. Saliente-se, no ensejo, que essa orientação não se confunde com o esgotamento de todas as esferas administrativas postas à disposição da parte interessada, mas que elas tenham sido devidamente instadas e desatendido a pretensão.

Ressalto e peço especial atenção aos Colegas a este novo momento chancelado pelos Tribunais Superiores que, a meu ver, autorizam, sim, entendimento mais do que lógico no sentido de que, a não ser que haja uma urgência, em regra, pode e deve o Juiz exigir demonstração de tentativa prévia de solução, seja ela com uma notificação prévia ou, como nos autos, com a utilização de um sistema de composição extrajudicial efetivo, como é o “Solução Direta-Consumidor”, de modo a configurar pretensão...

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