Decisão Monocrática nº 50085440920198210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 19-01-2022

Data de Julgamento19 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50085440920198210019
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001559628
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008544-09.2019.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

APELANTE: JULIO LUIZ CICOLELLA (RÉU)

APELANTE: ZILA CICOLELLA (RÉU)

APELADO: COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS SICCOB - ECOCREDI (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. - JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA. LIMITAÇÃO. os juros remuneratórios podem ser convencionados em percentuais superiores a 12% ao ano desde que não se caracterizem abusivos ocasionando desequilíbrio contratual. Constatada abusividade justifica-se limita-los à taxa média de mercado das operações de mesma espécie divulgada pelo Banco Central do Brasil, como ditou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.112.879/PR representativo de controvérsia. Circunstância dos autos em que os juros contratados não excedem a taxa média de mercado. - VENCIMENTO ANTECIPADO DE OBRIGAÇÃO. a cláusula contratual que prevê a antecipação do vencimento da obrigação quando inadimplida parcela de empréstimo não é abusiva. Circunstância dos autos em que acordada cláusula de antecipação do vencimento não há abusividade a ser reconhecida; e se impõe manter a sentença. - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL. PLEITO DE MINORAÇÃO. os honorários advocatícios percentuais devem ser fixados atendendo aos critérios estabelecidos no art. 85 do CPC/15 e em particular com observância dos incisos do seu § 2º. Circunstância dos autos em que os honorários foram fixados no percentual mínimo; e não há o que minorar.

recurso desprovido.

DECISÃO MONOCRÁTICA

JÚLIO LUIZ CICOLELLA e ZILA CICOLELLA apelam da sentença proferida nos autos da ação de cobrança ajuizada por COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DE ASSOCIADOS SICCOB - ECOCREDI, assim lavrada:

RELATÓRIO
Trata-se de ação de cobrança em que litigam as partes acima nominadas.

Alegou a parte autora, na inicial, ser credora da parte ré da quantia de R$ 7.965,98.
Referiu que esse valor corresponde a soma dos débitos referentes a cheque especial e fatura impaga de cartão de crédito. Teceu considerações sobre o direito que entende aplicável ao caso. Requereu a condenação da parte ré ao pagamento do valor que lhe é devido.
A inicial foi recebida.

Na contestação, a parte ré sustentou a abusividade das cláusulas contratuais que maculam os contratos celebrados com a parte autora, mais precisamente em relação aos juros remuneratórios.
Defendeu que a abusividade dos juros descaracteriza a mora e afasta o vencimento antecipado da dívida. Postulou a improcedência do pedido. Reclamou a concessão da gratuidade da justiça.
A parte autora se manifestou sobre a contestação, refutando os argumentos da parte ré e reiterando os veiculados na inicial.

Oportunizei as partes a colaborarem com o saneamento do processo.
Ambas postularam o julgamento antecipado do pedido.
Proferi o que segue:
1 O Tribunal de Justiça já assentou a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais, no bojo de ação de cobrança intentada pela instituição financeira, quando postulada na contestação.
Nesse sentido é o acórdão abaixo ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. - Contrato de Cartão de Crédito nº 4891 **** **** 9110, sendo o valor total da última fatura anexada aos autos de R$11.282,51, datada de 23/05/2019. NULIDADE DA SENTENÇA. PRODUÇÃO DE NOVAS PROVAS. DESNECESSIDADE. Nos termos do art. 370 do CPC, o Magistrado é o destinatário final da prova, cabendo a ele verificar a pertinência da sua realização para o deslinde do feito. No caso dos autos, tratando-se de questão preponderantemente de direito e tendo sido juntada cópia do contrato firmado pelas partes, bem como faturas que demonstram a evolução do débito sem pagamento da parte demandada, resulta desnecessária a produção de outras provas. Portanto, mostram-se suficientes os documentos apresentados pela parte autora (evento 1), que inclusive, anexou o cálculo dos valores que estão sendo cobrados, com a demonstração dos encargos incidentes, possibilitando, assim, a impugnação pela parte demandada. Logo, não há que falar em cerceamento de defesa no caso. Preliminar rejeitada. POSSIBILIDADE DE PEDIDO REVISIONAL EM CONTESTAÇÃO DE AÇÃO DE COBRANÇA. Cabível a revisão das cláusulas contratuais em ação de cobrança, desde que haja pedido para tanto na contestação, sendo desnecessário, assim, o manejo de reconvenção. Precedentes. A par disso, deve ser admitido o pedido revisional. [...] RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50031476020198210021, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em: 26-05-2021)

2 Intime-se a parte ré para que junte o contrato de cartão de crédito celebrada com a parte autora (conta cartão nº 7563354035629), no prazo de quinze dias.
3 Juntado o documento, dê-se vista à parte ré por igual prazo.

4 Por fim, retornem conclusos para julgamento.

A parte autora juntou o contrato, sobre o qual não se manifestou a parte ré.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
Do julgamento antecipado do pedido

A matéria controvertida no feito resolve-se à luz da prova já produzida.

Outrossim, não houve requerimentos probatórios pelas partes.

Acresço que apenas as cláusulas especificamente impugnadas serão objeto de revisão, nos termos do enunciado nº 381 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

De rigor, portanto, o julgamento antecipado do mérito, nos termos dos artigos , 139, inciso II, e 355, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015.

Do mérito
Da possibilidade de revisão contratual

A liberdade contratual, porque não absoluta, deve ser exercida observando-se as limitações impostas pelas cláusulas gerais, notadamente no que diz com a função social do contrato e a boa-fé objetiva, e pela supremacia da ordem pública, e, presente relação de consumo, pelas normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Daí porque a força obrigatória do contrato ante a nova realidade legal, deve ser interpretada no sentido da sua manutenção e continuidade de execução, observadas as regras da equidade, do equilíbrio contratual, da boa-fé objetiva e da função social do contrato.
Falar-se em pacta sunt servanda, com a conformação e o perfil que lhe foram dados pelo liberalismo dos séculos XVIII e XIX, é, no mínimo, desconhecer tudo o que ocorreu no mundo, do ponto de vista social, político, econômico e jurídico nos últimos duzentos anos. O contratante mais forte impõe as cláusulas ao contratante mais débil, determina tudo aquilo que lhe seja mais favorável, ainda que em detrimento do outro contratante, procedimentos que quebram as regras da boa-fé objetiva e da função social do contrato, e ainda quer que esse seu comportamento seja entendido como correto pelos tribunais, invocando em seu favor o vetusto brocardo romano pacta sunt servanda (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: contratos e atos unilaterais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 41-42).
Sobre o tema, colaciono os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA. [...]
1.1. Ademais, a jurisprudência deste Tribunal Superior é firme no sentido de que o princípio da pacta sunt servanda pode ser relativizado, visto que sua aplicação prática está condicionada a outros fatores, como, por exemplo, a função social, a onerosidade excessiva e o princípio da boa-fé objetiva dos contratos. Incidência da Súmula 83/STJ. [...]
(AgInt no AREsp 1506600/RJ, Rel.
Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2019, DJe 12/12/2019)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. REVISIONAL. PACTA SUNT SERVANDA. RELATIVIZAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE DO REEXAME DA QUESTÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
1. A legislação consumerista permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, relativizando o princípio do pacta sunt servanda. [...]
(AgRg no AREsp 349.273/RN, Rel.
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 07/10/2013)

Veja-se que, nem mesmo a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores - enunciado nº 286 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, já assentei a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais, no bojo de ação de cobrança, dispensada a reconvenção, na esteira de julgados do Tribunal de Justiça.

Da incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor aplica-se à relação jurídica que lastreia o pedido veiculado na inicial.

Com efeito, a parte ré presta serviços de caráter financeiro à parte autora, incidindo na espécie, por conseguintes, as normas dos artigos 2 e 3º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

O só fato de se cuidar de cooperativa de crédito, instituição financeira, por força do disposto nos artigos 17 e 18, § 1º, da Lei n. 4.595/1964, não afasta a incidência desse diploma legal.

Tenha-se presente que a cooperativa atua como fornecedora inclusive para seus cooperados, porque destinatários finais dos serviços que presta.

Acerca da matéria, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO INCAPAZ DE ALTERAR O JULGADO. COOPERATIVA DE CRÉDITO. CÓDIGO DO CONSUMIDOR. APLICAÇÃO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE AGIR. SÚMULA Nº 259/STJ. PEDIDO GENÉRICO...

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