Decisão Monocrática nº 50087303620228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 18-02-2022

Data de Julgamento18 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50087303620228217000
Tipo de documentoDecisão monocrática
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001751527
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5008730-36.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Espécies de títulos de crédito

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

AGRAVANTE: GUILHERME MARSILIO SUSIN

AGRAVANTE: INDUSTRIA E COMERCIO DE BEBIDAS C.M.S LTDA - EPP

AGRAVADO: SUPERMERCADO W.P.F. ATACADAO EIRELI

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ação declaratória. reconvenção. cumprimento de sentença. - NECESSIDADE DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, (DISREGARD OF LEGAL ENTITY) É MEDIDA APLICÁVEL PELA TEORIA MAIOR EM CASO DE ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA CARACTERIZADO PELO DESVIO DE FINALIDADE OU PELA CONFUSÃO PATRIMONIAL (ART. 50 DO CC), OU PELA TEORIA MENOR DIANTE DO INADIMPLEMENTO E FALTA DE BENS PARA RESPONDER POR OBRIGAÇÕES PERANTE O CONSUMIDOR (ART. 28 DO CDC). NA TÉCNICA DO CPC/15 TRATA-SE DE INCIDENTE COM PROCEDIMENTO FORMAL (ART. 133 A ART. 137). CIRCUNSTÂNCIA DOS AUTOS EM QUE SE IMPÕE MANTER A DECISÃO RECORRIDA QUE RECONHECEU NECESSÁRIA A INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE PRÓPRIO.

RECURSO DESPROVIDO.

DECISÃO MONOCRÁTICA

GUILHERME MARSILIO SUSIN e INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE BEBIDAS C.M.S LTDA - EPP agravam da decisão proferida nos autos do cumprimento de sentença que lhes move SUPERMERCADO W.P.F. ATACADÃO EIRELI. Constou da decisão agravada:

Vistos.
Pretendendo a desconsideração da personalidade jurídica, a parte credora deverá distribuir o incidente, na forma dos arts. 133 e seguintes do CPC.

Nas razões sustenta que as provas produzidas no processo são evidentes a fim de demonstrar confusão patrimonial existente entre as empresas litigantes, bem como seus sócios, com o propósito de lesar credores, apto a amparar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica; que está demonstrada a criação de uma segunda empresa com mesmo ramo de atuação da devedora, estando patente vínculos de intimidade e parentesco de seus sócios e administradores, além de demonstrada a identidade de endereços entre pessoas físicas e jurídicas; que os contratos sociais da empresa demandada e da decisão proferida nos autos de Execução Fiscal nº5000112- 11.2010.4.04.7104/RS da 3ª Vara Federal de Passo Fundo anexados, determinou a indisponibilidade das quotas sócias dos sócios anteriores, vedação de extinção da empresa e impedimento de registro de novas empresas; que a empresa executada e os sócios notoriamente buscam cometer fraudes contra credores, inclusive reconhecidamente mal intencionadas nos autos deste processo e condenados por má-fé; que a sócia atual deve responder pela dívida, devendo ser imposto a ela a devida responsabilização por sua má-fé, com os seus bens e valores; que seja dado provimento ao presente recurso, a fim de que seja redirecionada a execução para a sócia abaixo identificada, procedendo a intimação nos termos da lei. Postula pelo provimento do recurso.

Decido.

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim, analiso-o.

NECESSIDADE DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA.

A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica está consagrada no Código Civil:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Assim, aquele artigo admite a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade que se caracteriza pelo ato intencional (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração) ou quando evidenciada a confusão patrimonial e os bens de um se confundem ou escondem no acervo do outro (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração). Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery explicam o disregard of legal entity:

Desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal entity). Consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade moral sempre que esta venha a ser utilizada para fins fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída, permitindo que o credor de obrigação assumida pela pessoa jurídica alcance o patrimônio particular de seus sócios ou administradores para a satisfação de seu crédito.

(In Código Civil Comentado. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 234)

O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também acolhe a Teoria:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 1° (Vetado).
§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Assim, a técnica do CDC, norma especial, consagra a Teoria Menor da Desconsideração ao admitir que o estado de insolvência e o inadimplemento são suficientes à sua aplicação.

Cabe considerar, ainda, que não obstante se trate de medida drástica, é instrumento da maior relevância para que se cumpram princípios da lealdade e da boa-fé nas relações civis e comerciais, prestigiando a efetividade das decisões judiciais.

Por fim, o CPC/15 inovou ao prever a instauração de incidente próprio para postular a desconsideração da personalidade jurídica; e assim dispõe sobre o procedimento:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Sobre o ponto, destaca o ensinamento de Humberto Theodoro Junior:

Na hipótese de a desconsideração da personalidade jurídica ser requerida nos autos da execução ou durante o cumprimento de sentença, mesmo quando a formulação do pedido se der na própria petição inicial ou no requerimento do cumprimento da sentença, será sempre obrigatória a observância do incidente regulado pelos arts. 134 a 136. É que o procedimento executivo, em sua forma pura, não tem sentença para resolver sobre a responsabilidade nova (a do sócio ou da pessoa jurídica não devedora originalmente) e, sem tal decisão, faltará título executivo para sustentar o redimensionamento da execução. Somente, portanto, por meio do procedimento incidental em tela é que, cumprido o contraditório, se chegará a um título capaz de justificar o redimensionamento. Cabe, pois ao incidente a função de constituir o titulo legitimador da execução contra aqueles a que se imputa a responsabilidade patrimonial pela obrigação contraída em nome de outrem.

(In Curso de Direito Processual Civil, Volume I, Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 406).

Acerca da desconsideração da personalidade jurídica,...

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